Budismo Geral Opinião e Perspetivas

O Budismo é para todos!

A proposta do Buda é elevada, mas também é flexível. Podemos comparar por exemplo com o treino desportivo. Há os que estão a treinar para as olimpíadas e os que são atletas de fim de semana.

Este post vem no seguimento do post É difícil praticar, não estou à altura, vou desistir! É a minha visão pessoal e pode estar ou não estar integralmente de acordo com a visão geral dos mestres.

Para todos os que se queiram melhorar, transformar, progredir gradualmente, o Budismo serve, independentemente do lugar onde estão no caminho. Santos e iluminados não precisam do Budismo, quem precisa somos nós, que temos defeitos e dificuldades.

“Budismo não é para os santos, para os calmos, para os iluminados.
Budismo é para os arrogantes, preguiçosos e ignorantes, que queiram se transformar.”

– Rev. Mauricio Hondaku

“Entre os que foram persuadidos a seguir o caminho do Dhamma e a evitar o mal, havia assassinos notórios como Angulimala, Alavaka e Nalagiri, centenas de ladrões, canibais e recalcitrantes, como Saccake. Todos eles foram trazidos para o âmbito do Dhamma, e alguns até alcançaram a santidade durante a vida. Até mesmo o Devadatta, o arqui-inimigo do Buda, foi reabilitado pelo Buda através da sua grande compaixão.”
– K. Sri Dhammananda, 9 Grandes Virtudes (ou qualidades) do Buda

A proposta do Buda é elevada, mas também é flexível. Podemos comparar por exemplo com o treino desportivo. Há os que estão a treinar para as olimpíadas, com uma prática intensa, com vários sacrifícios; há aqueles que são desportistas de fim de semana; os que conseguem correr 5 km numa hora; os que conseguem 10 km numa hora; os que não correm mais que 20 minutos; etc. Todos se podem beneficiar da prática desportiva, cada um ao seu nível e com os resultados de acordo com o nível de treino. Todos podem começar com uma prática mais lenta e ir progressivamente melhorando.

O Buda apresenta-nos uma visão de mundo para nos motivar a progredirmos diligentemente, como se os nossos cabelos estivessem em chamas, sem tempo a perder. Mas também deu ensinamentos adequados aos vários tipos de pessoas, para o atleta olímpico, e para os que têm uns quilinhos a mais.

A prática espiritual buddhista é ‘um fazer gradual, um treinamento gradual, uma prática gradual’. Enquanto pedia aos seus discípulos para ficarem de olho no objetivo principal, o Buddha também ensinou uma gama de objetivos secundários para a maioria; ser bom, gentil e honesto, um esposo ou um pai carinhoso, um doador generoso, um anfitrião hospitaleiro, um cidadão responsável e por aí adiante.”
– Bhante Dhammika, Objectivo Principal e Secundário do Budismo

“Existem alguns que acreditam que o Buddhismo é tão elevado e sublime como sistema que ele não pode ser praticado por homens e mulheres comuns no cotidiano de trabalho. Essas mesmas pessoas pensam que o sujeito deve se retirar para um monastério ou para algum lugar calmo, caso ele deseje se tornar um verdadeiro buddhista. Esse é um triste equívoco que surge de uma falta de entendimento sobre o Buddha. (…) Os Ensinamentos são também para homens e mulheres simples que vivem em casa com suas famílias.”
– K. Sri Dhammananda, Objectivo Principal e Secundário do Budismo

O Buda deu ensinamentos para quem queria melhorar apenas alguns aspetos da vida, para quem queria melhorar o karma, para quem queria ser uma pessoa melhor, para quem queria obter um melhor renascimento. Ele deu conselhos sobre como gerir o dinheiro, sobre relacionamentos, sobre aspetos mundanos da vida… Ensinou monges e leigos com motivações diferentes.

Como referi no post anterior, a maioria dos Tailandeses se considera budista e não medita. Deve haver mais leigos a meditar no Ocidente do que no Oriente. E se por um lado isso é bom, muito bom mesmo, porque mostra que em muitos aspetos até existe uma prática de maior qualidade em comparação com os países budistas do Oriente; por outro lado, o Budismo ao ser apresentado apenas dentro de níveis elevados de prática, afasta muitas pessoas que não estão viradas para uma prática mais intensa mas que se beneficiariam muito apenas de ensinamentos mais simples.

Por isso também acho que o Budismo “fast food” e de “autoajuda”, que muita vezes é criticado, inclusive por mim, tem o seu espaço. Conforme referi no post anterior, há uma parábola que diz que se o praticante está com sede e não consegue beber o rio todo, bebe só o que consegue. Sou da opinião que o Budismo serve para quase qualquer tipo de pessoa, quem só consegue “beber” um pouco então que seja assim, melhor um pouco que nada, e com o tempo talvez vá melhorando. Mesmo que a pessoa tenha uma prática rudimentar é uma semente que está a ser plantada e que no futuro pode germinar.

É importante é evitar a distorção dos ensinamentos. Por exemplo se alguém não consegue evitar drogas ou bebedeiras, pratica conforme consegue mas sem achar justificação dentro do Budismo para as ações incorretas (o que muitas vezes acontece). Também é importante ter a noção que há algo muito mais profundo que pode e deve ser seguido e praticado, afinal o Despertar ou iluminação é o objetivo primário do Budismo.

O Caminho budista é gradual, se é verdade que nós também nos devemos adaptar para seguir o melhor possível os princípios budistas, também é verdade que o Budismo se adapta à maioria das realidades. Não está distante da nossa realidade. É para monges e monjas e para quem tem uma vida comum com os seus problemas inerentes.

“A pratica budista só tem sentido se é usada na vida diária.”
– Monge Genshô

Além do que foi referido acima, o Budismo também acolhe todos, independentemente do status social, raça, sexo, orientação sexual, ou qualquer outra característica. O Budismo também não pertence a uma cultura em particular, os ensinamentos do Buda são universais e qualquer pessoa os pode seguir independentemente do local onde nasceu e sem ter de cortar todas as suas raízes culturais e adotar a cultura de um país tradicionalmente budista.

Mas também é preciso frisar de que apesar do budismo ser para todos, ou quase todos, também não deve ser usado como uma etiqueta ou rótulo que colocamos só para podermos dizer que “somos budistas”. Podemos vivenciar e praticar o budismo de diferentes formas, mas quer sejamos um “atleta olímpico” ou um “atleta de fim de semana”, o budismo deve ser praticado adequadamente, se não pode tornar-se apenas numa forma de materialismo ou desvio espiritual.

“Se açougueiros podem se tornar praticantes; soldados, pescadores e prostitutas também podem. Na verdade, qualquer pessoa pode ser praticante budista porque, independentemente das suas condições e estilo de vida, nada pode impedir alguém de praticar o Dharma de Buda.”

“Podemos não ter nascido num país budista nem numa família budista, podemos não usar túnicas nem rapar a cabeça, podemos comer carne e idolatrar Eminem e Paris Hilton. Não é isso que nos impede de ser budistas.”
– Dzongsar Jamyang Khyentse

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