Artes Zen/Chan

Enso, o Círculo Zen

Enso é uma palavra japonesa que significa “forma circular” e geralmente é traduzida como Círculo Zen. Este é um dos símbolos mais conhecidos e característicos do Budismo Zen, tendo-se tornado também um dos mais relevantes e representativos da estética japonesa. Entre os múltiplos significados, o enso define o estado de espírito Zen, simboliza a vacuidade e a iluminação budista ou, por outras palavras, o despertar. O enso é geralmente desenhado à mão com uma ou duas pinceladas.

Origens

A origem exata do símbolo perdeu-se no tempo. Segundo John Stevens, autor de “Sacred Calligraphy of the East”, num artigo para a revista budista Lion’s Roar declara que a biografia do mestre Nagarjuna afirma lendariamente que sempre que Nagarjuna ensinava em público, aparecia como um círculo luminoso para revelar a verdadeira forma da natureza búdica: “Nem grande nem pequena, nem larga nem estreita, nem boa nem ruim, nem transitória nem eterna.” Bodhidharma, o grande patriarca do Zen, era chamado de “Grande Mestre da Iluminação do Círculo”. Diz-se que o Sexto Patriarca Huineng empregou o uso de noventa e seis tipos de círculos nos seus ensinamentos. No Shinjinmei, um texto Zen antigo, o caminho de Buda é descrito como “um círculo tal com um vasto espaço, sem nada faltando, nada em excesso”.

Ainda que a origem exata deste símbolo seja difícil de rastrear, o mais antigo exemplo da pintura do enso, e possivelmente a primeira pintura Zen, remonta ao século XVIII e está registada no Keitokudento-roku. Um monge pediu ao mestre Isan que desenhasse o símbolo da iluminação. Isan recusou-se dizendo: “Porque hei-de fazê-lo, se está mesmo aí, em frente aos teus olhos?” Assim, o monge – em busca de algo mais concreto – dirigiu o seu pedido a Kyozan (814-890). O mestre chinês Kyozan desenhou um círculo num pedaço de papel dizendo: “Pensar sobre isto e, depois, perceber que isso fica em segundo lugar; não pensar sobre isto e, depois, perceber que isso fica em terceiro lugar.”

A partir dessa data, os enso aparecem inúmeras vezes na arte Zen, especialmente no Japão. Junto com os retratos de Bodhidharma, quase todos os mestres Zen desde a época japonesa de Hakuin produziram pinturas enso.

Significados

O enso exprime uma miríade de coisas e é sujeito a uma rica variedade de interpretações – visto como tudo, desde um bolo de arroz a um símbolo da vacuidade. Conforme afirma o Monge Genhsô, os símbolos têm a vantagem de falar ao nosso inconscientes e têm um significado mais amplo e irrestrito do que as palavras, que são mais limitadoras.

Vimos anteriormente que foi pedido ao mestre Kyozan que desenhasse um símbolo da iluminação e ele desenhou o enso. Como tal, a representação da iluminação, ou para usar uma palavra japonesa, do Satori, é um dos significados.

Pode simbolizar também a lua, que é em si um símbolo da iluminação – como no ditado zen: “Não confunda o dedo apontando para a lua com a própria lua.” Por outras palavras, não confunda doutrinas, ensinamentos ou explicações, que se destinam a guiar alguém para a iluminação, com a própria iluminação. O enso também pode retratar o reflexo da lua na água ou um grande espelho redondo.

O círculo também representa a não-mente, o Vazio (Mu) e o estado perfeito de meditação (Samadhi). O círculo fechado representa a perfeição, como a perfeição de um círculo sem inicio nem fim. O círculo aberto representa a interdependência, o desenvolvimento, o caminho que leva da ignorância à sabedoria (esclarecimento). Representa a impermanência, o principio e fim de tudo e, também está relacionado com a ideia do wabi-sabi, a beleza da imperfeição.

É um símbolo do absoluto que combina em si o visível e o invisível, o simples e o profundo, o cheio e o vazio. Representa a força, a elegância, o equilíbrio, a harmonia, a natureza cíclica da vida, a realidade, o Universo, entre muitas outras coisas. Mas, independentemente de como seja entendido, o enso é antes de tudo uma expressão da mente do artista que o desenha.

Audrey Yoshiko, autora do livro “Ensō: Zen Circles of Enlightenment”, salienta que: “Aparentemente perfeitos em sua continuidade, equilíbrio e senso de completude, e ainda frequentemente irregulares na execução, enso são ao mesmo tempo a forma mais fundamentalmente simples e mais complexa. Eles parecem deixar pouco espaço para variação, mas nas mãos dos mestres Zen, as variedades de expressão pessoal são infinitas. Enso evoca poder, dinamismo, charme, humor, drama e quietude.”

Tam Huyen Van (atualmente Monge Komyô), em 2006 escreveu um texto sobre o Círculo Zen em que afirma: “Esta representação é ao mesmo tempo arte, linguagem e meditação unidos em um único gesto de criação, interpretação e reflexão. Talvez a mais definitiva e plena das representações conceituais Zen, o Círculo Zen também pode ser um importante modelo de estudo sobre a prática consciencial buddhista.”

Estilos

Cada mestre Zen tem o seu próprio estilo. Alguns círculos são perfeitamente simétricos, outros completamente desequilibrados; alguns são feitos num traço único, outros são compostos por dois semicírculos; alguns são mais grossos, outros são mais finos; alguns são círculos fechados, outros são círculos abertos. Alguns começam na parte superior do papel, outros começam na parte inferior; mas a maioria começa no canto esquerdo do papel.

Algumas pinturas têm o enso e nada mais, mas a maioria tem alguma inscrição, como um koan, um haiku (poema) ou uma dica quanto ao significado do círculo. Por exemplo um famoso verso do poeta Zen chinês Hanshan – “O meu coração é como a lua de Outono” – indica que o enso simboliza a mente lunar da iluminação. O enso pode representar o zero, então as inscrições Mu (nada, vazio) ou Honrai muichi motsu (Originalmente nenhuma coisa!) são comuns. Outra inscrição: “Dentro do círculo sempre giratório das paixões humanas, as coisas vêm e vão, vêm e vão”. Um koan famoso: “Este é o rosto dos seus pais antes deles terem nascido.” Como o humor é um elemento importante do Zen, às vezes os enso vêm acompanhados de inscrições como: “Isto é a lua? Um bolo de arroz? O topo de um balde? Ou talvez apenas a cabeça careca de um monge!”

Uma inscrição muito comum é simplesmente: “O que é isto?” deixando a interpretação para o espectador. Depois de uma mestre Zen ter feito essa pergunta na sua própria pintura, outro mestre Zen acrescentou: “Eu também não sei!” As inscrições no enso podem ser sempre interpretadas em vários níveis e têm diversos significados.

Como é desenhado

Normalmente o enso é desenhado num movimento fluido e expressivo. Uma vez que o enso é desenhado, ele não é alterado. Ele evidência o carater do seu criador e o estado da sua mente, por isso desenhar o enso é uma prática espiritual. Nesse momento, a mente do criador, o pincel, a tinta, o papel e o movimento de desenhar se tornam num só. A verdadeira criação deve surgir de mushin, o estado de “não-mente”, no qual o pensamento, as emoções e as expectativas não importam. Esta prática espiritual de desenhar o enso ou escrever caligrafia japonesa para a auto-realização é chamada de hitsuzendō (o caminho do Zen através do pincel).

Referências: Lion’s Roar; Palestra YT Monge Genshô; Wikipédia 1, 2; Ensō: Zen Circles of Enlightenment – Audrey Yoshiko; O Círculo Zen – Tam Huyen Van.

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