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A ética budista e os 5 preceitos

“A ética fundada na compreensão é sempre mais forte que a ética que se limita a obedecer a uma ordem. Então, para saber o que é certo ou errado, o budista observa três fatores: a intenção (cetana) por detrás do ato, o efeito que o ato terá sobre o agente e o efeito que o ato terá sobre os demais.”
– Bhante Shravasti Dhammika


Conteúdo:


O que é a ética? O que é a ética no budismo e qual a sua base?

O Dr. Alexander Berzin, no site studybuddhism, afirma que a ética é:

«um sistema de valores morais que molda o nosso comportamento para fazer nossa vida mais feliz. Com a ética, vivemos com honestidade, o que faz com que as pessoas tenham mais confiança e amizade conosco. A ética é a chave para a felicidade.

No Budismo, a ética baseia-se na consciência discriminativa: usamos nossa inteligência para discernir entre o que gera felicidade duradoura e o que gera problemas recorrentes. Não é uma questão de obedecer cegamente uma lista de regras, mas de perceber que faz sentido seguir algumas orientações éticas.

Se realmente nos preocupamos conosco, faz sentido tomarmos decisões inteligentes em relação ao nosso comportamento. A baixa autoestima nos leva a uma atitude de indiferença moral, enquanto uma autoestima positiva nos leva à dignidade. Quando temos dignidade, nos respeitamos tão profundamente que nunca cogitamos agir de maneira antiética, simplesmente não parece certo.

A prática budista é baseada no bom senso. Se formos egoístas, irritados e arrogantes, como esperar uma vida pacífica e feliz?

No budismo, pode-se tomar vários níveis de votos. Por exemplo, monges plenamente ordenados, na tradição tibetana, têm que seguir 253 votos, e muitos budistas leigos tomam os “cinco preceitos dos leigos” […].»

No post “A Base da Ética no Budismo”, publicado no site Daissen, o Monge Genshô diz o seguinte:

«Algumas pessoas já disseram coisas como: “se Deus não existe, tudo é permitido”. Isso é um erro de avaliação da questão ética. Não é assim, eu não preciso de um Deus me castigando por um ato meu para compreender que meu ato é errado e para me arrepender dele. Quer dizer que se não houvesse um Deus, eu não me arrependeria de matar alguém, de maltratar alguém, de destruir algo, eu preciso de um “pai” para que eu me sinta culpado? E se ele não existir, então eu posso fazer qualquer coisa? É assim?

A ética no budismo não é construída em cima do medo e nem do prêmio. Você constrói sua ética por seu sentimento de responsabilidade e por sua compaixão com os outros seres. É porque você sente compaixão que você não faz isso, é porque você respeita que você não faz. Essa ética tornou-se muito mais ampla porque é muito maior do que regras – ela abrange criticar qualquer ato seu -, afinal de contas, por exemplo, a regra sobre sexualidade no budismo diz para não usar sua sexualidade de forma a causar sofrimento. Isso é muito amplo, porque se você apenas seduz alguém com um olhar e depois despreza, só de brincadeira, isso é causar sofrimento e já é muito errado. Você não tem licença de usar sua beleza para causar sofrimento, sua fascinação para causar sofrimento, qualquer ato que causa sofrimento aos outros é errado, não importa a desculpa que você ache para fazê-lo. Então, a ética para o budismo é construída em outras bases, não é construída nas bases de prêmios e castigo, mas sim de responsabilidade, de sentimento em relação aos outros, de empatia, de compaixão, e isso quer dizer não somente com os outros seres humanos, mas todos os seres que podem sofrer. Esse treinamento acaba levando as coisas para níveis muito mais sofisticados de conduta.»

Os 5 Preceitos

1. Evitar matar ou ferir seres vivos
2. Evitar roubar
3. Evitar a má-conduta sexual
4. Evitar mentir
5. Evitar o álcool e outras drogas intoxicantes

Trechos do livro “Boas perguntas, Boas respostas” de Bhante Shravasti Dhammika.
As notas são do autor deste artigo.

Pergunta: Outras religiões derivam suas ideias sobre o que é certo e errado a partir das ordens de seu deus ou deuses. Vocês budistas não acreditam em um deus, então, como vocês sabem o que é certo e o que é errado?
Resposta:
Quaisquer pensamentos, discursos ou ações que se baseiem em ganância, ódio e ilusão, e que, portanto, conduzam para longe do Nirvana, são ruins; e quaisquer pensamentos, discursos ou ações que se baseiem em caridade, amor e sabedoria, e que, portanto, ajudam a clarear o caminho rumo ao Nirvana, são bons. Nas religiões centradas em deus, para saber o que é certo ou errado basta seguir o que lhe mandam. Em uma religião centrada no homem, como o Budismo, para saber o que é certo ou errado é necessário desenvolver uma autoconsciência profunda, assim como autocompreensão.

A ética fundada na compreensão é sempre mais forte que a ética que se limita a obedecer a uma ordem. Então, para saber o que é certo ou errado, o budista observa três fatores: a intenção (cetana) por detrás do ato, o efeito que o ato terá sobre o agente e o efeito que o ato terá sobre os demais. Se a intenção é boa (fundada na generosidade, no amor e na sabedoria), se o ato me ajuda (me ajuda a ser mais generoso, mais amoroso e mais sábio) e ajuda aos outros (ajuda a serem mais generosos, mais amorosos e mais sábios), então meus atos e ações são benéficos, bons e moralmente corretos.

É claro que existem muitas variações possíveis quanto ao agir. Às vezes, eu ajo com a melhor das intenções, mas não beneficiarei nem a mim nem aos demais. Às vezes minhas intenções estão longe de serem boas, mas meu ato, todavia, ajuda aos outros. Às vezes eu ajo com boa intenção, meu ato me ajuda, mas prejudica outra pessoa. Em tais casos, meus atos são o que o Buda chamava de “mesclados” (vitimissa) – uma mistura de bom e não-tão-bom. Quando as intenções são ruins e a ação não auxilia ninguém, então tal ato é ruim. E quando minha intenção é boa e meu ato ajuda tanto a mim quanto aos demais, então o ato é completamente bom.

Pergunta: Então o Budismo tem um código moral?
Resposta:
Sim, tem. Os Cinco Preceitos são a base da moral budista [Sila]. O Primeiro Preceito é evitar matar ou ferir seres vivos; o Segundo é evitar roubar; o Terceiro é evitar a má-conduta sexual; o Quarto é evitar mentir; e o Quinto é evitar o álcool e outras drogas intoxicantes.

[1. Evitar matar ou ferir seres vivos]

Pergunta: Mas, às vezes não é bom matar? Por exemplo, matar insetos que espalham doenças, ou quando alguém está prestes a matá-lo?
Resposta: Pode ser bom para você, mas e para o inseto ou para a pessoa que você matar? Eles desejam viver tanto quanto você. Quando você decide matar um inseto nocivo, sua intenção provavelmente é uma mistura de autopreservação (bom) e repugnância (ruim). O ato irá beneficiá-lo (bom), mas obviamente não beneficiará o inseto (ruim). Então, às vezes matar é necessário, mas tal ato nunca será inteiramente bom.

Pergunta: Vocês budistas se preocupam demais com formigas e insetos.
Resposta:
Os budistas tentam desenvolver uma compaixão que não discrimina e a tudo alcança. Nós vemos o mundo como um todo unificado em que cada coisa e criatura têm um lugar e uma função. Nós acreditamos que devemos tomar muito cuidado antes de destruir ou perturbar o delicado balanço da natureza. Em todos os lugares onde se deu ênfase em explorar a natureza ao máximo, sugando seus recursos até a última gota sem devolver nada em troca, conquistando-a e subjugando-a, a natureza se revoltou. O ar está se tornando envenenado, os rios estão poluídos e mortos, muitas plantas e animais estão em extinção, as encostas das montanhas estão estéreis e erodidas. Até mesmo o clima está mudando. Se as pessoas fossem um pouco menos ansiosas para esmagar, destruir e matar, essa situação terrível talvez não existisse. Nós devemos lutar para desenvolver um pouco mais de respeito por toda a vida que existe. Essa é a proposta do Primeiro Preceito.

Nota: é impossível viver sem causar sofrimento e existe uma certa hierarquia entre os seres, se por exemplo uma criança está com piolhos, sim, é necessário eliminar a praga, mas, devemos pautar a nossa vida de forma a gerar o mínimo de sofrimento possível.

[2. Evitar roubar]

Pergunta: Conte-me sobre o Segundo Preceito.
Resposta: Quando nós aceitamos este Preceito, nós nos comprometemos a jamais tomar qualquer coisa que não seja nossa. O Segundo Preceito relaciona-se a refrear nossa ganância e a respeitar a propriedade dos outros.

[3. Evitar a má-conduta sexual]

Pergunta: O Terceiro Preceito diz que nós devemos evitar a má-conduta sexual. O que é má-conduta sexual?
Resposta:
Se nós usarmos de malandragem, chantagem emocional ou força para levar alguém a praticar sexo conosco, então há má-conduta sexual. O adultério também é uma forma de má-conduta sexual, porque quando nos casamos prometemos a nossa esposa ou esposo que seremos leais. Quando cometemos adultério quebramos essa promessa e traímos a confiança de nosso parceiro. O sexo deveria ser a expressão de amor e intimidade entre duas pessoas, e, quando isto é verdade, ele contribui para nosso bem estar mental e emocional. (veja mais sobre esta questão aqui e aqui)

[4. Evitar mentir]

Pergunta: Mas e o Quarto Preceito? É possível viver sem contar mentiras?
Resposta: Se realmente for impossível ser bem sucedido na sociedade ou realizar negócios sem mentir, então esse chocante e corrupto estado das coisas deve ser mudado. O budista é uma pessoa que se decidiu a buscar uma solução prática para esse problema, tentando ser mais verdadeiro e honesto sempre.

Pergunta: Se você estivesse sentado em um parque e um homem apavorado passasse correndo por você, e, alguns minutos depois um homem carregando uma faca aparecesse perguntando se você viu o rumo que o primeiro homem tomou, você lhe diria a verdade ou mentiria para ele?
Resposta:
Se eu tivesse bons motivos para acreditar que o segundo homem pretendia ferir gravemente o primeiro, eu, como um budista inteligente e preocupado, não hesitaria em mentir. Foi dito anteriormente que um dos fatores que determinam se um ato é bom ou ruim é a intenção. A intenção de salvar uma vida é muito mais correta e positiva do que a de contar uma mentira é errada e negativa, principalmente em circunstâncias como a narrada. Se mentir, beber ou até mesmo roubar é a forma por meio da qual eu posso salvar uma vida, então eu devo fazê-lo. Eu sempre posso me corrigir por ter violado os Preceitos, mas eu nunca poderei trazer uma vida perdida de volta. Entretanto, como dito antes, por favor, não interprete o que eu expliquei como uma licença para violar os Preceitos sempre que for conveniente. Os Preceitos devem ser praticados com grande cuidado, e somente transgredidos em casos extremos e excepcionais.

Nota: o sentido deste preceitos é de não enganar os outros, não causar o mal com as palavras através do engano.

[5. Evitar o álcool e outras drogas intoxicantes]

Pergunta: O Quinto Preceito diz que não devemos tomar álcool ou outras drogas. Por quê?
Resposta:
Raramente as pessoas bebem por prazer, por gosto. Quando se bebe sozinho, busca-se a liberação das tensões, e quando se bebe socialmente, busca-se aceitação e integração ao grupo. Até mesmo uma pequena quantidade de álcool distorce a consciência e deturpa a autoconsciência. Tomado em grandes quantidades, seu efeito pode ser devastador. Os budistas dizem que ao violar o Quinto Preceito, você pode ser levado a transgredir todos os outros Preceitos.

Nota: A prática espiritual exige lucidez e clareza mental, sobre este preceito alguns mestres recomendam evitar qualquer tipo de álcool, da mesma forma que evitamos lamber mel da ponta de uma faca, outros recomendam apenas não exagerar ao ponto de chegar à embriaguez e da perda da lucidez. Por exemplo o Genshô Sensei diz que gosta de tomar uma taça de vinho à refeição.*

Pergunta: Os Cinco Preceitos são negativos. Eles dizem o que você não deve fazer. Eles não dizem o que você deve fazer.
Resposta: Os Cinco Preceitos são a base da moral budista. Mas não são toda ela. Nós começamos por reconhecer nosso comportamento negativo e em seguida nos empenhamos para pôr um fim a ele. É para isso que os Cinco Preceitos servem. Depois de pararmos de agir errado, então começamos a tentar fazer o bem. Veja, por exemplo, o Quarto Preceito. O Buda diz que devemos começar nos abstendo de contar mentiras. Depois disso, devemos dizer a verdade, falar gentilmente, educadamente e na hora certa.

“Por desistir do discurso falso, ele se torna um orador da verdade, confiável, seguro e fidedigno; ele não engana o mundo. Por desistir do discurso malicioso, ele não quer causar discórdia entre as pessoas, pelo que não repete acolá o que ouviu aqui, nem repete aqui o que ouviu acolá. Ele reconcilia os que estão divididos e aproxima mais ainda aqueles que já são amigos. A harmonia é sua alegria, a harmonia é seu deleite, a harmonia é seu amor; é o motivo de seu discurso. Por desistir do discurso áspero seu discurso se torna irrepreensível, agradável ao ouvido, encantador a ponto de atingir o coração, urbano, apreciado por todos. Por desistir do palavrório vazio, ele fala na hora certa, o que é correto, sempre com retidão, sobre Dhamma e sobre disciplina. Ele diz palavras que merecem ser guardadas como um tesouro, oportunas, racionais, bem definidas e retas.”
– Buda, M.I,179

E se não se consegue cumprir todos os preceitos?

Henrique pires, com base no Sutra Mahayana das Cem Parábolas aclara esta questão:

«Sobre questões de regras, compromissos, preceitos ou práticas, existe no Sutra das Cem Parábolas uma história que sempre lembro.

Um homem morria de sede no deserto e andou até chegar num rio. Ficou feliz por um momento, mas depois parou desolado frente à margem e não bebeu. Não bebeu nada. Alguém veio depois dele e perguntou: “Você parece com sede, por que não bebe água?” E ele disse: “Se eu pudesse beber tudo de uma vez, eu até beberia. Mas o rio é muito grande. Não consigo tomar tudo isso de água”. E ali ele ficou, parado, sem nada beber, pois se lamentava de não ser capaz de engolir o rio inteiro.

Às vezes somos iguais. O Buddhadharma é um rio profundo com amplas e difíceis práticas, nos níveis avançados. É algo que ninguém seria capaz de “engolir de uma vez”.

Há pessoas que ao ver referências morais elevadas desistem; e há outras que se iludem, negando-as “Ah, isso não é importante!”. Ambos são equívocos retratados nessa história.

A melhor abordagem é aprender os fatores positivos ensinados por Buddha, as práticas e os preceitos, e ir treinando na medida do que pode. Ir fazendo aos poucos, agora, o que você sente que é capaz de fazer agora. E guardar em mente um certo respeito pelas coisas boas que ainda não é capaz (ao invés de descartá-las totalmente). O melhor é manter em mente uma postura: “farei o que posso agora, mas se algo é bom e ainda sou incapaz, faço votos de poder realizá-lo no futuro”. Assim, você pode tomar para si o que lhe serve neste momento, de acordo com suas habilidades, e manterá a motivação para continuar avançando sempre mais; para ser capaz de fazer melhor no futuro.»

“Os preceitos são faróis para nos guiar e evitar o sofrimento, eles não são regras absolutas, mandamentos que se não cumprirmos iremos para algum tipo de inferno, não é nada disso, toda a situação tem de ser considerada no seu contexto geral.”

– Monge Genshô

Palestras recomendadas:

Saiba mais (links externos):

Veja também:

Olhar Budista > Recursos > Budismo: comece aqui!


Sobre Bhante Shravasti Dhammika, Ajahn Mudito, Henrique Pires, Monge Genshô.

Lista de Mestres e Professores


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