Amor e Relacionamentos

O Budismo, a Homossexualidade e as questões LGBT

"Essa conduta (hetero ou homoafetiva) gera sofrimento para as partes envolvidas? Essa conduta gera apego para as partes envolvidas? Essa conduta gera raiva para as partes envolvidas? Se a resposta for NÃO para as 3 perguntas, de acordo com a doutrina budista e os ensinamentos tradicionais ensinados pelo Honrado do Mundo, a conduta não é imprópria." - M. Hondaku

Neste post, Rev. Mauricio Hondaku e Dzongsar Khyentse Rinpoche esclarecem o ponto de vista budista sobre a homossexualidade. É também disponibilizado uma ligação para vários textos explanativos do Ven. S. Dhammika.

Relacionamentos Homoafectivos | Mauricio Hondaku

Publicado originalmente no facebook pelo Rev. Hondaku e autorizada a publicação neste blog.

Recebemos uma mensagem de um praticante sobre relacionamentos homoafetivos e esclareci com ele sobre a postura budista sobre o assunto…

Praticante: “Sinto informar que não mais participarei dos encontros. O motivo é que eu não gostei nada do que o reverendo disse sobre o Budismo ser a favor do casamento gay. Quero esclarecer que “conduta sexual impropria” é homossexualismo!”

RESPOSTA:

Prezado, aqui é o Monge Hondaku… pela sua mensagem vejo que você tem uma visão distorcida dos ensinamentos budistas que me coloco aqui a disposição para elucidar. Um dos Preceitos Budistas é “não ter conduta sexual imprópria” sem dúvida alguma. Mas o que é uma conduta sexual imprópria de acordo com os ensinamentos budistas afinal?

Para responder a isso temos que voltar ao Primeiro Giro da Roda do Dharma, o primeiro discurso que o Buda proferiu logo após à Iluminação. Nesse discurso ele falou sobre as Quatro Nobres Verdades, que basicamente determina: a vida é desequilibrada e cheia de sofrimento, esse sofrimento é causada pelos Três Venenos Mentais: A ignorância, o apego e a raiva. Dessa forma a base da doutrina budista é não gerar sofrimento, eliminar o apego e aplacar a raiva.

Assim, a resposta para determinar qual é a conduta sexual imprópria temos que fazer 3 perguntas:

  1. Essa conduta (hetero ou homoafetiva) gera sofrimento para as partes envolvidas?
  2. Essa conduta gera apego para as partes envolvidas?
  3. Essa conduta gera raiva para as partes envolvidas?

Se a resposta for NÃO para as 3 perguntas, de acordo com a doutrina budista e os ensinamentos tradicionais ensinados pelo Honrado do Mundo, a conduta não é imprópria.

É muito fácil e simples analisar isso…

Vamos analisar uma relação heterosexual:

  1. Pode trazer sofrimento? Se sim, é impropria. Se não, está ok.
  2. Pode gerar apego? Se sim, é impropria. Se não, está ok.
  3. Pode gerar raiva? Se sim, é impropria. Se não, está ok.

Agora vamos analisar uma relação homoafetiva:

  1. Pode trazer sofrimento? Se sim, é impropria. Se não, está ok.
  2. Pode gerar apego? Se sim, é impropria. Se não, está ok.
  3. Pode gerar raiva? Se sim, é impropria. Se não, está ok.

Agora vamos analisar uma relação de pedofilia:

  1. Pode trazer sofrimento? COM CERTEZA, então é impropria e nem precisa analisar as demais condições.

Agora vamos analisar uma relação violenta:

  1. Pode trazer sofrimento? COM CERTEZA, então é impropria e nem precisa analisar as demais condições.

Quando você afirma categoricamente, nas suas palavras, que “conduta sexual imprópria É a relação homossexual” me deixa preocupado, pois me parece que outros tipos de relação que realmente causam sofrimento ficam fora da sua análise. OU seja, para quem lê, parece que desde que a relação não é homoafetiva, para você está tudo bem. O que é um grande erro de perceção da realidade.

Aproveitando, o Buda falava também sobre os “vipalassa“, ou seja, os erros de perceções da realidade e o quanto isso gerava sofrimento e um karma culposo. O Buda no Sutra Vipallasa determina que as distorções da perceção da realidade, de pensamento e de visão são causadas pela avidya, pela ignorância. Nesse caso, ignorância não está relacionado ao QI ou a inteligência, mas avidya é a falta de clareza sobre a Sabedoria, sobre o Dharma.

Ou seja, quando você afirma que um ensinamento É o que você pensa que é sem se aprofundar, você distorce o Dharma por uma perceção errada (sanna-vipallasa). Isso leva a uma distorção de pensamento (citta-viapallasa) e então a uma distorção da realidade (ditthi-vipallasa) e que em ultima instancia te leva ao apego e à raiva, lhe causando sofrimento e gerando um karma negativo que nos mantém no samsara.

Infelizmente essas vipallasa são formações mentais que da mesma forma nos levam ao racismo, ao sexismo e à aversão. Iniciamos com uma pequena distorção por um assunto mas nossa mente se molda para todos os outros.

Assim, o budismo não se importa com relações amorosas ou sexuais, desde que não causem sofrimento, raiva ou apego. Essa É a doutrina budista, baseada nos Sutras e não em achismo, e é somente isso que podemos lhe oferecer no templo: budismo puro e simples, no qual respeitamos todo e qualquer indivíduo, mesmo os de karma ruim e não discriminamos absolutamente ninguém, pois seguimos NA INTEGRA os ensinamentos do Leão do Dharma.

Se você não concorda com o Budismo em sua essência e totalidade é uma escolha sua e totalmente respeitável e tenho certeza que você encontrará várias denominações religiosas que discriminam os seres humanos simplesmente porque amam outro ser humano e acolhem pessoas com esse mesmo pensamento. O que podemos dizer é que nosso templo está sempre de portas abertas para quem quiser aprender o Caminho do Dharma, o caminho de eliminar o sofrimento, o apego e a raiva. Fora isso, creio que não podemos proporcionar mais nada.
Seja sempre bem-vindo.

Homossexualidade e Budismo | Dzongsar Khyentse Rinpoche

Transcrição:

Uma pergunta interessante a respeito da orientação sexual… gays, lésbicas… o que fazer? Como isso se encaixa no mundo butanês, budista… e eu gostaria de falar um pouco sobre isso.

No budismo, como Shantideva diz… ”sabedoria é o mais importante”, todas as outras são secundárias. Entendem? Ver a verdade é o mais importante.

Moralidade, disciplina… e até meditação! Até a, assim chamada, meditação… por mais preciosa que seja, se a sua meditação não esta fazendo com que você veja a verdade… você está basicamente, calejando o seu rabo.

Entendem? Sentando em algo. É inútil. Ok, talvez lhe relaxe um pouco, deixe você um pouco mais calmo… E dai?? Se você não enxergar a verdade, um pouco de calma e relaxamento… isso você pode ter de diversas outras formas.

Ver a verdade é sempre muito importante. Eu quero falar isso, porque o ”método” sempre se mistura com a cultura.

As verdades budistas como os 4 selos do Dharma nunca são maculados pela cultura. Entendem?

Chegar a essa verdade, sim, porque tem que ser apresentada aos seres humanos. E quando você apresenta ela aos humanos, os humanos só conseguem pensar em termos de cultura. Entendem?

Então… O que eu quero dizer é que a sua orientação sexual não tem nada a ver com entender ou não a verdade.

Você pode ser… gay, lésbica, hétero… nunca se sabe quem vai se iluminar primeiro… provavelmente… lésbicas. Nunca se sabe…

E eu sei, que alguns de vocês seriam questionados por… pessoas mais ”tradicionais”, que diriam… pessoas que podem pensar que… ”oh, esses tipos de práticas são condutas sexuais inapropriadas”.

Agora você tem que ter cuidado, porque misturamos muito a cultura com a verdade. Cultura e a situação… misturamos com a verdade… e nós não deveríamos fazer isso.

Eu lembro-me que uma vez alguém me perguntou: Porque no Butão as mulheres não podem entrar no Gankhan? Sabe, tem essa regra… Simples, é uma resposta muito simples. É errado! Elas não deveriam ser impedidas. Não existe nada no Kangyur (coletânea de textos dos sutras), nada no Tengyur (coletânea de comentários do cânone), nada nos textos tântricos que digam que a mulher não pode entrar no Gankhan. Estou falando a sério. Essas coisas são criadas por culturalistas, mas isso acontece com muita frequência…

Claro, se você calha a estar num grupo de pessoas que… são misóginos, ”budistas misóginos”, talvez fosse melhor você ficar calado pra salvar a sua pele, claro.

Mas a verdade é isso, e eu quero falar isso porque tenho a certeza que podem ter pessoas que têm uma orientação sexual diferente. E eu quero falar, especialmente com os pais, pais butanêses. Aqueles que notarem alguma manifestação diferente nos seus filhos… você deveria ter uma grande compreensão, porque… alias, você não deveria olhar isso como uma doença. É apenas…

Algumas pessoas gostam de queijo cottage, outras de queijo suíço. É apenas isso. É a mesma coisa. E ainda há algumas pessoas que gostam dos dois. Porque não?

Mas, também gostaria de falar para aquele que tem essa orientação sexual, que seja paciente… porque, por mais que nós butaneses… acharmos que somos uma ”espécie” de maravilhosa na terra… nós somos muito conservadores… nós estamos sempre muito presos ao nosso próprio ponto de vista…

Pensamos ”todo a gente deve adorar emadatse” (prato típico butanês com muita pimenta)… não conseguimos entender porque os outros não gostam de emadatse. Achamo-nos os donos da verdade. ”Esse é o melhor prato, como você não gosta?” Nós temos esse tipo de mentalidade.

Os tempos estão mudando, vocês deveriam ser tolerantes. Alias, tolerante é… você não deveria ser ”tolerante”… você não deveria tolerar isso, você deveria respeitar. Tolerância não é uma coisa boa… se você ”tolera” isso, significa que você pensa ”isso é errado mas vou tolerar”… você tem que ir além disso… você tem que respeitar essa pessoa, de verdade.

Enfim, era isso que queria falar.

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Sugestão de leitura e um Grupo Budista com foco no público LGBTQIA+ (links externos):

Veja também:


Sobre Mauricio Hondaku, Dzongsar Khyentse Rinpoche, S. Dhammika

Lista de Mestres e Professores

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