Budismo Geral Trechos

Onde encontrar o “verdadeiro budismo”? No Oriente ou no Ocidente?

Muitas vezes o Ocidente é criticado por deturpar os ensinamentos do Buda, e de facto existem certos problemas com alguns movimentos modernos, mas isso não quer dizer que de uma forma geral o budismo no Ocidente esteja substancialmente numa pior situação que o budismo no Oriente.

Na realidade, muitas vezes os praticantes do Ocidente têm uma prática mais diligente. Muitos praticantes no Oriente “nascem budistas”, são budistas por uma questão cultural, e por isso a prática é algo que não vem do coração, apenas faz-se o que se faz por ser uma tradição cultural. Além disso, em vários países orientais em que o budismo no passado teve uma forte presença, como na China, entre vários outros, hoje, fruto de perseguições, de serem assolados por regimes repressivos, e outro tipo de situações, a sua expressão é bem menor ou problemática. Em muitos países ditos “budistas” frequentemente a prática é demasiado superficial e misturada com crenças populares.

Já muitos dos budistas Ocidentais, que nasceram numa cultura onde o budismo não está presente, quando decidem seguir o budismo o fazem com mais diligência, pois foi uma decisão que veio do coração, não é algo que se segue só porque sim.

Clara que, não significa que o que foi dito acima acontece de forma generalizada. Este post não pretende ser um tipo de combate entre Ocidente vs Oriente, mas um contrapeso em relação a algumas criticas que se faz ao budismo no Ocidente, incluindo neste site. Tanto no Ocidente como no Oriente existem problemas com o budismo, assim como também existe uma prática de excelente qualidade. A maior diferença tem mais haver com a quantidade de locais de prática existentes, e a quantidade de mestres e de pessoas que se identificam como budistas, que é maior no Oriente pois a história do budismo é muito mais antiga nessa região. Nós às vezes idealizamos muito e temos aquela ideia de que “o quintal do vizinho é sempre melhor que o nosso”, mas nem sempre é assim!

“(…) vão ao templo para comer, conversar, se divertir e voltam para casa. Não se vê quem vá para praticar meditação – eu observei. Não vi nenhum tailandês ir praticar meditação. Só vão conversar. (…) Os estrangeiros não fazem assim, eles buscam o verdadeiro ensinamento do Buda. “

Ajahn Chah

No seguinte trecho de uma palestra de Ajahn Chah, incluída no livro Darma da Floresta, Ajahn Chan faz uma descrição interessante entre os budistas Ocidentais e Tailandeses:

«Estão interessados, estão começando a se interessar. Estão começando agora. Os ocidentais vão ao templo e não conversam sobre outras coisas, vão para praticar meditação e pacificar a mente, então só há silêncio. Não são iguais aos tailandeses: quem vende cesto vai conversar sobre cesto, quem tem horta vai conversar sobre horta. Conversam sobre qualquer coisa, então não têm tempo de pacificar a mente e aí querem alcançar o mais rápido possível. Vão ao templo conversar sobre isso e aquilo, voltam para casa e dizem que foram ao templo. Na verdade não procuram o Buddha Sāsana dentro da própria mente. Já os ocidentais vão ao templo e sentam na almofada em silêncio, ninguém fala. Pacificam a mente. Já nós aqui vamos conversar sobre isso, aquilo… arrastam o templo inteiro para dentro da conversa, depois vão comer.

Muitas cerimônias… Os estrangeiros não estão interessados nisso, não estão interessados. No país deles não há esse tipo de interesse: estudar escrituras, ir comer, etc. Eles não estão interessados. Estão interessados em procurar paz, vão direto ali. Eles não vão ao templo dessa forma, são só os tailandeses é que vão. O filho ou a filha vai estudar no exterior e o pai e a mãe vêm visitar, então vão ao templo para comer, conversar, se divertir e voltam para casa. Não se vê quem vá para praticar meditação – eu observei. Não vi nenhum tailandês ir praticar meditação. Só vão conversar.

– Vão passear.

– Só isso, não dá em nada. Os estrangeiros não fazem assim, eles buscam o verdadeiro ensinamento do Buda. Os tailandeses têm o ensinamento do Buda mas não o conhecem, vão estudar outras coisas. Por lá tem que ir sentar em meditação, pacificar a mente. Teve uma pessoa chamada Sudama que foi para os Estados Unidos, ela mora na Rua Plêngsit (rua de um bairro nobre de Bangkok). Quando fui lá ensinar meus discípulos, estava cheio de estrangeiros e essa Sudama, acho que era cristã, ficou curiosa em saber o que estávamos fazendo e então veio ver. Ela sabe falar tailandês. Fui ensinar meditação e um dia ela veio perguntar: “Luang Pó, em Bangkok tem esse tipo de atividade?” Veja isso, ela não sabe onde se pratica meditação, ela só veio a conhecer no exterior e não sabia se também havia na Tailândia. É uma pessoa pobre. Eu dei uma bronca nela… Tem que levar bronca primeiro para poder começar a praticar. Mostra que nunca foi a um templo, não conhece essa atividade. Naquela ocasião praticamos nove dias, faz a mente se pacificar e surgem diversos tipos de sabedoria. Chama-se Sudama, acho que já voltou para cá. Mora na Rua Plêngsit. Falou que quando voltasse viria me visitar no monastério, ainda não a vi aparecer.

Várias pessoas daqui vão viver lá, vão estudar, e só fazem contato com o budismo no exterior. Só vão entender no exterior, quando moravam na Tailândia não entendiam nada. Os monges ficam ali, os leigos ficam aqui, e é assim, cada um na sua e não dá em nada. Algumas pessoas vão lá e se sentem solitárias, não têm ninguém, olham ao redor e os velhos são gringos, os jovens são gringos, as crianças são gringas, todo mundo é gringo, não tem tailandeses. Quando veem um tailandês, como eu, eles vêm me procurar. É como se viéssemos da mesma vila, todo mundo se conhece. Eles trazem os filhos para oferecer*, oferecem para quem não tem filho! Eles vêm oferecer – várias pessoas! Eles chamam os amigos para vir junto. Não dá em nada. A maioria dos tailandeses são estudantes, só vão entender lá, só lá é que fazem contato com o budismo. Quando fui, vieram muitos desses aí. Me assustei: “Eh! De onde veio essa gente!?” Ensinei o método de praticar, os estrangeiros praticavam, mas os tailandeses não sabiam praticar. Eles sentam e é como se algo estivesse queimando, então pensei muito sobre isso e refleti sobre o Buddha Sāsana.

Vão procurar os monges, mas vão por outros motivos. Não deveria ser assim. Vão procurar amuletos de vários tipos, só confusão! Eu não quero ouvir essas coisas. Isso não é assunto de monge, não é assunto do Buddha Sāsana. Todos só vão procurar isso. E então não conhecem o assunto real do Buddha Sāsana; se tivéssemos o Buddha Sāsana ia haver toda essa confusão? Eles pegam somente aquilo que é o oposto, só as coisas de que gostam. Sīla que é o verdadeiro aspecto do Buddha Sāsana capaz de proteger as pessoas, eles não têm… não têm.»

*Tradição comum no interior da Tailândia. As pessoas pedem que o Ajahn aceite ser padrinho do filho deles com a ideia de que assim o mérito do Ajahn vai ajudar a proteger a criança. Isso é feito apenas como cerimônia, o monge não assume de fato nenhuma responsabilidade pela criança.

“Esse discurso é para despertar a consciência em vocês de que nosso Budismo é puro e cheio de boas intenções, não idealizem muito a prática no Japão, vocês poderão se decepcionar.”

– Monge Genshô

Quanto ao Zen, o Monge Genshô, num post publicado no blog o Pico da Montanha, também nos mostra que não é preciso ir ao Japão para encontrar o “verdadeiro Zen”. Genhsô Sensei diz-nos que:

«Há um fato interessante com a chegada do Budismo no ocidente. Como não temos templos para herdar e nem ficaremos ricos com a prática, somos naturalmente mais dedicados, inclusive com a criação de centros do dharma onde há leigos interessados em praticar Zazen, algo muito raro no Japão. Esse discurso é para despertar a consciência em vocês de que nosso Budismo é puro e cheio de boas intenções, não idealizem muito a prática no Japão, vocês poderão se decepcionar. A época de ouro do Budismo foi a séculos atrás. Talvez estejamos vivendo a nossa época de ouro. De certa maneira o Budismo está caminhando para o leste, da Índia onde praticamente não existe mais, deslocou-se para a China onde foi extremamente combatido, teve seu momento áureo antes do ano de 853 quando ocorreu um grande massacre do qual o Budismo nunca se recuperou completamente.

Quando Dogen vai à China procurar pelo Budismo, tem muita dificuldade de encontrar um bom mestre. No Japão também ocorre um período dourado após a chegada de Dogen, mas esse período já se encerrou e temos agora no ocidente a mesma oportunidade de criar um novo ciclo para o Budismo. Nós não somos conscientes disso. Fico triste quando tenho notícias de pessoas que foram para o Japão e voltam dizendo que lá está o verdadeiro Zen. O Zen está aqui, quando pessoas que sabem muito pouco sobre a história ou sobre a instituição sentam honestamente de frente para a parede.»

“No Japão também ocorre um período dourado após a chegada de Dogen, mas esse período já se encerrou e temos agora no ocidente a mesma oportunidade de criar um novo ciclo para o Budismo.”

– Monge Genshô

Para terminar, acrescento um grande contributo que os ocidentais deram para o budismo e também uma notável influência. Os importantes locais de peregrinação budista, tais como Lumbini no Nepal, e Bodhgaya, Kushinagar, Sarnath, Sravasi, Nalanda, todos na Índia, e entre outros; estiveram perdidos e esquecidos durante vários séculos. Foram os arqueólogos ocidentais que baseado mas escrituras e outras referências, os descobriram e recuperaram no século XIX, tornando-os novamente locais de peregrinação e inspiração para muitos budistas. Quanto à estátua do Buda, que é um dos símbolos mais reconhecidos do budismo e admirado por todas as tradições budistas, surgiu a partir da interação entre budistas e gregos durante o período Ghandhara.

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