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Os 3 ramos (ou veículos) do Budismo: Theravada, Mahayana e Vajrayana

O budismo pode ser dividido em 3 ramos principais e outras subdivisões, mas apesar das suas diferenças a base é a mesma. Sobre este tópico, seguem Trechos do livro “Boas perguntas, Boas respostas” de Bhante Shravasti Dhammika. (As notas, assim como o que está entre parênteses retos, não fazem parte do texto original, foram acrescentadas por mim, o autor do post)


Pergunta: Você pode dizer alguma coisa sobre os diferentes tipos de Budismo?
Resposta: Em seu auge, o Budismo se espalhava da Mongólia às Maldivas, da Báctria a Bali, e, portanto, precisava ser atrativo para pessoas de muitas culturas diferentes. Ademais, na medida em que durou por muitos séculos, necessitou adotar e se adaptar conforme a vida social e intelectual das pessoas se desenvolvia. Consequentemente, apesar de a essência da Dhamma permanecer a mesma, sua forma externa mudou consideravelmente. Atualmente existem três espécies principais de Budismo: Theravada, Mahayana e Vajrayana.

[Theravada]

Pergunta: O que é Theravada?
Resposta: O nome Theravada significa “Os Ensinamentos dos Antepassados”. Sua base é principalmente o Pali Tipitaka, o mais antigo e mais completo registro dos ensinamentos do Buda. A Theravada é a mais conservadora e a mais centrada na vida monástica das formas de Budismo. Nela se enfatiza os princípios básicos da Dhamma, e há uma tendência a se adotar uma abordagem mais simples e austera em relação a esses princípios. Atualmente a Theravada é praticada principalmente no Sri Lanka, em Burma, no Laos, no Camboja [, Tailândia] e em algumas partes do sudeste asiático.

Nota: Ainda que a tradição Theravada seja muito associada à vida monástica, a prática leiga (não-monástica) dentro desta tradição é tão grande como as demais e é bastante flexível.

[Mahayana]

Pergunta: O que é o Budismo Mahayana?
Resposta: Por volta do Século I a.C., algumas das implicações dos ensinamentos do Buda foram exploradas mais profundamente. Além disso, conforme a sociedade se desenvolvia eram necessárias interpretações novas e mais relevantes desses ensinamentos. As muitas escolas que emergiram a partir dessas novas interpretações foram coletivamente denominadas de Mahayana, que significa “O Grande Caminho” [literalmente significa o Grande Veículo]. Tal nome se justificava em face da alegação de que suas propostas eram relevantes para todas as pessoas, e não apenas para os monges e freiras que haviam renunciado ao mundo. A Mahayana eventualmente tornou-se a forma dominante de Budismo na Índia, e, nos dias de hoje, é praticada na China, Coreia, Taiwan, Vietnã e Japão. Alguns theravadinos dizem que a Mahayana é uma distorção dos ensinamentos de Buda. Entretanto, os mahayanistas alegam que o Buda aceitava a mudança como uma das mais fundamentais de todas as verdades, e que sua interpretação do Budismo pode ser considerada como uma distorção da Dhamma tanto quanto o pinheiro pode ser considerado uma distorção da pinha.

Notas:
(1) Zen/Chan, Terra Pura e Nichiren são escolas Mahayana.
(2) O Mahayana aceita todos os princípios presentes no Theravada, aprofunda outros conceitos como a vacuidade, e ainda apresenta outros como a Natureza-Buda. O Mahayana muitas vezes também é chamado de Bodhisattvayana devido à importância que dá ao caminho do Bodhisattva.
(3) O Mahayana surge por volta do Século I a.C., mas herda os desenvolvimentos de outras escolas mais antigas que se extinguiram.

[Vajrayana]

Pergunta: E a Vajrayana?
Resposta: Esse tipo de Budismo emergiu na Índia durante os Séculos VI e VII, em um tempo durante o qual o Hinduísmo passava por um grande renascimento no país. Em resposta a isso, alguns budistas foram influenciados por determinados aspectos do Hinduísmo, especialmente o culto a deuses e o uso de rituais elaborados. No Século XI, a Vajrayana estabeleceu-se solidamente no Tibete, a partir de onde passou a se desenvolver. A palavra Vajrayana quer dizer “O Caminho de Diamante” e se refere à suposta lógica inquebrantável que os vajrayanistas usavam para defender algumas de suas ideias. A Vajrayana se ampara mais em uma espécie de literatura chamada de tantras, do que nas escrituras budistas tradicionais, e, por causa disso, muitas vezes é também conhecida por Tantrayana. A Vajrayana atualmente prevalece na Mongólia, Tibete, Jammu e Caxemira, Nepal, Butão e entre tibetanos vivendo na Índia.

Notas:
(1) Vajrayana também é considerada uma extensão do Mahayana e aceita todos os conceitos presentes no Theravada e Mahayana. Adicionalmente, também se baseia nas escrituras chamadas de Tantras.
(2) Budismo Vajrayana também é conhecido como: Budismo tibetano, esotérico, dos himalaias, tântrico, tantrayna e mantrayana.
(3) Apesar do Vajrayana ter tido a maior expansão no Tibete e em países vizinhos como o Butão, também existem linhagens antigas do Vajrayana em outros países, tais como Coreia, Japão, entre outros, com diferenças entre elas.
(4) Ainda que a maior expansão do Vajrayana tenha sido no Tibete, o Vajrayana surgiu na antiga Índia, assim como todos os outros ramos do Budismo.
(5) O Budismo também influenciou o que hoje chamamos de Hinduísmo. Fala-se muito na influência que o Hinduísmo teve no Budismo tibetano, mas houve uma influencia mutua. O Hinduísmo ou bramanismo era muito diferente na época do Buda. Com o crescimento do Budismo na antiga Índia, o bramanismo passou a incorporar muitos elementos do Budismo. Um exemplo é a Vedanta e mais concretamente a Advaita Vedanta*, que tem muitos aspetos parecidos ao Budismo. Verifica-se também que existia uma convivência bastante interessante entre as várias tradições espirituais da Índia. Por exemplo, muitas grutas budistas e hinduístas estão lado a lado, o que indica que antigamente deveria haver muitos poucos conflitos e que os diálogos entre as várias tradições deveriam ser bastantes, e por isso a influência mutua, mas obviamente, mantendo cada uma das tradições os seus pilares basilares.
(6) O Budismo também influenciou muito a religião tibetana Bön. Geralmente fala-se nas influências que o Budismo Tibetano tem do Bön, e de facto terão existido algumas, mas a maioria da doutrina do Budismo Tibetano, assente nos sutras e tantras, pode ser rastreada até à antiga Índia, nomeadamente a Nalanda. O Bön absorveu muito mais do Budismo do que possamos pensar. A origem* do Bön remonta à região em que hoje é o Afeganistão, e de lá terá ido para o Tibete. Essa era uma região em que o Budismo florescia. Quando o Bön chegou ao Tibete provavelmente já tinha uma mistura de Budismo e tradições iranianas. Outra influência do Bön e da cultura tibetana terá vindo de Khotan, onde o Budismo também estava amplamente presente. Só mais tarde é que o Budismo vindo da Índia chegou ao Tibete e novas influências terão ocorrido. Geralmente o Bön é visto como uma tradição nativa tibetana porque popularmente é assim que é divulgado e porque terá sido no Tibete que teve o seu ápice e maior desenvolvimento, mas ao que parece as suas origens são mais distantes. É notório que existem muitas semelhanças com o budismo, talvez mesmo mais semelhanças que diferenças.
(7) Apesar do Budismo ter surgido na Índia, praticamente desapareceu da sua terra de origem e, só nas últimas décadas é que começou novamente a crescer paulatinamente, sendo que a sua expressão ainda é muito reduzida.
O sistema de castas era muito forte na Índia (e ainda hoje é apesar da sua proibição), mas Buda aboliu essa ordem vigente dentro do Budismo; a absorção de ideias budistas por escolas hinduístas, juntamente com a força da ideia das castas, entre outros aspetos, foi fazendo com que o Budismo fosse perdendo a força e relevância ao longo de 1000 anos; depois com o Budismo já enfraquecido as invasões muçulmanas fizeram com que o Budismo desaparecesse da Índia.

[Nenhuma escola é superior ou inferior]

Pergunta: Isso tudo me parece muito confuso. Se eu quiser praticar o Budismo, como posso saber qual dessas escolas escolher?
Resposta: A questão pode ser comparada com um rio. A foz de um rio é sempre muito diferente de sua nascente. Mas, se alguém segue o rio a partir de sua nascente, conforme ele serpenteia por morros e vales, por cachoeiras e numerosos riachos que a ele afluem, termina por chegar à foz, e compreende porque ela parecia tão diferente de sua nascente. Se você deseja estudar o Budismo, comece com as primeiras lições mais básicas: As Quatro Nobres Verdades, O Nobre Caminho Óctuplo, a vida do Buda histórico, e por aí em diante. Depois, estude como e porque esses ensinamentos e ideias evoluíram e foque na abordagem ao Budismo que mais lhe soe atrativa. Dessa forma ser-lhe-á impossível dizer que a nascente de um rio é inferior à sua foz, ou que a foz é uma distorção da nascente.


Como vimos no trecho acima, podemos dividir o budismo em 3 ramos principais: Theravada, Mahayana e Vajrayana. Dentro dessa classificação ainda existem outras divisões. Por exemplo, o Zen pertence ao Mahayana, e dentro do Zen estão as escolas Soto Zen (ou Soto Shu), Rinzai Zen e outras mais. O Vajrayana herda os Sutras (escrituras) do Mahayana, e por isso podemo-nos referir às escolas do Vajrayana também como Mahayana. Esta é uma forma de categorizar as escolas, mas existem outras. E além das diferenças entre escolas, os mestres também têm os seus próprios jeitos de ensinar. Há escolas que abordam mais conceitos e outras menos, umas centram-se ao redor de certas práticas e ensinamentos, e outras são centradas ao redor de outros aspetos. Porém, todas elas já são completas em si mesmas e têm as ferramentas necessárias para levar o praticante ao despertar; não há uma escola melhor ou pior, a preferência por uma ou por outra depende da inclinação do praticante.

Optou-se por incluir também o termo veículo no título deste post, por se ter popularizado, mas a verdade é que este não é o termo mais correto para esta classificação. Esse termo surgiu a partir do movimento Mahayana (yana significa veículo) e o Theravada não se enquadrava bem dentro da perspetiva de yanas.

Núcleo comum

Apesar da variedade e das diferenças, existe um núcleo comum que une todos os ramos e escolas tradicionais:

Se este núcleo não está presente ou se está deturpado, deixa de ser budismo. As escolas “budistas” que não mantêm este núcleo são consideradas espúrias.

Saiba mais sobre os pontos de unificação em: Wiki-eng: Basic points unifying Theravāda and Mahāyāna

Uma observação pessoal

Acontece por vezes em certos comentários, subtilmente ou explicitamente, revelarem alguma desconsideração pela escola alheia. Às vezes apontando o Theravada como o “budismo original e puro” e que Mahayana/Vajrayana são uma degenerescência. Outras vezes que o Mahayana/Vajrayana são superiores ao Theravada. É desnecessário e triste esse tipo de comentário.

Há uns tempos ouvi uma palestra de um monge que falava sobre a influencia que o Mahayana recebeu de escolas antigas que não sobreviveram. Theravada é considerada a escola mais antiga sobrevivente; outras escolas antigas e algumas ainda mais que o Theravada tinham cada uma um próprio cânone. Essas escolas não sobreviveram, mas muitas das suas ideias foram absorvias pelo Mahayana. O budismo é riquíssimo e isso deve ser apreciado, alguma crispação que por vezes existe entre escolas é completamente desnecessário. Mas afortunadamente a maioria das escolas dão-se muito bem.

Eu pessoalmente também vejo o budismo como um movimento iniciado pelo Buda, que ensinou um método que outros seguiram e tendo alguns dos seus seguidores atingido um alto grau de realização com esse método e, consequentemente, partilhado outros ensinamentos, mas respeitando sempre o núcleo comum. Então para mim, mesmo que vários textos e sutras possam não ter vindo diretamente do Buda histórico, considero que alguns possam ter vindo de uma mente desperta, e por isso também os acho muito relevantes. Além de que se são as palavras do próprio Buda ou apenas textos históricos, nem tem tanta relevância considerando que foram postos em prática e se mostraram benéficos ao longo dos séculos. Os textos mais antigos também têm “brechas” suficientes para o desenvolvimento dos sutras e ideias posteriores. De referir também que ao longo da história budista existiram exímios mestres, mestras e praticantes leigos em todos os ramos do budismo, o que atesta a qualidade de todas essas diversas vertentes.

É desejável que se evitem ideias sectárias e que se fomente a harmonia entre todas as escolas budistas. Um dos objetivos desde site é precisamente mostrar o budismo nas suas diversas vertentes, valorizando todas as escolas autênticas, de forma imparcial e sem as descriminar.

“O encontro de tradições espirituais, incluindo aquela dos ensinamentos da sabedoria Theravada e Dzogchen, duas grandes expressões do Buda-Dharma, é um dos principais aspectos benéficos da vida nestes tempos. A revolução tecnológica torna muito simples a capacidade de viajar, comunicar e estudar as diversas tradições. A maioria dos grandes textos espirituais do mundo estão online, e um fluxo constante de conferências e retiros reúne meditadores, estudiosos e mestres espirituais para praticarem e discutirem abertamente as suas linhagens, insights e conhecimentos. A quebra de acampamentos espirituais separados que está ocorrendo hoje em dia é notável e sem precedentes. Pela primeira vez, podemos desfrutar de uma visão ampla de todas as tradições e ver onde elas se mesclam e onde colidem.”
– Ajahn Amaro, in Small Boat, Great Mountain: Theravadan Reflections on the Natural Great Perfection

Saiba mais sobre as escolas tradicionais na Wikipédia:

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Leitura recomendada:

Veja também:

Olhar Budista > Recursos > Budismo: comece aqui!


Sobre Bhante Shravasti Dhammika | Lista de Mestres e Professores

8 comments

  1. Eu fui da escola de Nichiren, praticamente não se falava de Buda, era tudo baseado no Sutra de Lótus e no convívio com a comunidade. Você tinha que venerar um pergaminho e o presidente da organização. Essa escola deturpa demais os conceitos de Buda. Daí eu me encontrei na Teravada, super recomendo.

    1. Essa escola da tradição de Nichiren que você refere é considerada espúria pela maioria das escolas autênticas, ou seja, não é reconhecida como uma escola budista autêntica. De referir no entanto que existem escolas da tradição Nichiren que são consideradas fidedignas e aceites pelas outras escolas budistas. As escolas de origem japonesa que são consideradas autênticas, são as que estão filiadas à Federação Budista Japonesa.

    2. Comigo a mesma coisa, só que além da escola Nichiren,frequentei uma vajrayana porem o conceito de Deuses era muito forte,queria muito conhecer uma Theravada mais aqui onde vivo São José dos campos – sp não tem.

      1. No Vajrayana existem várias práticas relacionadas com deidades, mas sem que isso seja necessariamente uma deturpação do budismo. O conceito de deidades ou seres espirituais está presente no Vajrayana e em maior ou menor grau também nas outras escolas. Existem excelentes escolas Vajrayana e uma ou outra não recomendável. E se o conceito de Deus demiurgo (criador e controlador do mundo) está presente nos ensinamentos, obviamente que não é escola recomendada, isso não está de acordo com as fundações do budismo.

        Se não existe uma escola perto de onde vive, se tiver ou quando tiver oportunidade, viaje para fazer um retiro. Ao longo da história os budistas sempre viajaram para encontrar o Dharma. Existem ótimas escolas, incluindo várias do Theravada que têm presença online, também pode começar por aí uma vez que é a que mais lhe interessa.

  2. Eu me identifico muito com o Vajrayana, acho as meditações com os rituais fascinantes, de uma complexidade e arte maravilhosas.

  3. Estou estudando o Budismo há menos de um ano e tenho sentido uma atração cada vez maior pela Mahayana (Zenbudismo), embora a linha Vajrayana me pareça muito poética e rica, porém, como sou pragmática e gosto de simplicidade, encontrei no Zen um lugar refrescante e acolhedor para meu coração. Mãos em prece!!

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