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Ter compaixão implica deixar que “pisem” em nós?

Compaixão significa reconhecer e compreender o sofrimento de outro ser senciente, juntamente com o desejo de aliviar o seu sofrimento, bem como a demonstração de gentileza para com aqueles que sofrem.

Compaixão não é ser burro, não implica passividade, e nem os budistas são “sacos de pancada”. É necessário ser inteligente para ter compaixão, até porque se deixarmos que outro ser se aproveite de nós, não estamos sendo compassivos para nós mesmos nem para esse ser, pois devido à falta de ética e prática da desvirtude desse ser, ele está criando as causas para o sofrimento o futuro. Se temos compaixão e não queremos que certo ser sofra, então não queremos que ele pratique desvirtude. E a partir daí há que tomar atitudes, sejam atitudes como o reforço positivo, ou o reforço negativo como a sanção, e melhor ainda, encontrar as causas que levam a esse tipo de problema e trabalhar nelas.

A compaixão também se manifesta com ações de aparência irada. Por exemplo se uma criança está prestes a colocar a mão numa tomada elétrica ou a entornar em cima dela uma panela de água a ferver, nós não vamos falar com palavras mansas e delicadas para a criança, é preciso gritar mesmo com veemência para a criança parar com o que está a fazer. Numa situação de agressão, não por raiva, mas por compaixão pelo agressor e para com os seres que pode atacar, tem que se tomar atitudes como chamar a polícia. Existem situações em que é preciso agir com dureza. O ponto chave é que a ação deve partir de uma atitude mental em que se deve evitar a raiva, não deve existir má vontade, mas imperturbabilidade mental, equanimidade… e compaixão.

Neste exemplo foi referido a compaixão para com o agressor, obvio que a vítima merece toda a compaixão e ajuda, e a compaixão para com o agressor muitas vezes é difícil. Mas a compaixão deve surgir fruto de uma compreensão mais ampla das causas que levam à agressão (como questões sociais, ou tantos outros fatores possíveis), e quando não conseguimos atingir essa atitude mental, o que é normal pois não somos perfeitos, devemos tentar não ter raiva e ter equanimidade, até porque ninguém é 100% mau ou 100% bom. É preciso também saber separar a atitude que a pessoa teve da própria pessoa. Mas ter compaixão, obviamente que não implica que não exista algum tipo sanção, como referido anteriormente. Quando foi perguntado ao Dalai Lama se ele sente compaixão pelo governo chinês (por causa da invasão do Tibete), o Dalai Lama respondeu: “Sim, certamente, mas vamos deixar claro uma coisa: muitos acham que ter compaixão é se render ao outro. Temos que separar o agente da ação. O perdão é para a pessoa, não para o que ela faz. Mesmo os que decidem torturar ou matar os nossos irmãos tibetanos, devemos nos opor à ação. Criticar, mostrar que desaprovamos. Mas o agente ainda é um ser humano. E através da compaixão suas atitudes vão mudar” (entrevista à Sônia Bridi (2008).

O Dalai Lama também descreve frequentemente um encontro que teve um impacto profundo sobre ele com um monge tibetano chamado Lopon Tenzin Namdak Rinpoche. Lopon foi preso e torturado pelos comunistas chineses durante 18 anos. No livro The Wisdom of Forgiveness: Intimate Conversations and Journeys, de Dalai Lama e Victor Chan, o Dalai Lama fala sobre a sua conversa com Lopon-la: “Perguntei se ele estava com medo. Lopon-la então me disse: ‘Sim, havia uma coisa que eu tinha medo. Tive medo de perder a compaixão pelos chineses.'” Esse é o epítome do perdão. Manter esse mentalidade é difícil depois de tanto tempo enfrentado provocações extremamente difíceis. O Dalai Lama descreve como Lopon foi capaz de aceitar a situação que estava vivenciando, mantendo uma mentalidade pacífica e repelindo sentimentos de ódio pelos chineses. Esse exemplo demonstra que a paz não é um fenómeno que pode simplesmente ocorrer nas nossas vidas e no nosso mundo, devemos pensar e trabalhar para criar esses sentimentos pacíficos dentro de nós.

Existem histórias das vida passadas de Buda em que ele se sacrificou em prol de outro ser, e em que sacrificou um ser em prol de muitos seres. Também houve situações em que o Buda aguentou firme ofensas a que foi sujeito. Porém, nós não estamos ao nível do Buda e há coisas que simplesmente ainda não conseguimos suportar. Fazer esse tipo de ações exige sabedoria e uma avaliação da situação.

Não existe compaixão sem sabedoria
e não existe sabedoria sem compaixão

A compaixão muitas vezes também é exercida como uma forma de vaidade ou até fraqueza. Qual a motivação e intenção por detrás do ato compassivo? É realmente compaixão pura? Ou será que existe uma certa vaidade? Será que há uma motivação com o objetivo de ser reconhecido? Será que a compaixão está-se a tornar apenas num alimento para engradecer o ego? O ato compassivo terá sido um disfarce para uma fraqueza? Uma proteção para o ego, num momento é que seria apropriado uma atitude mais assertiva? É importante estar atento a aspetos como estes, embora uma compaixão contaminada seja melhor do que a ausência de compaixão ou o seu contrário, na verdade a maioria de nós não tem uma compaixão pura, a prática budista ajuda a remover essas impurezas gradualmente.

Pema Chödron, no livro “Os Lugares que Te Assustam”, diz que: “O terceiro inimigo próximo da compaixão é a compaixão idiota. Isto é quando evitamos conflitos e protegemos a nossa boa imagem, sendo amáveis quando devemos dizer definitivamente ‘não’. A compaixão não implica apenas tentar ser bom. Quando nos encontramos numa relação agressiva, precisamos de estabelecer limites claros. A coisa mais bondosa que podemos fazer por todos os interessados é saber quando dizer ‘basta’. Muitas pessoas usam ideais budistas para justificar a autodefesa. Em nome de não fecharmos o nosso coração, deixamos as pessoas andarem por cima de nós. Diz-se que, para não quebrarmos o nosso voto de compaixão, temos de aprender quando devemos parar a agressão e traçar a linha. Há alturas em que a única forma de derrubar barreiras é estabelecer limites.”

Ajahn Mudito, numa palestra em 24/05/2020, deu as seguintes dicas sobre este assunto:

  • Não abra mão da inteligência;
  • Não confunda bondade com burrice;
  • Tenha equanimidade.

Se a situação dá para ajudar e você não se prejudica, você ajuda. Se a situação dá para ajudar e você se prejudica, se quiser pode ajudar mas não é obrigado… tem que avaliar, cada caso é um caso, você também tem o dever de cuidar de si mesmo e não se negligenciar. Se só cuida dos outros e não cuida de si mesmo é preguiça e vaidade. Tenha compaixão por si mesmo e não só pelos outros.

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1 comment

  1. Compaixão significa sentir a dor do outro e procurar minorá-la, se não for possível extinguí-la. “Deixar que pisem em nós” é subserviência daqueles que não se valorizam nem se amam de verdade. Quando sinto a dor do outro, sou incapaz de machucar ou ferir quem quer que seja, seja um ser humano ou um animal, porque dor é dor e morte é morte, não importa quem sofra, seja um boi, um coelho, uma galinha, um peixe ou um pato, imprescindível é salvar, curar, acolher, consolar e motivar para a vida, exatamente como gostaríamos que fizessem conosco. Basicamente é por isso que veganos não se alimentam de animais: por compaixão.

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