Trechos Vajrayana (Tibetano) Zen/Chan

A Verdade (ou realidade) Relativa e Absoluta

O conceito das duas verdades está associado ao Budismo Mahayana, teve o seu maior desenvolvimento na escola Madhyamaka, fundada por Nagarjuna, embora seja uma ideia que remonte ao budismo inicial. O termo sânscrito satya tanto pode significar verdade como realidade.

Tudo tem um aspeto relativo e absoluto. O relativo é como as coisas aparentam ser. O absoluto é a natureza inerente de tudo, como as coisas realmente são. Nos ensinamentos elas são conhecidas como “as duas verdades”, mas não devem ser entendidas como duas dimensões separadas, mas como dois aspetos de uma única realidade. A verdade absoluta é a verdadeira natureza do relativo. A verdade relativa é a manifestação do absoluto.

Para explicar este conceito muita vezes são utilizados os seguintes similes: As ondas do mar são como a realidade relativa, enquanto o mar é o absoluto; na água com gás, as bolhas de gás carbónico que surgem e desaparecem são o relativo e a água o absoluto.

Verdade Relativa (samvrti-satya)

Também referida como: Realidade/Verdade Convencional.

A verdade relativa inclui todos os fenómenos dualistas – nós mesmos, outros seres, objetos materiais, pensamentos, emoções, conceitos – que compõem as nossas vidas neste mundo. Os fenómenos existem na dependência de outros fenómenos. Ela descreve a nossa experiência diária no mundo. É a realidade da vida, das circunstancias, do samsara. É a verdade relacionada com a percepção individual de cada pessoa, atrelada ao Eu. O grau de relatividade determina se a pessoa está profundamente mergulhada na sua ignorância, ou não. A verdade relativa está também relacionada com o conceito de maya (ilusão).

Verdade Absoluta (paramārtha-satya)

Também referida como: Realidade/Verdade Absoluta, Última ou Suprema.

A verdade absoluta é a realidade além do dualismo de qualquer tipo. É também a verdadeira natureza de todos os fenómenos relativos. É a realidade da existência por si mesma.

Referências: Lion’s Roar, Rigpa, Palestra de Monge Komyo (Podcast Gostas do Dharma ep. 332), Wikipedia.


Trecho do livro “Small Boat, Great Mountain: Theravadan Reflections on the Natural Great Perfection“, de Ajahn Amaro. Amaravati Publications, 2012. Pag. 8-10.
Tradução de Manuel Sanches para o Olhar Budista.

Verdade Convencional e Verdade Última

Quanto mais tempo fiquei [num mosteiro na Tailândia, mencionado na secção anterior], mais atenção prestei ao repetido ênfase de Ajahn Chah na relação entre convenção e libertação, realidade convencional e realidade última. As coisas deste mundo são meramente convenções da nossa própria criação. Uma vez que as estabelecemos, começamos a perder-nos nelas ou a ser cegados por elas. Isto gera confusão, dificuldade, e resistência. Um dos grandes desafios da prática espiritual é criar as convenções, pegar nelas, e usá-las sem confusão. Podemos recitar o nome do Buda, fazer vénias, entoar cânticos, seguir técnicas e rotinas, apanhar todos estes atributos de ser um budista, e depois, sem qualquer hipocrisia, reconhecer também que tudo é totalmente vazio. Não existe nenhum budista! Isto é algo no qual Ajahn Chah se focou muito ao longo dos anos: se achas que és realmente um budista, então estás completamente perdido. Ele estaria, às vezes, sentado no seu assento de Dhamma, a dar uma palestra a toda a assembleia de monásticos e leigos, e dizia: “Não há monges ou monjas aqui, não há leigos, não há mulheres nem homens – isto são tudo meras convenções vazias que nós criamos.”

 A capacidade que temos de nos cometer sinceramente a algo e simultaneamente ver através disso é algo que parece difícil de praticar no Ocidente. Tendemos a ser extremistas. Ou nos agarramos a algo e nos identificamos com isso, ou pensamos que é insignificante e rejeitamos, visto que não é real, de qualquer maneira. Então o Caminho do Meio não é necessariamente um caminho confortável para nós. O Caminho do Meio é o segurar simultâneo tanto da verdade convencional como da verdade última, e o ver que uma não contraria ou desmente a outra.

Há uma história de que me lembro que aconteceu numa conferência budista na Europa. Um lama tibetano estava lá, e um membro da audiência era um estudante alemão extremamente sério. O rinpoche tinha estado a ensinar visualizações de Tara e a puja das 21 Taras. Durante o processo deste ensinamento, o estudante, com uma grande sinceridade, juntou as mãos e perguntou: [Ajahn Amaro imita o sotaque alemão do aluno na sua escrita] “Rinpoche, Rinpoche, eu tenho esta grrande dúvida. Está a verr, estivemos o dia todo a fazerr a puja das 21 Tarras e sabe, eu estou muito cometido a esta prrática. Eu querro fazerr tudo cerrto. Mas eu tenho esta grrande dúvida. Tarra, ela existe ou não? A sérrio, Rinpoche, ela está lá ou não? Se ela está lá, eu consigo terr o corração cheio. Mas se ela não está lá, então eu não querro fazerr a puja. Porr isso, porr favorr, Rinpoche, de uma vez porr todas, diga-nos, ela existe ou não?” O lama fechou os olhos durante uns momentos, e depois sorriu e respondeu: “Ela sabe que não é real.” Não está registado como é que o aluno respondeu.   

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