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A Realidade Ilusória | Dokushô Villalba

Tudo o que possamos perceber com os sentidos, tudo o que possamos pensar, categorizar é Maya, é ilusório. Porquê? Porque os nossos orgãos sensoriais são condicionados e limitados. Vemos apenas uma pequena parte da realidade, e ao tomarmos a realidade como tal, então caímos numa ilusão.

“O erro que todos cometemos é considerar que o nosso ponto de vista estreito, pequeno, insignificante é a realidade universal, é a Verdade! Em vez de reconhecermos que é uma pequeníssima percepção de algo tão vasto, enorme e misterioso, que é a existência.”
– Dokushô Villalba

O texto que se segue é uma transcrição quase integral da palestra de Dokushô Villalba, intitulada de Maya, la Realidad Ilusoria. Confira no final do post o vídeo do Youtube com a palestra integral.

Maya é uma palavra da língua sânscrita e significa ilusão. É utilizada para nos referirmos à natureza ilusória da realidade.

Esta realidade é ilusória, mas não significa que exista outra realidade que não seja. Tudo o que possamos perceber com os sentidos, tudo o que possamos pensar, categorizar é Maya, é ilusório. Porquê? Porque os nossos órgãos sensoriais são condicionados e limitados. Por exemplo, nós não vemos os ultravioletas nem infravermelhos, vemos apenas uma parte muito pequena do espectro eletromagnético. Vemos apenas uma pequena parte da realidade, e ao tomarmos a realidade como tal, então caímos numa ilusão.

É a mesma ilusão que experimentavam os personagens do Mito da Caverna de Platão. Estavam olhando para uma parede, atrás deles passavam pessoas e a luz do sol projetava a sombra das pessoas na parede. Eles viam sombras e pensavam que essa era a realidade porque estavam atados a esse ângulo de visão, a essa percepção, e não podiam ver outra coisa. Isso é ilusório, é Maya.

A expressão que empregamos no Buddhadharma é Realidade Ilusória, não Irrealidade. É importante entender a diferença. Porque se dizemos que tudo isto é irreal então podemos cair no engano de fazer o que nos dá na gana. Por exemplo, despejamos um copo de água em cima e pensamos que não nos vamos molhar, porque é irreal, porque somos irreais… Não, não é isso. É uma realidade enquanto a percebemos, mas essa percepção é ilusória. Temos um conhecimento e uma visão limitada.

Para conhecermos mais profundamente o que está ocorrendo à nossa volta, não nos deveríamos limitar ao nosso próprio ponto de vista, teríamos de incluir todos os pontos de vista e sensibilidade de cada um dos presentes, incluindo das plantas, das árvores, o ponto de vista de cada inseto, de cada pássaro, de todo o existente. E quando pudéssemos unir todos os pontos de vista, todas as percepções numa só, poderíamos dizer que isso seria o que mais se aproxima da realidade.

O erro que todos cometemos é considerar que o nosso ponto de vista estreito, pequeno, insignificante é a realidade universal, é a Verdade! Em vez de reconhecermos que é uma pequeníssima percepção de algo tão vasto, enorme e misterioso, que é a existência.

Uma das 3 grandes características do Dharma é o conceito de Anatta, ou seja, carecer de natureza própria, a insubstancialidade.

Nenhum fenómeno que aparece diante da nossa percepção tem natureza própria, pois qualquer fenómeno surge apenas como resultado da interação de outros múltiplos fatores. Surgem como fruto da lei da causa e efeito e do princípio da interdepêndencia. Nenhum fenómeno, nenhuma coisa, nenhum pensamento, nenhum ser; surge espontaneamente de si mesmo, da sua própria natureza. Se assim fosse, teria natureza real, natureza própria. Mas tudo surge fruto de uma interação. E por isso todo o fenómeno, e consequentemente a realidade completa que percebemos, não permanece idêntica a si mesma de um instante a outro. Por isso se diz que não tem uma realidade substancial, que não há fidelidade a uma substância.

Por exemplo se pegarmos num copo podemos dizer que ele tem uma certa permanência de um instante a outro, o copo conserva a sua forma, por isso serve como copo, se não conservasse a sua forma não poderia conter nada. Mas basta o deixarmos cair; quanto tempo o copo será capaz de conservar a sua forma?

Este principio de insubstancialidade, de não conservar a forma, é também o que marca a natureza ilusória do existente.

Mas e quanto à realidade que experimentamos durante os sonhos noturnos?

Nós sentimos, vemos, ouvimos, mas se sonhamos por exemplo que a casa está a arder e despertamos, verificamos que afinal não estava a arder. Portanto podemos dizer que é uma realidade ilusória.

A lei do karma aqui na nossa realidade funciona implacavelmente, mas nos sonhos podemo-nos atirar de um telhado e voar. Aqui, nesta realidade ilusória de vigília, se nos atirarmos de um telhado o mais certo é nos convertermos num “ovo frito”. Ilusoriamente, mas um “ovo frito” ilusório; e teremos um funeral ilusório, e seremos cremados ilusoriamente.

Como não podemos comparar a realidade de vigília com nenhuma outra, dizemos que esta é a realidade. A realidade real. Mas do ponto de vista de um Buda desperto, esta realidade é tão ilusória como a do sonho; com leis distintas, leis karmicas distintas.

Nos sonhos também há leis, e quando se pratica o sonho lúcido podemos viver os sonhos conscientemente respeitando as leis do sonho. Podemos viajar, falar com pessoas no sonho, etc, quando aprendemos a operar dentro do sonho. Da mesmo forma que há que aprender a operar dentro deste “sonho” de vigília, respeitando as suas leis, como a da gravidade, e outras como a da termodinâmica, o sol e o fogo queimam neste sonho!

Então podemos dizer que como esta realidade é a única que conhecemos, a única que sabemos onde nascemos, onde vivemos, então para nós esta é a realidade e é bastante real; porque quando nos sentamos em zazen os joelhos realmente doem. Não serve de nada dizer que isto é Maya, que é ilusório. E quando a pessoa amada nos deixa sofremos emocionalmente, e temos medo de morrer, de perder o nosso Eu, está é uma realidade que parece bastante real. Isso é o que nos diz a educação, a cultura… Mas quando alguém desperta se dá conta de que esta realidade é também um sonho. Por isso a experiência do despertar se chama Despertar e não outra coisa qualquer.

Se chama ao Buda de Desperto porque despertou do sonho da existência. A natureza desta realidade é insubstancial e evanescente. Podemos bater na madeira e parece que é sólida, contundente, temos uma sensação de materialidade… mas é um eco mental. O que nós chamamos de sensações, de matéria, de densidade, é uma percepção mental.

O que foi dito no principio é muito importante. Ainda que esta realidade seja ilusória, não significa que exista outra que seja menos ilusória.

Chamamos de ilusória porque os nossos sentidos apenas captam uma pequena parte da realidade, uma parte parcial, não é que seja mentira, mas não conseguem abarcar a totalidade; outro aspecto é porque a realidade não tem permanência, consistência, é como o fumo.

Se vivemos aceitando que esta realidade é como o fumo, vivemos em harmonia com esta realidade ilusória. O grande problema é que a ainda que a natureza da nossa realidade seja ilusória, vivemos acreditando que é real, que as coisas são sólidas, permanentes, que têm substância. E dessa forma vivemos na ilusão e este estado de viver na ilusão é origem de dor e sofrimento; ilusão entendida como distorção cognitiva.

A Visão Correta é ver a realidade na sua verdadeira natureza, tal como é, impermanente, insubstancial. E portanto, desfruta da realidade, mas não te apegues nem a rejeites. Vivamos em harmonia com essa realidade pois somos essa realidade, temos a mesma natureza!

Vídeo da palestra original:

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2 comments

  1. Talvez o plano manifestado seja um caleidoscópio prazeiroso e mutante com projeções de nossa própria criatividade e cocriação. E despertar seja sair de trás das lentes e unir se a uma consciência ampliada sem medo de perder aquilo que já não nos serve mais, individualidade, a separação!

  2. O treinamento budista é maravilhoso, é difícil refletir a impermanência ao meu ver, mas é necessário para irmos para uma realidade melhor, viver o agora e não importar com o que é impermanente, nos desapegarmos da desejo da permanência.

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