História e Arqueologia

O Budismo na África

A primeira presença humana do budismo na África aconteceu em 1686, quando um navio português com três monges budistas naufragou na África do Sul. Na Tanzânia, por volta de 1915 é estabelecido o primeiro templo budista africano.

É na África do Sul que se encontra a maior população budista do continente africano e várias organizações budistas são acolhidas nesse mesmo pais. O Templo Nan Hua fundado pela Fo Guang Shan, uma organização budista Mahayana que tem a sua sede principal em Taiwan, destaca-se por ser o maior templo e mosteiro budista no continente africano. Outro dos destaques do budismo na África vai para o Bhante Buddharakkhita, um monge africano da tradição Theravada que fundou um centro em Uganda e tem feito um trabalho notável na transmissão dos ensinamentos budistas.

Na África o budismo não tem uma expressão muito grande, mas existem minorias budistas espalhadas pelo continente africano e várias organizações que atuam na transmissão do Dharma.


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Naufrágio de um navio português e os primeiros contactos na África do Sul

O budismo na África é em grande parte um fenómeno do final do século XX, no entanto, tem uma espécie de “pré-história” que remonta a 1686, diz-nos Michel Clasquin no livro “Westward Dharma”. Nesse ano, um navio português naufragou na costa oeste da África do Sul. A área naquela época havia sido colonizada por expedições holandesas e era conhecida como a Colónia do Cabo, batizada com o nome de Cabo da Boa Esperança. Entre os passageiros recém-encalhados estavam três monges tailandeses a caminho da Europa como emissários do rei siamês. Durante quatro meses, até que um navio que passasse lhes permitisse continuar a viagem, ficaram alojados na casa de um burguês. Essa foi a primeira presença budista na África do Sul, mas o momento passou sem deixar rastro.

Durante os séculos XVII e XVIII podem ter existido outros budistas no Cabo, mas há poucos registos e eles deixaram poucas evidências. Para os cidadãos da Colónia do Cabo, a única informação sobre o budismo vinha de textos sobre viagens, muitas vezes demasiado fantasiosos como os de George Psalmanaazaar. No século XIX, entretanto, as contínuas explorações ocidentais na Ásia estavam produzindo informações muito mais confiáveis ​​sobre o budismo, e a literatura produzida no Cabo descrevia o budismo com mais ou menos precisão. Mas uma descrição precisa não implica uma avaliação imparcial. Assim, um curioso debate que se alastrou no Cabo tentou colocar o Buda histórico como originário da África em vez da Índia. Esse debate parece ter começado com o orientalista inglês William Jones, e mais tarde ecoou nos escritos de Gutzlaff. Mesmo após a teoria ter sido completamente desacreditada em outros lugares, um racismo subliminar parece tê-la mantida viva na África do Sul até meados do século XX: “Delegados num congresso do Suid-Afrikaanse Buro vir Rasse-Aangeleenthede em 1956 assimilaram do etnólogo JP Bruwer que ‘O Buda negro da Índia originou-se na imagem física do negroide.’”

A partir da década de 1970 vários grupos budistas cresceram nas principais cidades sul-africanas e houve uma proliferação de tradições budistas distintas (Theravada, Zen, Nitiren e as escolas tibetanas) desde meados da década de 1980.

Na Tanzânia abre o primeiro templo budista africano

Por volta de 1915 chegam à Tanzânia trabalhadores cingaleses trazidos pelos britânicos com a finalidade de construírem a ferrovia do leste africano. Eles eram cerca de 400 a 450 pessoas e se mobilizaram para estabelecerem em Dar Es Salaam um templo budista e centro de meditação.

Em 1919 uma muda da árvore Bodhi do Sri Lanka foi obtida e plantada nos terrenos do Centro e ao longo dos anos foram construindo várias instalações e edifícios, como a Sala do Santuário e o Pagode. Em 1962 recebem a visita do primeiro monge budista, o Ven. Palane Narada, e é iniciada a construção de uma creche para as crianças carenciadas locais. Não incluem no currículo ensinamentos religiosos e aceitam crianças entre os dois anos e meio e os seis anos de idade.

Até 1983 não havia monges residentes. Todas as funções religiosas e outras atividades eram organizadas pelos próprios membros do Centro. Com a intenção de encontrarem um monge que estivesse disponível para residir no Centro, eles escrevem para a World Fellowship of Buddhist. O contacto surte efeito e do Sri Lanka chega o Ven. Puhulwelle Vipassi Thero para ficar a residir no Centro. Ao longo dos anos outros monges foram chegado e outros partindo.

Além das atividades espirituais e da creche, o Centro também oferece serviços de biblioteca, serviços sociais, e de tempos em tempos monges residentes vão às escolas secundárias e universidades para darem palestras sobre budismo.

De 1996 até agora, têm sido enviados estudantes tanzanianos que concluíram a educação de nível avançado para o Seminário Budista Africano, que fica no Templo Nan Hua que se situa na África do Sul, com a finalidade de aprenderem o budismo durante 3 anos. Nos últimos 6 anos quase 150 jovens matriculados na Tanzânia já foram estudar para Nan Hua. Alguns desses jovens poderão também ir estudar o budismo para Taiwan. O ingresso no Seminário não implica se tornarem monges, não há uma obrigação nesse sentido, é uma decisão pessoal seguirem ou não esse caminho.

O modesto Centro tem vários planos para o futuro, como por exemplo a melhoria da biblioteca, a criação de um programa de aconselhamento relacionado com o HIV, providenciar educação gratuita, providenciar vários tipos de serviços a pessoas carenciadas, estabelecer um orfanato para crianças de rua, etc.

Templo Nan Hua, o maior da África

Nan Hua é o nome do ramo sul-africano da ordem budista humanista, Fo Guang Shan, que assumiu como missão espalhar o budismo humanista por todos os continentes da Terra. O Templo Nan Hua está localizado no subúrbio de Bronkhorstspruit, na África do Sul, e atua como o escritório central e administrativo para todas as filiais Fo Guang Shan na África, que incluem templos e centros em toda a África do Sul, Malawi, Tanzânia e Congo. Além de disseminar o Dharma a Nan Huan também é muito ativa em programas comunitários, beneficentes, culturais e prisionais.

As raízes do templo

As raízes do templo remontam ao dia 8 de março de 1992, quando o Conselho Municipal de Bronkhorstspruit, chefiado pelo ex-ministro da igreja, Dr. Hennie Senekal, que já tinha visitado Taiwan para promover oportunidades de investimento na sua cidade, doou vários hectares de terra para a Fo Guang Shan, com a finalidade de ser erguido um complexo cultural e educacional budista chinês. A Fo Guang Shan posteriormente enviou para Bronkhorstspruit o Mestre Hui Li para ser o abade fundador do templo, que teria como objetivo principal a promoção do budismo no continente africano.

O Ven. Mestre Hui Li além de ter fundado o templo é um dos membros fundadores do Seminário Budista Africano, que desde então treinou mais de 500 monges do Congo, Madagascar, Malawi, Moçambique, Tanzânia , África do Sul e Zimbábue. Ele também é o fundador do Amitofo Care Center, uma ONG que ajuda crianças em situação vulnerável e de risco.

A construção de Nan Hua começou em outubro de 1992, passado um ano foram erguidos os escritórios e um templo temporário, e ao longo do tempo os restantes edifícios. A inauguração oficial do templo principal ocorreu em 2005.

Instalações

Além do templo principal e do maior Seminário Budista Africano, as instalações do complexo incluem também um Centro de Retiros.

O Centro de Retiros é aberto a todas as pessoas – tanto monásticas quanto leigas – e não discrimina com base em religião, nacionalidade, sexo ou qualquer outro fator. São realizados retiros para iniciantes, praticantes intermediários e avançados, e a comida servida é orgânica e vegetariana. O centro inclui um grande salão de meditação, uma residência monástica e residências para os praticantes leigos de meditação.

Alvo de atentado

No dia 30 de outubro de 2002 uma série de ataques terroristas ocorreram em Soweto, na província sul-africana de Gauten, tendo o Templo Nan Hua sido um dos alvos. A Boeremag, uma organização militante de direita africâner colocou uma bomba no porão do templo. Dois funcionários ficaram levemente feridos quando o detonador disparou prematuramente. Na época, um porta-voz do Serviço de Polícia Sul-Africano afirmou que a explosão poderia ter matado e ferido dezenas de pessoas se o detonador não tivesse falhado. Cerca de 150 devotos da África do Sul, Austrália, Taiwan, Malásia e Estados Unidos estavam participando de cerimónias no templo e cerca de 30 trabalhadores da construção civil também estavam por perto. Políticos sul-africanos de todo o espectro político condenaram os atentados.

Bhante Buddharakkhita

Nasceu e cresceu em Kampala, no Uganda, foi criado como católico e “Steven Jemba Kabogozza” era o seu nome civil.

O encontro com o budismo e os anos no exterior

A maioria dos seus familiares estão envolvidos na construção civil e por causa do histórico de negócios da família ele sempre quis seguir essa área. É por isso que vai para a Índia em 1990 para estudar gestão empresarial na Universidade de Panjab. Lá ele conhece dois monges tailandeses e sente uma conexão com eles. E assim, inspirado pelos monges ele se torna budista. O Bhante queria praticar a meditação para superar o sofrimento e experimentar a verdadeira felicidade, e descobriu que os ensinamentos do Buda sobre o Nobre Caminho Óctuplo ofereciam diretrizes práticas para a sua vida.

Ele passou vários anos na Ásia, viajando pelo Nepal, Tibete, Tailândia e Dharamsala, onde se encontrou com o Dalai Lama. Para se sustentar durante esses anos trabalhou como instrutor de mergulho.

Depois de oito anos no exterior, o Bhante Buddharakkhita retornou a Uganda. Os familiares esperavam receber um próspero empresário, mas o que eles viram foi um homem com a cabeça raspada carregando livros budistas e equipamento de mergulho em vez de uma maleta.

A falta de uma comunidade budista fez com que ele não ficasse lá durante muito tempo e o levou novamente para o exterior. Primeiro para a América do Sul e depois para os EUA. Em junho de 2001 ele começou o treino monástico e, em novembro de 2002 no Tathagata Meditation Center, na Califórnia, ele foi ordenado monge budista pelo seu preceptor e falecido Ven. U Silananda. Na Bhavana Society, em West Virginia, continuou o seu treino e prática de meditação durante 8 anos sob a orientação do Bhante Gunaratuana.

A transmissão do budismo na África e os projetos sociais

Ele é um dos primeiros monges africanos e o primeiro monge budista de Uganda. Tem dado ensinamentos em vários países e em 2005 estabeleceu o Centro Budista de Uganda.

Os anos não têm sido fáceis, os líderes culturais e políticos da África não abraçaram o budismo, mas os desafios lhe ensinaram mais sobre ele, sobre os seres humanos e a ter mais sabedoria e determinação para seguir em frente. Ele diz que tem que se certificar que ensina corretamente para remover os equívocos que existem sobre o budismo. As pessoas pensam que o budismo é asiático e chinês, ligado ao kung fu, taekwondo e karate, que não pertence e nem é relevante para a África.

O Bhante conta que está ajudando na transformação de uma sociedade carente de paz em uma sociedade mais feliz. Ele está envolvido em projetos humanitários e sociais, administra um projeto de empoderamento económico de mulheres e jovens, para colmatar a escassez de água potável perfurou um posso no terreno do centro e compartilha a água com os seus vizinhos, tem um projeto de plantação de árvores e estabeleceu a “Escola da Paz”. Ele está tentando propagar uma cultura de paz e pelo menos 1500 pessoas são atingidas pelos seus projetos.

“O meu papel no geral é basicamente ensinar o budismo através da meditação, fazer atividades humanitárias que podem ajudar a promove-lo, pesquisar a melhor forma do budismo ser introduzido no contexto da cultura africana e publicar livros para que esta nova tradição possa ser conhecida em Uganda”, afirma o Bhante Buddharakkhita.

Ele está ensinando o Budismo Theravada com um “sabor africano”, para garantir que as pessoas entendam o Senhor Buda e não o vejam como algo estranho, estrangeiro e asiático. Ele conta que vê muitas pessoas sofrendo e que o budismo pode ajudar numa mudança de paradigma e ajudar a levar mais felicidade. “Estou analisando a prática da meditação e como ela pode curar traumas entre gerações. A maioria das pessoas está traumatizada. Temos ressacas coloniais e muita coisa está acontecendo”, declara o monge.

Ao longo dos anos refinou a sua forma de ensinar e hoje destaca as semelhanças entre a cultura africana e o budismo. “Uso a sabedoria africana como base para o meu ensino”, diz ele ao Tricycle, enfatizando, por exemplo, a semelhança entre o conceito sul-africano de ubuntu [“Você é porque eu sou, eu sou porque você é”] e a originação dependente. Ele começa as suas palestras sobre o karma com um provérbio popular de Uganda sobre causa e efeito: “Quando você come um cogumelo com uma larva dentro, ela vai comer você quando você estiver no túmulo”. Ele resume o seu trabalho desta forma: “Você não pode trazer um balde de terra, despejá-la e dizer: ‘Ok, aqui está o budismo’. Você tem que cultivar o solo [com a sabedoria africana] e certificar-se de que esteja bem fértil, e depois, traz a semente do dharma e a planta.” O resultado, ele espera, será uma versão próspera e exclusivamente africana do budismo.

O Bhante diz que faltam monges africanos bem treinados para ensinarem e serem “portadores da tocha”. Em Uganda, um país com mais de 40 milhões de pessoas, existem apenas dois monges. Ele pretende treinar um mínimo de 54 monges nos próximos anos, e enviar cada um para os 54 países africanos para ensinarem e divulgarem os ensinamentos do Buda.

Buddharakkhita é autor do livro “Planting Dhamma Seeds: The Emergence of Buddhism in Africa”, que conta a história do seu trabalho no continente africano. Além de ser fundador e abade do Centro Budista de Uganda, é também membro de longa data do conselho consultivo da Global Buddhist Relief em Nova Jersey, e atua como professor e diretor espiritual em outras instituições. Em 2015, fundou a União Budista Africana, um grupo guarda-chuva destinado a unir praticantes budistas de todo o continente. Ao longo dos anos o Bhante tem dado ensinamentos em África, EUA, Europa e Brasil.

Alguns dos seus familiares também se tornaram budistas, como a sua irmã, e a sua mãe que chegou mesmo a se ordenar monja e agora é conhecida como a Ven. Dhammakami.

Dificuldades e Barreiras

Ben Xing nasceu no Malawi e em 2000 estudou 3 anos no Seminário Budista Africano. Ele refere que do seu ponto de vista existem várias dificuldades e barreiras para difundir os ensinamentos do Buda na África, apesar do próprio Dharma ser muito aplicável, completo e perfeito. Isso ocorre porque o budismo, ao contrário de outras religiões, como o cristianismo e o islamismo, que ativamente fazem proselitismo, não busca ativamente a conversão de pessoas.

Além disso, na mente da maioria dos africanos, afirma Ben Xing, “a vida espiritual concentra-se principalmente na crença em poderes sobrenaturais, e acredita-se que o mal venha da influência de Satanás. Por causa dessa mentalidade, é muito difícil para os africanos comuns entenderem e aceitarem o papel da causa e condição, de efeitos e consequências, ou seja, o karma e a retribuição kármica.” Ben Xing considera que esses conceitos fundamentais e sutilmente profundos são difíceis de serem entendidos pela maioria das pessoas, no entanto, acredita firmemente que intelectuais com capacidade de compreensão podem ajudar a transmitir os ensinamentos budistas.

A falta de recursos também é um problema. São necessários mais livros em inglês e em línguas locais para que possam ser distribuídos em todas as bibliotecas nacionais e privadas, escolas primárias e secundárias e universidades. E há também a necessidade de mais associações budistas locais que possam apresentar os ideais budistas.

Como ajudar estas organizações?

É possível ajudar as organizações referidas neste artigo, tanto no apoio e suporte à transmissão do Dharma, como também contribuindo para os vários projetos sociais e humanitários. Para mais informações consulte os sites oficiais:

Referências: Wiki: Buddhism in Africa, Buddhism in South Africa, Nan Hua Temple, Tanzania Buddhist Temple and Meditation Center; Livro Westward Dharma, Cap. 9, de Michel Clasquin; Site oficial Nan Hua Temple; Tricycle I, II; The Guardian; Buddhistdoor.

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