«Vamos analisar este tema levando em conta o modelo de compreensão da realidade proposto pelo Buda: Todas as ações têm consequências, todos os fenómenos têm a sua causalidade. Há causas que propiciam resultados benéficos e há causas que propiciam resultados não benéficos.»
O texto que se segue é um resumo da palestra de Sagarapriya a 5 de Dezembro de 2017. Confira no final do post o vídeo do youtube com a palestra integral.
Vamos analisar este tema levando em conta o modelo de compreensão da realidade proposto pelo Buda: Todas as ações têm consequências, todos os fenómenos têm a sua causalidade. Há causas que propiciam resultados benéficos e há causas que propiciam resultados não benéficos.
Devemos por isso, saber escolher as causas que nos levam numa direção benéfica e evitar as causas que nos levam numa direção não benéfica. A crise ecológica que nós vivemos atualmente é o resultado das nossas ações. As nossas ações estão a promover a extinção de espécies e muitos dos problemas ambientais existentes.
Existem algumas exceções onde a causalidade não se aplica, um exemplo é a física quântica, no entanto, na realidade onde atuamos, a causalidade é incontornável.
Segundo o Buda, a causalidade atua a todos os níveis, tanto a nível material como mental.
Estados mentais de felicidade surgem devido a ações que têm consequências, não por mero acaso ou obra divina. Ações com a fala, corpo e mente promovem estados de felicidade ou estados de infelicidade.
Tendo em conta que o ser humano age com o propósito de contribuir para o seu bem estar e felicidade, é importante alinharmo-nos de acordo com a lei da causalidade, agir de forma a que as nossas ações estejam de acordo com essa lei.
E quando um ser humano cuida das suas ações, da maneira como age, fala e interage com o mundo, também está a se harmonizar em termos sociais.
Uma sociedade na qual os vários indivíduos têm sensibilidade ética, é a fundação para uma série de coisas boas: Vivermos com segurança; não sermos atacados sem mais nem menos; prosperidade, porque uma vez que há segurança existe confiança para as trocas comerciais; se há prosperidade, quer dizer que em princípio a pessoa tem tempo para não estar só a sobreviver o que permite cultivar o sentido estético, artes, contemplação, etc.
O sentido ético e a harmonização a um nível social é uma fundação importantíssima também para a vida espiritual, cultural, etc. E em termos individuais, quando nos alinhamos com a nossa ação e fala tendo em vista este principio de causalidade, estamo-nos a harmonizar a nível psicológico. Porque quando agimos com bondade, generosidade e simpatia perante o mundo, o mundo gosta de nós, as pessoas gostam de nós, o mundo espelha-nos o que há de bom em nós. Além disso, é um facto que ações que emergem de uma motivação de generosidade, partilha e bondade, têm um efeito positivo em nós próprios. Então, o mundo espelha-nos o que há de bom em nós, e nós próprios colhemos o fruto das ações motivadas por essa bondade, o que nos deixa felizes. Nós podemos facilmente constatar que quando agimos com simpatia e bondade isso nos deixa bem.
Esta ética torna-se a fundação para o caminho contemplativo. Se não nos harmonizamos a este nível, se passamos o dia movidos por avidez e aversão e isso transborda para a maneira como falamos e agimos; quando nos sentamos para meditar, aquilo que colhemos é consequência das nossas ações, o estado de consciência que emerge da meditação espelha os estados de consciência antecedentes a essa meditação.
Quais as ações que promovem bem estar e felicidade e quais as ações que promovem sofrimento e infelicidade?
Os preceitos de conduta ética propostos na tradição budista refletem como um ser desperto passa por este mundo em termos de ação e fala.
É importante ter o discernimento que as ações brotam de motivações, nós agimos perante uma motivação, a raiz das ações em termos éticos, reside na intenção ou motivação. Aqui podemos verificar a causalidade a ser aplicada à conduta ética. As ações remetem para uma motivação, há uma motivação que informa essa ação. E as nossas motivações estão intimamente ligadas aos nossos pontos de vista. Sendo que os pontos de vista podem se aproximar ou distanciar da realidade.
Pontos de vista –> Motivação –> Ação
A noção de causalidade, ou por outras palavras, Karma, é absolutamente fulcral para agir corretamente no mundo. Ter alguma clareza ou pelo menos um “kit” básico de sensibilidade ética é importante. Ou seja, ter noção que há certas ações já identificadas que as seguindo vai promover sofrimento, vai-nos desalinhar com o principio da causalidade, vai-nos desalinhar com a proposta de uma sociedade justa, vai-nos desalinhar com uma psicologia sã, e vai-nos desalinhar com o propósito de uma via contemplativa ou espiritual. E é aqui que entram os preceitos.
Os preceitos são guias, mas não é para ser levado como preto no branco, não é algo fixo. Um preceito ético não é uma regra, mas sim uma proposta de treino de sensibilidade.
Os preceitos e a nossa situação ecológica
1º Não Matar
Por trás do preceito de não tirar a vida, está a não promoção de sofrimento. Tirar a vida é a expressão mais extrema de uma ação que promove sofrimento.
Vamos pensar na nossa situação ecológica atual. No tempo do Buda, este preceito poderia-se referir a não matar uma vaca, uma cabra, um ser humano, etc. Atualmente nós, ou pelo menos a grande maioria de nós, não mata vacas. Mas a maneira como escolhemos comer, hoje em dia é promotor de sofrimento em larga escala e com um impacto ecológico enorme.
A maneira como escolhemos consumir, impacta no sofrimento de outros seres, e neste momento está a impactar no planeta inteiro. Por isso, hoje em dia tornou-se ainda mais evidente o quão importante é o papel da conduta ética e de ter consciência da maneira como agimos, incluindo ao nível do consumo. Diretamente podemos não ter matado pessoas ou animais, mas indiretamente, a nossa conduta a nível de consumo pode contribuir para muito sofrimento.
É importante termos consciência da maneira como consumimos, pois isso tem impacto nas pessoas, nos animais, na natureza e em nós própios.
2º Não Roubar
Este preceito refere-se à forma como tratamos as posses e o cuidado de abstermo-nos de tirar o que não nos foi dado. Ou sejam não roubar.
O planeta não nos foi dado, temos de ter consciência que as nossas ações têm consequências para o planeta inteiro. Como nós estamos a consumir? Energia, roupa, tudo… O que nós consumimos e o que nós valorizamos como importante não é responsabilidade de um governo.
Tudo o que nós consumimos e produzimos, foi roubando o planeta:
- Roubando das consequências que tem para a população que foi envolvida na produção (exp. salários mais baixos possíveis);
- Roubando do impacto que teve no planeta em termos ecológicos, porque o material é extraído sem levar em conta os impactos que tem.
Alguém roubou, e nós estamos a ser coniventes com isso. E isso é responsabilidade nossa, não é exclusiva de um governo, somos nós que temos de escolher não termos a nossa entidade embrulhada neste consumismo desenfreado.
3º Conduta Sexual apropriada
Vivemos tempos em que a quantidade de escândalos ao nível do abuso sexual são amplamente noticiados. Há situações mais graves e outras mais subtis. As nossas ações ao nível da sexualidade têm um impacto enorme na forma como nos sentimos perante nós e o mundo, não é inócuo.
Ficamos por estes 3 preceitos que têm haver com a sensibilidade ética:
- Não promover sofrimento com as nossas ações;
- Não tirar o que não nos foi dado;
- Abstermo-nos de sexualidade que promove insensibilidade e sofrimento.
Os 3 preceitos na forma positiva seriam:
- Cultivar acões que promovem felicidade;
- Partilhar aquilo que temos;
- Cultivar um sentido de contentamento no que diz respeito à nossa sexualidade.
Isto foi pensado há mais de 2500 anos, a diferença que faria se tivéssemos sensibilidade a estes 3 níveis seria enorme.
O modo como ganhamos a vida, como trabalhamos deve ser conducente ao despertar, não deveria toldar a qualidade da nossa consciência. 60% da vida adulta é passada a trabalhar, é importante por isso fazer algo que esteja de acordo com os preceitos referidos anteriormente. Isso quer dizer que o nosso trabalho vai cuidar do planeta que temos, porque se as nossas ações forem alinhados com os preceitos de não promover sofrimento e de não tirar o que não nos foi dado, o próprio trabalho também será promotor daquilo que traz felicidade e bem estar para nós e para os outros.
Isto quer dizer que temos escolhas importantes a fazer, a culpa não é só das empresas e governos.
Será que devemos estar a trabalhar para uma empresa nefasta? E se lá trabalhamos e não temos outra alternativa, será que podemos fazer algo para mudar essa ambiente?
Através da ética temos a possibilidade de usarmos toda a nossa vida em prol de consciências mais despertas. A maneira como agimos e falamos tem um impacto direto na qualidade de consciência que trazemos para o mundo.
Essa consciência pode ser cultivada não só na meditação, mas tendo em atenção a maneira como estamos a agir e falar; e hoje em dia isso impacta não só no nosso bem estar e felicidade, mas no próprio planeta e na nossa própria sobrevivência. A possibilidade de transformarmos a nossa terra em “vénus” é enorme, sem vida humana ou qualquer outro tipo de vida…
Vídeo com a palestra na integra:
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O futuro sustentável talvez esteja nas ecovilas e em acabar com as grandes cidades, acho que resolveria muitos problemas ambientais. Não sei se dá para praticar o budismo vivendo numa cidade.
Com certeza que dá para praticar o budismo vivendo numa grande cidade. Não é preciso ter uma vida campestre para ser budista.
As ecovilas são projetos interessantes e muito benéficos, mas acho que até certo ponto. Esse tipo de visão de pequenas vilas ecológicas a meu ver só funciona se não for massificado. Por exemplo, o Japão tem um número populacional grande em relação ao seu território, no entanto, cerca de 70% do Japão são floresta e a maioria das pessoas vivem em cidades. Imaginemos agora que o Japão começava a investir massivamente na visão idílica das vilas ecológicas; isso significava milhões de pessoas a se deslocarem da cidade para as florestas; todas essas vilas precisariam de ter estruturas para tratar dejetos humanos, para alimentar as populações, etc. Tudo isso iria criar um enorme peso ecológico e acabaria por reduzir as florestas. Isso é um tipo de visão impossível e que não funcionaria em larga escala. Dê o exemplo do Japão porque é mais notório devido ao limite territorial e ao número populacional, mas qualquer nação enfrentaria o mesmo problema.
Então a meu ver, nós precisamos de grandes cidades. As cidades precisam é de se tornarem mais sustentáveis, mais verdes, menos poluídas, mais inteligentes, com bons espaços púbicos, um planeamento urbano adequado, etc. E eu acho que isso vem sendo feito em muitas delas. Há muitas cidades deploráveis e ainda há muito para melhorar, mas atualmente, várias grandes metrópoles que no passado tinham grandes problemas de poluição, ainda que não sejam “perfeitas”, agora são muito menos poluídas e têm muito mais espaços verdes. Por exemplo Londres é das cidades mais verdejantes para o seu tamanho e foi a primeira cidade do mundo a ser nomeada como Cidade-Parque Nacional. Paris tem um plano ambicioso para até 2030 tornar a cidade mais verde. E Lisboa também tem investido muito nos espaços verdes, espaços públicos, e na mobilidade. Lisboa recebeu o galardão de Capital Europeia Verde em 2020, este ano a revista Monocle a considerou como a 3ª cidade com melhor qualidade de vida e a iVisa a considerou a mais feliz do mundo.
Pessoalmente eu adoro a natureza, de estar em contacto com ela, mas também gosto bastante de grandes cidades (apesar de viver numa cidade não muito grande), da diversidade, multiculturalidade, e incluindo as próprias “imperfeições”. Adoro Lisboa, do seu urbanismo e da evolução que sofreu nos últimos anos. Acho que o futuro passa precisamente por elevar a qualidade das cidades, tornando-as mais verdes, ecológicas, e com soluções de mobilidade mais sustentáveis e eficientes. Ecovilas terão o seu espaço assim como outros projetos futuristas como cidades flutuantes, mas as grandes metrópoles serão sempre essenciais. As cidades são um reflexo de nós mesmos, da nossa história, por isso nunca serão “perfeitas”, mas há também uma beleza nessa “imperfeição”.