Ao conhecermos a história dos grandes discípulos e discípulas do Buda, ficamos também a conhecer melhor o budismo. Todos estes grupos de praticantes influenciaram a forma como budismo se desenrolou. Eles e elas servem como modelos inspiradores.
1 – Monges | 2 – Monjas | 3 – Leigos | 4 – Leigas
Leigas (Upāsikās)
Visākhā
Mallika
Sujātā
Uttarā e Sirima
Khujjuttarā
Sāmāvatī
Notas finais
Visākhā
Visākhā, também conhecida como Migāramāta, era uma rica mulher aristocrática. Ela é considerada a principal patrona feminina do Buda, juntamente com o discípulo masculino Anāthapiṇḍika. Além de patronos, eles também serviam como os principais assessores do Buda no trato com o público em geral. Visākhā fundou o templo Migāramātupāsāda (que significa “Palácio de Migaramata”) em Savatthi, e que é considerado um dos dois templos mais importantes na época do Buda histórico, sendo o outro o Mosteiro de Jetavana .
Quando Visākhā se preparava para começar a construção do templo, ela pediu ao Buda que ficasse em Savatthi para a construção, no entanto, o Buda precisava ensinar noutro lugar e deixou que ela escolhesse um monge para ficar com ela para a construção. Visākhā escolheu Maha Moggallana, o discípulo do Buda mais importante em poderes psíquicos, para ficar com ela e supervisionar a construção. Graças à supervisão de Maha Moggallana e ao uso de poderes psíquicos na ajuda da construção, o templo de dois andares foi construído em nove meses.
Visākhā conheceu o Buda quando tinha 7 anos. Aos 16 casou-se com Punnavaddhana e ao longo das suas vidas tiveram 20 filhos, tendo cada um número igualmente grande de filhos. Migara, o sogro de Visākhā, era devoto de um clã de ascetas nus. Ele ficou irritado com a fé de Visākhā no budismo e eventualmente tentou romper o casamento entre o seu filho e Visākhā. Ela convenceu então Migara a visitar o Buda, que lhe ajudou a alcançar o sotāpanna, o primeiro estádio de iluminação que ela também já havia alcançado. Migara ficou tão grato que lhe declarou como sua mãe espiritual, apelidando-a de Migāramāta (mãe de Migara).
Como patrona-chefe, Visākhā apoiou generosamente o Buda e sua comunidade monástica ao longo da sua vida. Mas não foi apenas a comunidade monástica a receber o apoio de Visākhā, ao longo da sua vida ela ajudou muitas outras pessoas.
Visākhā costumava usar as suas melhores roupas e perfumes quando ia ao mosteiro, embora mais tarde tenha optado por desistir do uso dos trajes finos. O historiador LS Dewaraja aponta para o facto de que as melhores roupas que Visākhā usava para ir ao mosteiro, indicam uma atitude mais liberal em relação às mulheres no início do budismo. Visākhā nunca foi castigada pelas suas roupas, até que ela própria desenvolveu uma visão mais frugal e desistiu dessas indumentárias por conta própria. Dewaraja destaca o contrasta desse cenário com outras religiões na Ásia, que geralmente descrevem o gosto das mulheres devotas pela ornamentação como “um atributo maligno”.
O académico religiosos Todd Lewis, descreve Visākhā e Anāthapiṇḍika como algumas das figuras mais populares na arte budista e na narrativa da tradição budista asiática. Os dois patronos desempenharam papéis paralelos. Peter Harvey afirma que essa relação paralela simbiótica entre os dois principais patronos implica que nenhuma forma de doação no budismo é específica de um género.
Visākhā levou uma vida longa e saudável, tendo falecido com a idade de 120 anos. Segundo as escrituras budistas, após sua a morte, Visākhā renasceu em Nimmānaratī, o quinto reino celestial, como consorte do rei deva desse mesmo reino.
Mallika
Mallika era filha de um fabricante de guirlandas em Savatthi. Num belo dia, ela embalou um almoço de arroz especial e partiu para os jardins de flores para se juntar aos seus amigos. Ao sair da cidade, quando tinha 16 anos, ela viu o Buda com um grupo de monges. Inspirada pela presença do Buda, ela ofereceu o almoço que havia embalado e se prostrou a seus pés cheia de felicidade. O Buda aceitou o presente e sorriu. Ele disse a Ananda que nesse mesmo dia ela se tornaria a Rainha de Kosala. Naquela época isso parecia uma impossibilidade para Mallika porque ela era de uma casta inferior, mas tal como o Buda previu, isso viria a acontecer. O rei Pasenadi, que era um dos reis poderosos da Índia, estava naquela época em batalha com o rei Ajatasattu, o rei de Magadha. Derrotado na batalha, ele estava voltando, abatido, quando ouviu um canto doce e melodioso no jardim de flores. Encantado com o canto, ele entrou no jardim de flores para encontrar a extremamente bela Mallika dançando e cantando alegremente entre flores. Mallika vê o rei e o consola após a sua derrota e ele decide fazer dela a sua rainha. Quando o rei Pasenadi decidiu tomar uma segunda esposa, Vasabha Khattiya, a rainha Mallika a acolheu e a tratou como uma irmã mais nova, sem inveja ou ciúme.
Mallika também ajudou o rei Pasenadi, que era seguidor dos brâmanes, a ter confiança nos ensinamentos do Buda. O rei teve alguns sonhos perturbadores e sentiu que representavam algum infortúnio. Ele convocou os sacerdotes brâmanes e pediu-lhes que interpretassem os seus sonhos. Alegando que os Deuses estavam descontentes, os brâmanes pediram um enorme sacrifício animal para os apaziguar. Mallika, que praticava os ensinamentos do Buda sobre compaixão e bondade amorosa para com todos os seres vivos, ficou horrorizada ao encontrar a preparação para o abate de tantos animais. Ela aconselhou o rei a buscar o conselho do Buda sobre o significado dos seus sonhos. O Buda informou-lhe que os sonhos que estava a ter era porque ele se preocupava com o assunto que lhe era mais próximo, a realeza e o governo, e que eles significavam a detioração futura da sociedade devido à deterioração moral dos seus governantes. O rei cancelou os sacrifício e após esse incidente tornou-se um seguidor do Buda e patrono real.
Pasenadi e Mallika eram um casal afetuoso, embora tenham tido alguns desentendimentos. Numa história bizarra, a rainha Mallika entrou na casa de banhos e, tendo lavado o rosto, curvou-se e começou a banhar a perna. O seu cão de estimação quando a viu parada com o corpo assim, começou a fazer sexo com ela, e ela deixou. O rei viu pela janela o que aconteceu e diz que ela se portou mal com o cão. Ela diz que não é verdade, mas ele afirma que viu com os próprios olhos. O incidente origina uma discussão entre eles. Esse incidente, que ocorreu pouco antes da sua morte, deve ter perturbado a sua mente, pois ela renasceu no inferno de Avici, ficando lá por sete dias. Depois desses sete dias ela renasceu no mundo dos devas Tusita.
Sujātā
Sem Sujātā, Siddhartha Gautama que mais tarde viria a se tornar um Buda, provavelmente teria morrido. Sem Sujātā, provavelmente não existiria budismo.
Siddhartha Gautama antes de encontrar o caminho para o despertar explorou vários tipos de práticas, entre as quais práticas ascéticas que o deixaram à beira da morte. Afortunadamente, uma menina chamada de Sujātā o encontrou e o alimentou com leite e arroz doce. A oferta de Sujātā foi essencial para Siddhartha Gautama se recuperar e abriu o caminho para a sua iluminação. Após esse episódio Siddhartha Gautama mudou o tipo de prática, até que por fim atingiu o despertar.
Depois da iluminação, Sujātā tomou refugio e se tornou na primeira discípula leiga feminina.
Uttarā e Sirima
Uttarā é uma das iminentes discípulas leigas que observam o uposatha (dias em que monásticos e leigos reforçam a prática). Uttarā era filha de Punna, um pobre lavrador que trabalhou para Sumana e que acabou por enriquecer. Punna e a sua esposa eram praticantes budistas, e tanto eles como a filha Uttarā alcançaram o Sotāpanna (aqueles que entram na corenteza).
Uttarā casou-se com o filho de Sumana. Porém, mais tarde, ela quis observar 15 dias de uposatha, mas o marido que não era budista não lhe permitiu. Ela enfrentou algumas restrições e lamentou-se para o pai: “Meu pai, porque você me colocou nesta jaula? Durante todo o tempo em que estive aqui, não pude realizar uma única ação meritória.” Punna enviou-lhe uma bolsa com 15 mil moedas e uma carta que dizia que na cidade havia uma cortesã chamada Sirima (irmã do médico Jivaka) que cobra 1000 moedas por uma noite de prazer, e sugeriu que ela a contratasse para entreter o marido durante 15 dias. Uttarā contou ao marido a proposta de contratar uma prostituta, com a qual ele concordou. Assim, durante esses 15 dias Uttarā ouviu ensinamentos dos monges, ofereceu comida e intensificou a sua prática. Enquanto isso o marido se divertiu com Sirima.
No último dia, enquanto Uttarā estava ocupada preparando esmolas para o Buda, o seu marido, caminhando com Sirima, a viu trabalhando duro e sorriu, pensando que tola ela era por não desfrutar da sua riqueza e passar o tempo todo com esse monge careca. Uttarā, vendo-o, sorri e pensa na tolice do marido que não faz uso adequado da sua riqueza, que todos os pertences assim como a vida são temporários. Sirima viu Uttarā e o marido sorrindo um para o outro, e esquecendo-se que era apenas uma esposa substituta paga, sentiu muitos ciúmes de Uttarā. Incapaz de se controlar, Sirima foi até a cozinha e pegou uma concha de óleo fervente para jogar na cabeça de Uttarā. Quando Sirima estáva-se a aproximar, Uttarā pensou: “Se eu tiver alguma má vontade em relação a Sirima, que esse óleo fervente me queime; se eu não tiver má vontade em relação a ela, que ele não me queime.” Sirima despejou o óleo em cima de Uttarā, mas ela estava cheia de compaixão por Sirima e o óleo não a queimou. Sirima, percebendo a sua grave tolice, implorou perdão a Uttarā, que a levou ao Buda e relatou toda a história. Depois de ouvirem ensinamentos do Buda, Sirima alcança o estágio de iluminação Sotāpanna, Uttarā alcança o estágio de Anāgāmi (alguém que não retorna) e por fim o marido acaba por alcançar o Sotāpanna.
Khujjuttarā
Khujjuttarā era a serva da rainha Sāmāvatī e foi uma das principais discípulas leigas do Buda, sendo declarada por ele como a mais erudita. Ela também é mencionada por diversas vezes como um modelo para as discípulas leigas.
Khujjuttarā tornou-se Sotāpanna e frequentemente ia ouvir os ensinamentos do Buda e voltava para os transmitir à rainha Sāmāvatī e às suas 500 damas de companhia. A partir desses discursos do Buda, a rainha Sāmāvatī e as 500 damas obtiveram o fruto do Sotāpanna.
O livro canónico Itivuttaka do Khuddaka Nikaya, que é uma coleção de 112 discursos curtos do Buda, é atribuído às lembranças de Khujjuttarā.
Sāmāvatī
A rainha Sāmāvatī recebia os ensinamentos do Buda através da sua serva Khujjuttarā e tornou-se na principal discípula leiga em bondade amorosa e compaixão.
O rei Udena teve 3 rainhas: Sāmāvatī, Vāsuladattā e Māgaṇḍī. A rainha Māgaṇḍī (ou Magandiya), que não estava contente com a popularidade de Sāmāvatī, por diversas vezes a tentou afastar do rei e, no limite da sua inteligência, armou com a ajuda dos seus parentes um estratagema para queimar a mansão com Sāmāvatī lá dentro. O seu plano resultou e culminou com a trágica morte de Sāmāvatī e das suas damas de companhia.
Ao ouvir a triste notícia, os monges questionaram o Buda sobre o local de renascimento da rainha e das suas damas. O Buda então informou-lhes que todas as senhoras haviam alcançado o primeiro, segundo ou terceiro estágio de iluminação e como tal renasceram em reinos celestiais e, no devido tempo atingiriam o estado de Arhat, isto é, a iluminação completa.
O rei Udena, que até então não era budista, enlouquecido pela sua dor, mandou torturar e queimar até à morte Māgaṇḍī e os seus parentes. O rei mais tarde se arrepende, abraça os ensinamentos do Buda e se torna num patrono real.
Notas finais
Serão todas essas histórias verdadeiras? Provavelmente algumas estarão mais próximas da realidade e outras mais distantes. Algumas serão parte verdadeiras e parte fantasia. Presumivelmente esses discípulos e discípulas terão existido e a essência da sua história deverá ser real, mas alguns episódios talvez sejam algo fantasiosos e tenham como objetivo transmitir uma mensagem. Por exemplo, é muito provável que um comerciante rico chamado de Anāthapiṇḍika tenha comprado um terreno e construído o mosteiro Jetavana. Mas é menos provável que ele tenha coberto toda a área com moedas de ouro para o comprar. A ideia com esse episódio é mostrar a sua determinação (que deverá ter sido real) em adquirir essas terras para a construção do mosteiro. Muitas das lendas são assim, uma misturam de realidade com fantasia. O mais importante é a sua essência e o que ela transmite. Nesta série de artigos as histórias foram bastante resumidas, versões mais amplas e completas possuem mais detalhes, curiosidades, reflexões e ensinamentos, incluindo até descrições sobre as vidas passadas que ajudam a compreender a existência presente dos discípulos e discípulas.
Partes anteriores:
1 – Monges | 2 – Monjas | 3 – Leigos
Referências: The Buddha & His Disciples (S. Dhammika); The Great Chronicle of Buddhas (Mingun Sayadaw); Buddhivihara: Great Male Disciples Of Buddha; Buddhivihara: Great Female Disciples Of the Buddha; Buddhivihara: Lay Disciples; Buddhivihara: Royal Patrons; Budismo sem Dúvidas: Principais Discípulas do Buddha; Wikipedia: Śrāvaka; Wikipedia: Ten principal disciples; Wikipedia: List of Buddhists; Buddhist Dictionary of Pali Proper Names.
Veja também: