Teresita Gómez é uma pianista colombiana, educadora musical e praticante do Budismo Soto Zen. Nasceu em 1943 na cidade de Medellín. Ela foi adotada e cresceu num ambiente cheio de música. O seu pai era zelador no Palácio de Belas Artes de Medellín. Com apenas 4 anos já conseguia tocar piano, que conseguiu aprender ao escutar os professores tocarem o instrumento durante o dia.
Os anos de preconceito, as amizades com marginalizados e o reconhecimento internacional
Por ser afrocolombiana, negra e pobre, sofreu de preconceito e descriminação. Isso tornou o seu processo de formação mais difícil que o normal. Certa vez a professora Marta Agudelo de Maya que ficou no instituto depois das horas de trabalho, a apanhou em flagrante a ouvir e tocar piano. Os seus pais pediram desculpas e ficaram com medo de perderem o emprego, mas felizmente a reação de Agudelo foi humana e ofereceu aulas gratuitas a Teresita. As aulas eram clandestinas pois interagir com uma família com essas características era a receita perfeita para ganhar um estigma social na muito conservadora Medellín da época.
Outro episódio desastroso foi a recusa da escola Las Carmelitas, em Medellín, em permitir-lhe matricular-se como aluna. O motivo? a cor da pele. A partir daquele momento Teresita rompeu com o catolicismo, o que a levou em buscar consolação espiritual noutros cantos que a aceitassem, sem distinção de pele ou de género.
Foram anos em que havia muita segregação, o que lhe ajudou a progredir foi ignorar o que a sociedade lhe dizia, trabalhar muito, estudar muito e amar o que fazia, em vez de entrar em confronto. Várias décadas depois esses estigmas ainda lhe acompanham, de uma forma um tanto diminuída mas real.
Não é por acaso que antes e depois da adolescência, Teresita encontrou conforto e amizade em pessoas de setores sociais igualmente marginalizados e descriminados, as mesmas que acolheram pintores, atores, poetas, músicos de taberna, profissionais do sexo, boémios anónimos, e inúmeras outras personagens, pobres em aparência mas ricas em intelecto, que a marcaram para toda a vida. Isso fez com que ela temesse as pessoas “normais” e sentisse uma atração natural pelos “estranhos”, aqueles que “não se encaixavam em lugar nenhum”. Por outras palavras, pessoas como ela. Assim, de rua em rua, de piano em piano, acompanhada pelos marginalizados do seu tempo, Teresita habituou-se a viver em relativa harmonia com a lupa moralizadora dos anos 50 e 60.
Na década 80, após uma viagem a Cuba, foi torturada durante 20 dias pelo governo colombiano por suspeitas, ainda que sem provas, de pertencer à guerrilha M-19.
Alguns anos depois o presidente colombiano Belisario Betancur, a convidou a ir à hoje extinta República Democrática Alemã (comumente chamada por Alemanha Oriental), como adida cultural da embaixada da Colombia em Berlim. A partir desse momento a sua carreira iniciou uma nova e frutífera etapa.
Durante esses quatro anos, as salas de concerto da Alemanha e de outros países europeus ressoaram com as notas de Bach e Beethoven, e também com as de Luis A. Calvo, Guillermo Uribe Holguín, Adolfo Mejía e Luis Antonio Escobar, compositores colombianos pouco conhecidos no mundo, que Teresita continua a interpretar e promover até hoje. Na Alemanha ela também teve a oportunidade de reforçar a sua formação.
Após terminar a sua função como adida cultural, Teresita retornou à Colômbia como a artista de renome internacional que é hoje. Ela tornar-se assim a pianista mais aclamada e reconhecida da Colômbia.
Encontro com o Zen
Há quase 3 décadas, mais precisamente em 1994, Teresita Gómez descobriu o Budismo Zen, o que resultou num impacto significativo na sua vida pessoal e musical.
Na época Teresita Gómez estava passando por um dos momentos mais confusos da sua vida, estava totalmente perdida e com um pé praticamente no abismo, sem saber o que fazer e que caminho tomar. Um amigo que estava praticando num grupo Zen em Bogotá a convidou para o acompanhar. Gómez inicialmente rejeitou dizendo que já foi a todo o lado, esteve na igreja católica, praticou yoga, esteve com metafísicos, e sentia-se como algumas velhinhas que vão de uma lado a outro buscando Deus. Ela estava cansada de todos esses caminhos e não acreditava em nada disso. Porém uma noite dormiu na casa do seu amigo e no dia seguinte ele a levou ao Zen. Ela praticou zazen e saiu como nova. Como nessa época começou a viver novamente em Medellín, dirijiu-se ao grupo Montaña de Silencio que já existia na cidade. Foi o inicio da sua jornada no Zen.
O que mais gostou foi que não tinha que buscar nada nem esperar nada. Só tinha que estar atenta à postura e respiração, isso a deixou encantada. Embora sentar-se direita, em silêncio e quietude às vezes fosse difícil, não era nada parecido com o que Teresita tinha feito até então. Foi uma mudança completa na sua vida.
Além de ir várias vezes por semana ao dojo para praticar, ela começou a fazer 4 sesshins (retiros zen) por ano. Segundo revela Teresita, nos sesshins se dá uma conexão muito forte entre as pessoas. “Não se explica, é uma energia misteriosa que surge do silencio e da força da meditação, mas que se sente profundamente. Mas não sou capaz de dizê-lo com mais claridade, não é algo que se pode explicar com palavras. Falar do Zen é quase… não, é impossível!”, diz Teresita Gómez. Todavia para ela o “sabor” do Zen realmente se descobre quando se pratica imerso na vida diária.
Para Teresita Gómez é surpreendente que Medellín tenha um lugar de pratica Zen, é como se a cidade tivesse ganho a lotaria, é uma fortuna incalculável e inesperada, um presente para a vida. “Para mim foi um grande presente e penso o mesmo para todos aqueles que estão dispostos a recebê-lo. Aprender a receber a vida tal como ela nos é oferecida, sem acrescentar nada, sem rejeitar nada, por mais difícil que seja, é o princípio de sabedoria mais extraordinário que se pode realizar. Foi o que nos disse o professor Jiryu Rutschman-Byler, do San Francisco Zen Center, numa das suas palestras: ‘O que é que você não pode incluir?’ Isso tem sido muito difícil para mim. E continuo pensando nisso. O que inclui tudo? Como isso pode ser alcançado? É um desafio enorme, incluir o outro, aquele que não é ou pensa como eu, como incluir quem não concorda connosco… Neste país com tantas histórias de violência e intolerância, quanto beneficio este ensinamento poderia trazer.” Declarou Teresita.
A prática Zen também impactou na sua vida artística, segundo Teresita: “Na música, a influência do Zen é uma maravilha. Primeiro que tudo pela respiração, porque fica-se mais consciente. Segundo, porque se pode aprender a ver que a música é nosso corpo, que não está fora. A música somos nós. Não é algo que aparece ou vem de outra parte. Está neste corpo, segue a respiração, corresponde à postura, se manifesta em cada gesto. E o mesmo se passa com o piano, que é uma extensão do nosso corpo. Cada ser humano interpreta de uma maneira diferente, de acordo com a afinação do seu corpo. Um corpo desafinado, sem uma boa postura, com a respiração bloqueada, não faz uma boa interpretação. Se alguém esta desafinado é muito difícil, nem com um piano perfeitamente afinado.”
Por isso num concerto se a pessoa está desafinada vai correr mal, refere Teresita. A pessoa tem que estar afinada, presente e consciente do corpo e da respiração, sem pensar em outras coisas como os aplausos ou o sucesso. “Um concerto tem que ser como um ritual, como um ato de comunhão com os outros, com os que você escuta, com os que você vai fazer a oferta da sua música. É a oferta de algo sagrado. O aplauso é de menos. O importante é sua presença completa, a sua entrega, a sua oferta. No final, os aplausos chegam e são apreciados, mas é preciso sempre lembrar que somos apenas um veículo e que quando você entrega o que vem do seu ser, do seu corpo, da sua postura, de tudo de sagrado que há em você, que é você, existe uma comunhão com tudo que é tão difícil de explicar com palavras como Zen.” Afirmou.
Teresita Gómez acredita que a prática Zen seria valiosa para muitas pessoas. Seguramente algumas iram-se conectar com a pratica logo desde o inicio, outras precisarão de repetir muitas vezes, para outras quem sabe nunca se conectem. No seu próprio caso, soube desde a primeira vez sentada (zazen) que o Zen era para ela.
Referências: Revistaarcadia, Lionsroar. | Imagem de destaque: Teresita Gómez em 31/01/2013. Crédito: Wikimedia (Yeisson Vasquez) – CC BY-SA 3.0 DEED.
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