Artes Zen/Chan

Shodô: o Caminho e a arte da escrita

A caligrafia japonesa, chamada de shodô ou shuji, é uma das artes primordiais do Japão. “Shô” significa caligrafia ou escrita e “Dô” significa caminho. A sua origem remonta à China antiga. Assim como muitas artes japonesas, o shodô tem uma profunda ligação com o Budismo Zen. Ainda que este artigo tenha como foco principal o desenvolvimento da arte no japão, esta arte caligráfica, além da China e Japão, também se desenvolveu em países como a Coreia, Vietname, entre outros.

Primeiro textos

O texto caligráfico mais antigo existente no Japão é uma inscrição em chinês na auréola da estátua do Buda da Medicina do Templo Hōryū-ji. O templo está situado em Nara, foi completado em 607 e é designado como Tesouro Nacional e Património Mundial pela UNESCO. Hōryū-ji também contém um comentário anotado sobre o Sutra do Lótus. Esse documento, chamado de Hokke Gisho e que faz parte do Sangyō Gisho (Comentários Anotados sobre os Três Sutras), foi escrito no início do século VII e é considerado o texto japonês mais antigo.

O sutra mais antigo copiado à mão no Japão é o Kongō Jōdaranikyō, um sutra da tradição budista Vajrayana. Foi copiado pelo monge Hōrin em 686 e é designado como Tesouro Nacional.

Características

Shodô difere de qualquer outro trabalho criativo, isto porque os seus principais focos são a simplicidade, a beleza e, o mais importante, uma conexão mente-corpo. No entanto, apesar das suas diferenças em relação ao que a maioria dos indivíduos definiria como arte, a autêntica caligrafia é alcançada aplicando os elementos da arte, especificamente linha, forma e espaço.

Ao produzir qualquer peça de caligrafia japonesa, dominar o elemento Linha é absolutamente essencial. A forma da linha ajuda a exibir o efeito desejado da arte. Por exemplo, quando usar uma linha ondulada, reta ou curva? Isso vai depender do que se quer transmitir. Em conjunto com o elemento Linha, dominar a Forma também é um aspeto importante. Como a caligrafia é obtida com técnicas de arrastar, pressionar e varrer, nenhum contorno é usado. Na criação de arte, a natureza é um tema proeminente. Formas orgânicas como árvores, folhas e flores são temas comuns para artistas chineses ou japoneses. Como a cultura por trás da caligrafia está continuamente focada na beleza e maravilha da natureza, formas inorgânicas, como figuras geométricas ou objetos feitos pelo homem, raramente são pintadas, embora existam algumas exceções famosas. Além disso, o elemento Espaço é essencial na criação de uma bela peça de caligrafia. O posicionamento das linhas e formas e o espaço vazio ajudam a dar à caligrafia japonesa a sua beleza distinta.

Zen calligraphy, Shodo Harada Roshi, 2005

A arte da caligrafia é considerada uma metáfora para a própria vida, assim, alternam-se pinceladas fortes com outras mais delicadas, variando o efeito conforme a velocidade, a cor da tinta, a pressão sobre o papel, o intervalo entre traços e o próprio material utilizado. Na construção de uma obra, o calígrafo tem apenas uma chance. As pinceladas não podem ser corrigidas ou retocadas, pois mesmo o “borrão” ou os espaços “falhos” sobre o papel poderão ser vistos como parte de uma totalidade, desde que haja um equilíbrio natural entre os caracteres e a composição como um todo, visto que, é justamente na sutileza presente em alguns trechos e na intensidade presente em outros, que está localizado o sentido estético do shodô.

A escrita japonesa

Na lingua japonesa são utilizados os caracteres kanji e os caracteres silabários hiragana e katakana.

Os kanji são caracteres de origem chinesa e significam literalmente caracteres Han (dinastia chinesa correspondente ao período 202 a.C a 220 d.C). Eles foram introduzidos no Japão no fim dessa mesma dinastia. Apesar da sua origem, o significado e pronúncia de muitos desses caracteres podem diferir entre as duas culturas.

Durante o período japonês Heian (794 a 1192), surge a criação do hiragana, que significa literalmente “comum” ou “simples” em contraste com os kanji. O hiragana foi desenvolvido pelas mulheres da corte que foram simplificando os kanji. Com o tempo essa escrita foi evoluindo até se formar o hiragana. Algumas fontes também referem que o shodô teve um papel importante no desenvolvimento do hiragana. Os Kanjis deformados pelos artistas terão dado origem a formas mais arredondadas e mais simples que inspiraram a criação do hiragana.

O katakana também surge no período Heian, tendo sido desenvolvido por monges budistas em Nara a partir de partes dos kanji.

Conexão com o Budismo Zen

A caligrafia japonesa foi influenciada em grande medida pelo pensamento Zen, por isso muitas vezes também é chamada de Caligrafia Zen. Ao longo dos séculos muitos monges budistas têm praticado esta arte, seja para a copia de sutras ou como uma prática espiritual e artística.

Hitsuzendô: o caminho do Zen através do pincel

Hitsuzendô é um método para alcançar o samadhi (estado meditativo) através da pratica da caligrafia. Hitsuzendô também refere-se especificamente a uma escola de caligrafia zen japonesa.

O filósofo japonês Nishida Kitaro (1870-1945), fundador da chamada Escola de Filosofia de Kyoto, acreditava que a verdadeira criatividade não é produto da consciência, mas sim o “fenómeno da própria vida”. A verdadeira criação, ele afirmou, deve surgir do mu-shin, o estado de “não-mente”, no qual pensamentos, emoções e expectativas não importam. A caligrafia Zen realmente habilidosa não é o produto de uma “prática” intensa; em vez disso, é melhor alcançada como produto do estado de “não-mente”, isto é, de um alto nível de espiritualidade e de um coração livre de perturbações. Para escrever caligrafia Zen com mestria, é preciso limpar a mente e deixar as letras fluírem por si mesmas, sem um grande esforço. Tornar-se um com o que se cria, é essencial no shodô e noutras artes japonesas. Esse estado de espírito baseia-se nos princípios do Budismo Zen.

Zenga e Bokuseki

Zenga é o termo da prática e arte da pintura e do shodô na cerimónia do chá japonesa e também nas artes marciais. Zenga também refere-se a um estilo de shodô que geralmente inclui uma ilustração e um poema ou frase que expressam a sabedoria Zen. A pintura é caracteristicamente simples, ousada e abstrata. Em termos absolutos tudo tem a natureza iluminada, por isso qualquer coisas pode ser (e foi) ilustrada, desde um gato, um broto de bambu, até um homem defecando num campo; embora o ensô, galhos e o Monte Fuji sejam os elementos mais comuns.

Zen as Art by Alok Hsu Kwang-han

Bokuseki é outro estilo de caligrafia e mais especificamente um estilo de zenga desenvolvido por monges Zen. É frequentemente caracterizado por pinceladas ousadas, assertivas e muitas vezes abstratas, destinadas a demonstrar o estado puro da mente do calígrafo. O objetivo do bokuseki é representar a consciência de um único momento, pintando cada palavra com uma única respiração, realizando o Zen e manifestando a prática do zazen em ação física e artística. Bokuseki é o reflexo da ação espontânea de alguém livre da sua mente superficial.

A arte da Caligrafia Zen nos dias de hoje

No Japão contemporâneo o shodô é uma disciplina popular para os alunos do ensino básico e secundário. Muitos pais acreditam que a pratica caligráfica é benéfica. No ensino secundário, a caligrafia é uma das principais escolhas entre as disciplinas artísticas, juntamente com a música e a pintura. Algumas universidades japonesas têm departamentos especiais de estudo caligráfico e programas de treino para professores. Nas últimas décadas esta arte também vem sendo adotada por pessoas de outras culturas, usando para a arte os caracteres japoneses ou a escrita nativa.

Caligrafia Zen do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh

Referências: Zenshodo, Wikipédia, Shodo (S. Sato).

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