Budismo Geral Citações Trechos

A colcha de retalhos do supermercado espiritual

“Quero deixar claro que buscar a sua própria compreensão não significa rejeitar todos os caminhos espirituais já estabelecidos. Muitas pessoas acham que as religiões organizadas são problemáticas – ou até mesmo incorrigivelmente defeituosas. Elas podem até pensar que poderiam montar uma religião melhor para si mesmas, escolhendo e adotando as partes preferidas das diversas religiões.

Eu não acho que isto seja realista. Simplesmente não funciona como pensamos que poderia funcionar. Em vez de algo holístico que nos transforma, isso apenas produz uma colcha de retalhos que nos cai bem. Isso pode se tornar uma espécie de consumismo espiritual. Pior ainda, pode ser perigoso. Os pedaços que você pensou que seriam benéficos para você podem se revelar ineficazes ou até mesmo prejudiciais se você os aplicar fora do contexto.

Quando você extrai práticas de um caminho gradual de transformação, elas podem não ter o mesmo efeito fora de sua sequência em que foram concebidas. Nosso caminho espiritual precisa se desenvolver organicamente – e temos que estar receptivos para ir aonde ele nos leva, passo a passo.”

– S. S. o 17º Karmapa – “The Heart is Noble: Changing the World from the Inside Out”


“(…) os aspectos abertamente religiosos do budismo são extremamente importante. Devemos ter muito cuidado para não esquecer ou negligenciar os antigos budistas. Jargões e palavras tradicionais como ‘bodichita’, por exemplo, e a forma como dobramos as mãos em oração. (…) Estou também muito desconfiado da forma como demasiados professores (mesmo os pertencentes à organização de Krishnamurti) extraem apenas um aspecto dos ensinamentos de Buda, enterram o jargão budista, depois afirmam que tudo o que dizem é a sua própria revelação. É uma treta completa! Cada palavra que eles dizem pode ser rastreada até aos sutras e tantras. Por isso, nunca se esqueçam que estes professores ‘newage’ apenas se concentram num único ponto que já existe no Buddhadharma, e depois apresentam-no como seu.”

– Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche

Veja também:

3 comments

  1. UM TEXTO DO LAMA JAMPA THAYE SOBRE OS MOVIMENTOS NEW AGE
    “Reconheço que há muitas pessoas sinceras envolvidas no que hoje chamamos de movimentos de ‘Nova Era’. Do ponto de vista budista, no entanto, é definitivamente inútil construir uma escola ou movimento que canibaliza elementos de religiões diferentes e até contraditórias ou ensinamentos, tentando criar algum tipo de síntese a partir deles. Precisamos ter discernimento em nossos esforços espirituais.
    Precisamos ser lúcidos e informados sobre a verdadeira natureza da tradição budista. Isso só acontece por meio de estudo e contemplação por um longo período de tempo. O estudo começa para a maioria das pessoas com a leitura de livros introdutórios ao budismo disponíveis em livrarias e bibliotecas. No entanto, ao fazê-lo, devemos ter cuidado para garantir que esses livros sejam realmente escritos por representantes das tradições autênticas do budismo, porque ninguém mais tem autoridade, ou mesmo a capacidade, de transmitir os ensinamentos de Buda. Quando ultrapassamos esse período inicial de leitura e reflexão, podemos entrar em um aprendizado com autênticos mestres dessas tradições. É assim garantimos que receberemos apenas ensinamentos provenientes de fontes imaculadas.
    Uma maneira bastante comum de distinguir entre o budismo e os movimentos da Nova Era é examinar a natureza dos ensinamentos. Os ensinamentos do Buda são muitas vezes radicais e desafiadores para nosso senso de ego, para nossos preconceitos e até mesmo para nossas suposições sobre o que uma tradição espiritual deveria ser. Eles são direcionados à eliminação de todo egocentrismo. Infelizmente, é muito frequente que grande parte da espiritualidade da Nova Era seja de fato dedicada exatamente ao oposto, o reforço da obsessão por si mesmo, que de acordo com Buda é a raiz de todo o nosso sofrimento. Portanto, é aqui que muitas vezes podemos ver a evidência mais clara da distinção entre os ensinamentos budistas e da Nova Era.
    Outro desvio do budismo é visto na maneira como muitas pessoas interessadas em espiritualidade e, portanto, atraídas pelos movimentos da Nova Era, aceitam sem pensar a maioria dos valores ocidentais contemporâneos como estando em harmonia com a espiritualidade. No entanto, muito do ensinamento de Buda, particularmente seu ensinamento ético, está em contradição direta com os valores ocidentais modernos. O desafio que o ensinamento tradicional impõe aos pressupostos morais modernos em questões como o aborto deve nos alertar para a distinção do budismo. Quando um movimento, por mais que tente se passar por incorporando valores budistas, é totalmente consistente com os pressupostos humanistas liberais modernos, então é mais provável que seja da Nova Era e não tenha nada a ver com o budismo tradicional”.
    – Lama Jampa Thaye

    Isso só acontece porque Ocidentais e Europeus se acham melhores. Descendentes de conquistadores europeus que colonizaram e escravizaram outros deviam aprender mais com o Oriente.

    1. Bom texto do Lama Jampa Thaye, fez considerações importantes sobre o movimento New Age, mas a meu ver a parte final é bastante discutível.

      1º – O Ocidente… Acontece com frequência em palestras budistas alguma crítica particular ao Ocidente, com expressões como “os Ocidentais fazem isto, no Ocidente é assim…”, etc. Muitas vezes são criticas justas, outras vezes não são. O que me vem à mente é… e o Oriente?

      É que o Oriente não é propriamente o melhor exemplo em muitos aspetos, tanto no presente como no passado. Parece que nós é que tendemos a romantizar. Mesmo em sociedades amplamente budistas como foi o Tibete, o que não faltavam eram situações abomináveis, como torturas, assassinatos, “guerras” entre escolas budistas, etc. Na Tailândia a corrupção é ampla. A prisão Bang Kwang é uma das mais perigosos do mundo, com situações de tortura e diversos tipos de violência. Na Tailândia e em outros países do sudeste asiático ficam alguns dos rios que mais plástico enviam para o mar, criando um problema ecológico para toda a vida marítima. No Ocidente e nomeadamente na Europa, cada vez mais se tem em atenção ao bem estar animal, ainda há mesmo muito que fazer, mas por exemplo espetáculos como circos em que os animais são abusados, assim como outras formas de abuso têm sido proibidos, em quanto isso, em países como a Tailândia ainda são permitidos muitos tipos de abusos a animais. Para quem tem recursos financeiros, o consumismo não é muito diferente do Ocidente. Podemos dizer que são “influências”, mas na antiguidade era a mesma coisa, os reis e marajás a viver na opulência, e o povo sobrevivia como podia.

      Será que situações como essas estão alinhadas com o budismo? Então porque particularizar o Ocidente? São apenas pequenos exemplos, pois muito poderia ser dito…

      O Ocidente é tão criticado, no entanto, também foi no Ocidente que surgiram algumas das maiores e mais eficazes instituições de ajuda humanitária e de solidariedade. Muitos dos maiores desenvolvimentos, como por exemplo a medicina que nos tem ajudado a superar o problema do covid, entre tantos outros, tiveram origem no Ocidente.

      Então porque apontar constantemente o dedo ao Ocidente? Eu adoro o Oriente, adoro a sua rica cultura, acho maravilhosa. Mas a meu ver isso não implica que também não valorizemos o Ocidente e só olhemos para as coisas menos boas. Acho que devíamos valorizar mais a nossa cultura porque também tem muitos aspetos elogiáveis. Tanto o Ocidente como o Oriente têm aspetos deploráveis e maravilhosos. Acho que cada vez faz menos sentido estabelecer uma dicotomia Ocidente/Oriente, no fundo não há assim tão grandes diferenças, todos estamos agindo segundo os 3 venenos da mente.

      Quando aos valores humanistas liberais, se calhar se não fossem valores como esses ainda hoje não podíamos seguir o budismo e nos arriscaríamos a ser condenados à fogueira.

      2º a questão do aborto… esse é um assunto sensível. É muito fácil dizer o que cada um deve ou não fazer quando se tem uma boa situação de vida e se está num sofá tranquilamente a escrever. É muito fácil opinar quando não se é uma mulher grávida numa situação económica difícil e não se tem uma família desestruturada, ou quando não se é uma adolescente. Infelizmente há casos em que avançar com uma gravidez não é claro que seja a melhor opção. E isso não é uma opinião de alguém que nasceu numa cultura “humanista liberal”, mesmo mestres budistas como Jetsunma Tenzin Palmo, que seguem o “budismo tradicional”, não se posicionam totalmente contra o aborto. Outro aspeto é se pegarmos por exemplo no caso de Portugal, a liberalização do aborto não fez com que os casos aumentassem, muito pelo contrário, diminuíram e teve o benefício de acabar com os abortos feitos ilegalmente e muitas vezes com consequências terríveis. Eu noto que uma grande parte das opiniões totalmente contra o aborto são de pessoas que seguem alguma visão religiosa. Mas será que nós temos o direito de impor os nossos valores espirituais a outros?

      Quanto ao comentário no final:

      “Ocidentais e Europeus se acham melhores”
      A China no passado teve uma época de viagens marítimas equivalente à chamada época dos descobrimentos, só que como achavam que eles eram a cultura mais elevada e que os outros eram bárbaros, acabaram com as viagens. Se não fosse esse pensamento, se calhar hoje tínhamos muitas influências da cultura chinesa. O que não faltam são nações que se acham as melhores, seja no Ocidente ou Oriente. Mas não há problema nenhum em reconhecer os méritos e deméritos que temos… Entre muitos fatores, a situação geográfica e as competições entre vários pequenos países da Europa na era medieval que queriam ter vantagem sobre os outros, fez com que fosse investido no desenvolvimento tecnológico, e consequentemente isso deu origem a muitas inovações e aumentou o poder e prosperidade dessa região do globo. Todas as culturas têm pontos positivos e negativos.

      “conquistadores europeus que colonizaram e escravizaram outros”
      É uma verdade que faz parte da história, foi um aspeto negativo mas também tem que ser contextualizado dentro desse tempo. Também muitas coisas boas foram dadas ao mundo, não devemos ver só o lado negativo. Além disso, o Oriente também foi cheio de guerras e conquistas, de batalhas sangrentas, talvez uma das maiores diferenças é que os europeus se arriscaram a pegarem num navio e foram conquistar outras terras longínquas. Mas isso acaba por não ser muito diferente de ir conquistando os territórios adjacentes. O Japão imperial teve um período expansionista e colonizador de grande crueldade. A Ásia também não foi imune à escravidão, muito pelo contrario, a mão de obra escrava era amplamente utilizada. A Grande Muralha da China, que é considerada uma das 7 maravilhas do mundo, é também conhecida como o maior cemitério do mundo, onde foram sepultados os milhares de escravos que trabalharam na construção de um dos maiores feitos da humanidade.

      Infelizmente a história humana está cheia de atrocidades, mas também de grandes feitos… O passado foi o que foi, temos que aprender com o passado e construir um presente e futuro melhor. Juntos, Ocidente e Oriente, sem dicotomias desnecessárias.

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