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Yuval Noah Harari: “Estamos a entrar na era em que vai ser possível piratear humanos”

Noah nasceu em Haifa, Israel, em 1976, é historiador e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém. O primeiro livro publicado foi o Sapiens — História Breve da Humanidade, que se tornou um best-seller, seguiu-se o Homo Deus — História Breve do Amanhã e o livro 21 Lições para o Século XXI. Os seus livros ficaram sobejamente conhecidos e são amplamente recomendados, foram traduzidos para mais de 50 línguas e milhões de exemplares foram vendidos. Entre os seus admiradores, conta com o Barack Obama, Bill Gates e Mark Zuckerberg.

Harari vive em Israel num moshav (comunidade agrícola) com o marido Itzik, é vegan, medita duas horas por dia, e é professor assistente de meditação budista Vipassana (cursos de S. N. Goenka). Os seus livros embora não sejam propriamente sobre budismo, segundo ele só foram possíveis devido à sua experiência com meditação Vipassana e ao conhecimento que veio do Buda.

O primeiro livro que li dele foi o Homo Deus (que foi o 2º publicado) e achei um livro extraordinário. Li depois o Sapiens (o 1º publicado) e posteriormente o 21 Lições para o Século XX. Quando li o Homo Deus, apesar da fama que Yuval já vinha adquirindo, ainda não existia um mediatismo tão grande à volta dele (pelo menos em Portugal ainda não era muito conhecido), mas pouco depois o mediatismo à volta de Yuval “explodiu”, tendo inclusive dado entrevistas a órgãos de comunicação social portugueses e brasileiros.

“Sem o foco que me é dado pela meditação, não teria conseguido escrever Sapiens e Homo Deus.”

– Yuval Noah Harari

Numa extensa entrevista ao Público, publicada em 24/08/2018, Noah afirma que:

“Aquilo em que nos devíamos focar, acima de tudo, era conhecermo-nos a nós próprios. Quem somos nós? Qual é o nosso verdadeiro potencial? Desde os tempos antigos que os sábios e os santos aconselham repetidamente as pessoas a ‘conhecerem-se a elas próprias’. E, no entanto, na época de Sócrates, Buda e Confúcio, não havia uma verdadeira concorrência. Se não nos empenhássemos em conhecermo-nos a nós próprios, continuávamos a ser uma caixa negra para o resto da humanidade. Hoje, pelo contrário, temos competição. Enquanto lê estas linhas, a Amazon, o Facebook, os serviços secretos russos e o Partido Comunista Chinês estão todos a tentar piratear-nos.

Se eles conseguirem conhecer-nos melhor do que nos conhecemos a nós próprios, podem vender-nos tudo o que quiserem — seja um produto ou um político.

Fala-se muito, hoje em dia, sobre piratear computadores, telemóveis ou contas bancárias, mas na realidade estamos a entrar na era em que vai ser possível piratear humanos. No passado, ninguém tinha suficiente conhecimento biológico e suficiente poder informático para piratear pessoas. Mesmo que o KGB nos seguisse durante o dia inteiro, não saberiam o que estávamos a sentir ou a pensar. No futuro, combinando o nosso crescente conhecimento de biologia com a inteligência artificial, sistemas externos poderão conhecê-la melhor do que você se conhece a si mesma. E poderão controlar e manipular as pessoas com uma eficácia sem precedentes.

Já vimos como é que hackers1 e trolls usam as nossas fraquezas para espalhar notícias falsas e dividir a sociedade a partir do interior. Os trolls não conseguem criar medo ou ódio a partir do nada. Mas quando descobrem o que é que as pessoas já temem ou odeiam, é-lhes muito fácil carregar nos botões emocionais relevantes e provocar uma fúria ainda maior. Por isso, se tem medo de imigrantes, os trolls vão mostrar-lhe uma notícia falsa sobre imigrantes a violar mulheres locais e, como você já está inclinado para acreditar nestas histórias, nem se dá ao trabalho de verificar a sua veracidade. Se pensa que as pessoas que se opõem à imigração são todas fascistas idiotas, os trolls vão mostrar-lhe uma notícia falsa sobre racistas a espancar imigrantes e você acreditará nela. Os trolls não se preocupam necessariamente com a imigração enquanto tal. Querem apenas usá-la como forma de dividir a sociedade e de destruir o sistema democrático a partir do interior.

Para salvar o sistema democrático, precisamos de conhecer as nossas fraquezas, os nossos medos e os nossos ódios e não permitir que eles se tornem uma arma na mão de trolls. Há muitas formas de nos conhecermos melhor. Eu pessoalmente pratico meditação Vipassana (https:/www.pt.dhamma.org/pt/) que se baseia na ideia de que o fluxo de pensamento está intimamente ligado às sensações do corpo. Eu nunca reajo a acontecimentos no mundo exterior, reajo sempre às sensações no meu próprio corpo. Quando a sensação é desagradável, reajo com aversão. Quando é agradável, reajo querendo mais. Mesmo quando penso que estou a reagir a uma memória de infância distante ou às notícias sobre o que se passa no mundo, a verdade é que reajo às sensações mais imediatas no meu corpo.

Vipassana treina-me a focar-me no que está a acontecer dentro de mim, em vez de no que está a acontecer no mundo exterior, e assim revela os padrões básicos da minha mente. Dessa forma, as pessoas aprendem a compreender o que é a fúria, o medo, a alegria. Podemos viver até aos 80 anos sem nunca percebermos o que é a fúria porque nunca a observámos. Quando estamos zangados, focamo-nos no objecto da nossa zanga — alguém que disse algo contra nós, alguém que desobedeceu a uma ordem nossa. Mal nos damos conta do que se está a passar no nosso corpo e na nossa mente, as sensações provocadas pela fúria. Na meditação, mudamos o foco do objecto da zanga para a real experiência da zanga. Como é que me sinto quanto estou zangado? O que acontece no meu corpo? O que acontece na minha cabeça?

Eu medito durante duas horas todos os dias e todos os anos faço um longo retiro de meditação durante um mês ou dois. Não é uma fuga à realidade. Pelo menos durante duas horas por dia, eu observo de facto a realidade como ela é, enquanto durante as outras 22 horas sou inundado por emails e tweets e vídeos engraçados sobre gatos. Sem o foco que me é dado pela meditação, não teria conseguido escrever Sapiens e Homo Deus.

Não penso que isto funcione igualmente bem para toda a gente. Há centenas de técnicas de meditação e muitos outros caminhos que nos permitem explorar a verdade acerca de nós próprios, usando terapia, arte ou até desporto. Diferentes métodos podem funcionar melhor para diferentes pessoas. Mas é imperioso fazê-lo rapidamente. Se adiarmos, os algoritmos passarão a conhecer-nos antes de nós nos conhecermos a nós próprios — e aí passarão a controlar-nos como se fôssemos meros fantoches.”

Yuval Noah Harari, Buda e Vipassana

“Aquilo em que nos devíamos focar, acima de tudo, era conhecermo-nos a nós próprios. Quem somos nós? Qual é o nosso verdadeiro potencial?”
– Yuval N. Harari

Uma observação: Na entrevista vem o termo “piratear humanos”, não sei qual foi o termo usado originalmente antes de ser traduzido, mas a meu ver o termo “hackear humanos” é mais adequado.

Sobre este tema de piratear ou hackear humanos, recomendo o documentário da Netflix “The Great Hack“, que analisa o escândalo da Cambridge Analytica e como os dados digitais foram usados para manipular as massas e influenciar vários processos eleitorais.

Sinopses dos livros

Sapiens – História Breve da Humanidade
Recorrendo a ideias da paleontologia, antropologia e sociologia, Yuval Noah Harari analisa os principais saltos evolutivos da humanidade, desde as espécies humanas que coexistiam na Idade da Pedra até às revoluções tecnológicas e políticas do século XXI — que nos transformaram em deuses, capazes de criar e de destruir. Esta é uma obra desafiadora, desconcertante e inteligente, uma perspetiva única e original sobre a nossa História e o impacto do ser humano no planeta.

Homo Deus – História Breve do Amanhã
Chegámos ao próximo passo evolucional: Homo Deus.
Homo Deus explora os projetos, sonhos e pesadelos que darão forma ao século XXI — desde o vencer da morte à vida artificial. Sucessor do bestseller internacional Sapiens: História Breve da Humanidade, coloca as questões fundamentais: para onde seguir a partir daqui? Como proteger o mundo dos poderes destrutivos do ser humano?
A guerra desapareceu.
É mais provável cometer suicídio do que morrer num conflito armado.
A fome está a desaparecer.
É mais alto o risco de obesidade do que de fome.
A morte tornou-se um simples problema técnico.
Não alcançámos a igualdade — mas estamos perto de alcançar a imortalidade.
A história começou quando os homens inventaram os deuses e terminará quando os homens se transformarem em deuses.
O que nos reserva o futuro?

21 Lições para o Século XXI
Qual o verdadeiro significado dos eventos que hoje testemunhamos e como poderemos lidar com eles à escala individual? Que desafios e escolhas se nos deparam? O que poderemos legar ou ensinar aos nossos filhos? Algumas das questões que procurarei explorar e dar resposta incluem o significado da ascensão de Trump, se Deus estará ou não de regresso ao nosso mundo, se o nacionalismo pode ser a resposta a problemas como o aquecimento global.
O livro está dividido em 5 partes (O Desafio Tecnológico, o Desafio da Política, Desespero e Esperança, Verdade, Resiliência), cada uma delas com questões dedicadas a temas específicos, no total de 21 lições para o século XXI.
Nota do Autor: O meu novo livro debruçar-se-á sobre o estado presente do mundo. Em Sapiens, o meu primeiro livro, revisitei o passado do homem, descrevendo o modo como um macaco insignificante se tornou o dono do planeta Terra. No meu segundo livro, Homo Deus, explorei uma visão a longo prazo do futuro da vida humana, contemplando como poderemos eventualmente tornar-nos deuses, e refletindo sobre os limites até onde a nossa inteligência e a nossa consciência nos poderão levar. O meu novo livro debruçar-se-á sobre o estado presente do mundo.

“Eu sou judeu por etnia, mas não na minha religião e na minha visão do mundo. Sou muito mais influenciado por Buda e Darwin do que pela Bíblia.”

– Yuval Noah Harari, entrevista no Diário de Notícias

Trecho

Livro “Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã.” Editora: Companhia das Letras.

“Há cerca de 2.300 anos, Epicuro advertiu seus discípulos de que a busca sem moderação do prazer provavelmente os faria infelizes, e não o contrário.

Alguns séculos antes, Buda fez uma declaração ainda mais radical, ao ensinar que a busca de sensações prazerosas é com efeito a verdadeira raiz do Sofrimento. Essas sensações são apenas vibrações efêmeras e inexpressivas. Mesmo quando as experimentamos, não reagimos a elas com contentamento; em vez disso, ansiamos por mais. Não importa, portanto, quantas sensações de bem-aventurança ou excitação alguém possa experimentar – elas sempre serão insuficientes.

Essa visão Budista da Felicidade tem muito em comum com a visão Bioquímica. Ambas concordam com a noção de que as sensações prazerosas desaparecem tão rapidamente quanto emergem e que, enquanto as pessoas ansiarem por sensações prazerosas sem de fato as experimentar, elas permanecerão insatisfeitas.

No entanto, esse problema comporta duas soluções diferentes. A solução Bioquímica consiste em desenvolver produtos e tratamentos que vão oferecer aos humanos um fluxo sem fim de sensações prazerosas – assim eles sempre desfrutarão da certeza de tê-las. Buda sugeriu que reduzíssemos nosso anseio por sensações prazerosas e não conferíssemos a elas o controle de nossa vida. Segundo Buda, podemos treinar nossas mentes a observar cuidadosamente como surgem e passam todas as sensações. Quando a mente aprende a enxergar nossas sensações tais como elas são – ou seja, vibrações efêmeras e inexpressivas – , perdemos o interesse em persegui-las. Pois qual o sentido de correr atrás de algo que desaparece tão rápido quanto surge?

Atualmente, a Humanidade tem muito mais interesse na solução Bioquímica. Para o rolo compressor Capitalista, Felicidade é Prazer. E pronto.”

Videos: Palestras e Entrevistas

Legendas em português podem ser ativadas no player.

Veja também:

  1. Nota do autor deste artigo: um hacker não é necessariamente alguém que usa as suas habilidades de forma a prejudicar outras pessoas, muito pelo contrário, ainda que hoje devido à imprensa seja associado a práticas criminosas; esse termo assim como a cultura hacker surgiram no MIT. ↩︎

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