Nos tempos do Buddha Shakyamuni, havia uma pobre mulher da casta dos Sudras – que também eram chamados os intocáveis – cujo o trabalho consistia em transportar, num grande jarro, excrementos retirados das fossas sépticas. Esse tipo de tarefa era comum entre os Sudras, a casta mais baixa e desprezada da Índia, obrigada a efetuar trabalhos que os demais hindus consideravam indignos.
Certo dia, Daini – assim se chamava a mulher – caminhava por uma estrada, nos arredores da cidade, levando um jarro de excrementos na cabeça, quando viu Buddha se aproximando rapidamente. Compreendendo que ele logo alcançaria, sentiu vergonha de si mesma, do mau cheiro que exalava, dos trajes miseráveis e sujos que vestia. Então, escondeu-se atrás de uns arbustos.
“Tomara que o Buddha não perceba meu mau cheiro. Ele é um iluminado, um príncipe… e eu, uma sudra indigna de cruzar seu caminho.” – Assim pensava Daini.
Isso aconteceu em mais duas ocasiões e, em ambas, Daini agiu da mesma forma: ao ver o Tathāgata se aproximando pelo mesmo caminho que ela trilhava, escondia-se a tempo de evitar o encontro. Até que o Buddha, profundamente comovido pela humildade e bondade da mulher, plantou-se diante dela, sem dar-lhe tempo de fugir.
A pobre Daini ficou tão nervosa que deixou cair o jarro que trazia na cabeça. Os excrementos escorreram-lhe pelo corpo, pelas mãos, espelhando-se pelo Buddha, murmurando: “Perdão! Perdão!”
“Não se preocupe…” – disse o Tathāgata – “Levante-se. A partir de agora, você será minha discípula.”
Daini mal consegui acreditar no que estava ouvindo. Pois, naquele tempo, todos os discípulos de Buddha eram nobres, pertencentes às castas mais altas da Índia. Por conta da surpresa, esqueceu-se totalmente de seu ego e, no mesmo momento, recebeu poderes sobrenaturais. Dos excrementos, assim como da própria Daini, começou a emanar um perfume delicioso.
A partir daquele instante Daini passou a seguir Buddha. Daini trabalhava para ele, atendia-o em todos as suas ordens, com total dedicação. Tal como ocorria com os outros discípulos de Buddha, Daini situava-se “além do masculino e do feminino”.
Incomodados, os discípulos leigos de Buddha começaram a protestar: “Como Buddha pôde aceita-la, aqui na sangha? Além de mulher, ela ainda é uma sudra!”
Na Índia daquela época, as pessoas costumavam beijar os pés do Buddha e de seus discípulos, bem como prostrar-se diante deles, em sinal de reverência e respeito. Mas muitos recusaram-se a reverenciar Daini e, sobretudo, a beijar-lhes os pés.
Odiavam-na. Assim, resolveram arquitetar um plano para conseguir que Buddha a repudiasse e, por fim, a expulsasse da sangha. Dirigiram-se ao rei Achinoku – que compartilhava da mesma opinião sobre Daini – suplicaram-lhe que procurasse Buddha e lhe fizesse o pedido.
O rei dirigiu-se ao templo de Buddha, que ficava aos arredores da cidade. Junto à porta, encontrou um ancião que, calmamente, costurava um kesa. De sua cabeça brotava uma luza resplandecente. Seu corpo exalava tamanha dignidade que o rei, impressionado, prostrou-se diante dele e pediu: “Caro ancião, venerável discípulo de Buddha, por favor, anuncie-me ao teu mestre.”
O ancião ergueu-se de maneira tão nobre e delicada que o rei Achinoku pensou: “Ele deve ser filho de um grande soberano.”
Alguns instantes depois, o ancião retornou e, num tom sereno, perfeitamente polido, disse: “Queira acompanhar-me, Buddha lhe espera.”
A beleza e o carisma daquele ancião haviam cativado o rei que, ao chegar diante de Buddha, esquecendo-se por completo do assunto que o trazia ali, perguntou: “Quem é aquele magnífico ancião, aquele discípulo perfeito e santo que, sem pronunciar sequer uma palavra, explica de maneira tão clara e fascinante a tua doutrina?”
“É Daini, minha nova discípula.” – respondeu o Tathāgata.
O rei ficou perplexo. A partir daquele momento, nunca mais atreveu-se a julgar quem quer que fosse. Raspou a cabeça, renunciou ao trono e decidiu tornar-se discípulo de Buddha, um monge andarilho.
Fonte: Histórias para a Sabedoria – Uma Ontologia de Koans, Contos, Lendas e Parábolas Orientais.
Compilação e Edição de: Shén Lóng Fēng.
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