Trecho do livro “O Livro Tibetano da Vida e da Morte” de Sogyal Rinpoche, Editora Prefácio, p. 51-53.
Refletir profundamente na impermanência, tal como fez Krisha Gotami, leva-nos a compreender, no mais profundo no nosso coração, uma verdade que é expressa com muita força nestes versos de um poema do mestre contemporâneo Nyoshul Khenpo:
“A natureza de todas as coisas é ilusória e efémera. Os que têm uma percepção dualista encaram o sofrimento como felicidade, tal com aqueles que lambem o mel do fio de uma navalha. Como são dignos de piedade os que se agarram com força à realidade concreta! Virai a vossa atenção para dentro, amigos do coração”. [1]
Todavia, pode ser muito difícil virar a nossa atenção para dentro! É tão fácil permitir que os velhos hábitos e padrões nos dominem! Mesmo apesar de nos causarem sofrimento, como diz este poema, aceitamo-los com uma resignação quase fatalista porque estamos habituados a ceder.
Podemos idealizar a liberdade… mas, no que toca a hábitos, estamos totalmente escravizados.
Contudo, a reflexão conduzir-nos-á lentamente à sabedoria. Podemos acabar por perceber que estamos a cair uma e outra vez em padrões fixos e repetitivos, e começar a pretender libertar-nos deles. Claro que é possível voltarmos ao mesmo, mas, lentamente, conseguiremos emergir desses padrões e modificar-nos. O poema que se segue, intitulado Autobiografia em Cinco Capítulos, dirige-se a todos nós. [2]
Caminho pela rua.
Há um profundo buraco no passeio
E caio lá dentro.
Estou perdido… não sei o que fazer.
A culpa não é minha,
Preciso de uma eternidade para descobrir a saída.
Caminho pela mesmo rua.
E lá está um grande buraco no passeio.
Finjo que não vejo.
Caio outra vez.
Custa-me a acreditar que esteja no mesmo lugar,
Mas a culpa não é minha.
Ainda preciso de muito tempo para sair.
Caminho pela mesma rua.
Há um profundo buraco no passeio.
Vejo que lá está.
Mas caio… Já é um hábito
Tenho os olhos abertos,
Sei onde estou
Mas a culpa é minha
E saio imediatamente.
Caminho pela mesma rua
Há um grande buraco no passeio,
E passo ao lado.
Caminho por outra rua.
[1] Nyoshul Khen Rinpoche, Rest in Natural Great Peace: Songs of Experience, Londres, Rigpa, 1987, p. 27.
[2] Portia Nelson, citado por Charles L. Whitfield, in Healing the Child Within, Orlando, Florida, Health Communications, 1989.
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