Não existe país ou cultura no mundo que não tenha recebido influências de outras culturas. Apesar de nós ocidentais termos desenvolvido uma cultura própria, também absorvemos ideias de outros povos. No prestigiado jornal The Guardian, a escritora estadunidense e colonista Rebecca Solnit, num artigo de opinião afirma que sim, o budismo mudou o Ocidente para melhor.
“Não somos quem éramos há muito tempo”, afirma Solnit, “muitas novas ideias surgiram do budismo e de outras tradições, enfatizando a compaixão, igualdade, não-violência e perspetivas críticas sobre o materialismo e o capitalismo.”
Quando a notícia da morte de Thich Nhat Hanh se espalhou pelo mundo, Rebecca Solnit diz que viu muito mais pessoas do que esperava dizerem como ele as afetou, por meio de uma palestra, um livro, um retiro, uma ideia, um exemplo. Isso foi um lembrete do enorme impacto que o budismo teve no Ocidente. Todos esses ideias fluíram muito além dos limites de um grupo budista ou prática formal.
Apenas há meio século várias formas de crueldade eram aceites, tais como castigos corporais em escolas públicas, a violência doméstica, exclusão sistémica, etc. Mas nas últimas décadas a consciência social e até ecológica cresceu substancialmente, tendo como um dos princípios fundamentais que tudo está interconectado. Meditação, mindfulness, mais consciência, etc, foram ideias que se popularizaram muito por culpa de mestres como o Thich Nhat Hanh. Nem sempre são aplicadas da melhor forma, e nem todas mudaram, mas é inegável o seu impacto.
A colonista não referiu a contra-cultura, mas penso que também é um aspeto a considerar. Esse movimento que teve o seu auge na década de 1960, e apesar de ter os seus problemas, despoletou muitas transformações sociais e trouxe para o mainstream novos ideias, como a oposição à guerra, a cultura de paz, igualdade, liberdade, consciência ecológica, etc. Esse movimento foi influenciado em grande medida pela cultura oriental, como o budismo e outras tradições espirituais.
Mas toda essa perspetiva pode ser questionada, pois existem muitos outros fatores a considerar. E será que o budismo mudou o Oriente para melhor? Em muitos aspetos sim, por exemplo antes da entrada do budismo no Japão, essa era uma nação bárbara, tendo o budismo a amaciado. O budismo deu um enorme contributo positivo a vários níveis em muitas nações. Mas nem tudo são “rosas” nos países orientais. Se analisarmos os países tradicionalmente budistas, podemos verificar que em vários deles o budismo não impediu e nem consegue impedir a existência de muitas atrocidades e injustiças sociais, e também foi nas últimas décadas que se deram muitos dos melhores desenvolvimentos. Existem todo o tipo de sociedades que têm ou tiveram um forte presença budista, há países que são desenvolvidos e pouco desenvolvidos, democráticos e autocráticos, pouco corruptos e muito corruptos, etc. Há muitos outros fatores influenciadores a considerar (para o bem e para o mal) além do budismo, como a situação económica, a educação, sistema político, acontecimentos históricos, tradições nativas, localização geográfica, países vizinhos, outras religiões, etc. Por vezes tendemos a achar que o “quintal do vizinho é melhor que o nosso” (até pode ser, como pode não ser) e não damos valor ao que temos. O Oriente é maravilhoso em muitos aspetos, mas também é um péssimo exemplo em muitos outros. A conclusão da real influência que o budismo teve no Ocidente (assim como no Oriente) a este nível, fica para o leitor.
O artigo de opinião da Rebecca Solnit pode ser consultado em: How Buddhism has changed the west for the better (The Guardian).
Veja também:
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