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Como a meditação ajuda a envelhecer bem

“A meditação é uma ótima ferramenta para nos capacitar a experienciar a velhice de maneira saudável; porque se a pessoa consegue meditar, ela consegue estar no aqui e agora sem lutar, sem ficar fazendo problema se o corpo esta doente, com impaciência, com tédio, preocupação… a pessoa é capaz de estar presente, sentir isso e fazer as pazes com o que esta a acontecer.”Ajahn Mudito

O texto que se segue é um resumo (quase transcrição) da palestra de Ajahn Mudito, proferida em Março de 2018. Confira no final do post o vídeo do youtube com a palestra integral.


Conteúdo:


Toda a gente sabe que vai envelhecer, mas ninguém quer pensar a respeito, ninguém se prepara. Meditação é uma ferramenta que nos pode ajudar a melhorar a qualidade do processo de envelhecimento, meditar nos permite saber lidar melhor com o envelhecimento.

Saber envelhecer bem é útil pois nos ajuda a ter uma vida tranquila no agora. É um assunto que reprimimos, mas se temos confiança que estamos preparados para esse processo, se temos confiança que vamos envelhecer bem, isso nos traz uma tranquilidade no aqui e agora, gera um bem-estar muito grande.

A utilidade da meditação no processo de envelhecimento

A meditação é útil para saber lidar com o o processo de envelhecimento porque traz tranquilidade e bem-estar, é útil porque a meditação é justamente saber fazer as pazes com o que está a acontecer, é estar disposto a experienciar o aqui e agora, seja ele qual for.

Para conseguir que a mente se pacifique, que a mente faça silêncio, o grande segredo é estar disposto a não lutar com o que está a acontecer no aqui e agora, seja qual for a situação – como o corpo estar com dor, estar desagradável, estar calor, frio, ou a sensação emocional é desagradável – se conseguimos fazer as pazes com isto, a mente se pacifica.

Não é preciso ter uma mente e corpo perfeitos, livres de qualquer sensação desagradável, é preciso ter a capacidade de aceitar, fazer as pazes, estar disposto a experienciar. Se estivermos dispostos a experienciar a sensação do aqui e agora, não importa qual seja ela, não chega a ser uma sensação agradável, mas pelo menos a mente se pacifica.

A mente pacifica já tem um certo prazer, um certo bem-estar, quando a mente se pacifica, a mente se torna cada vez mais e mais agradável, a sensação de bem-estar se expande, e se expande ao ponto de às vezes se sobrepor ao mal-estar.

As pessoas veem uma pessoa meditando 1 hora inteira sem se mexer, em total silêncio, e imaginam que o corpo da pessoa não doí… doí, mas se faz as pazes com o desconforto, a mente se sente em paz, se sente bem. Vem a sensação de bem-estar e a pessoa foca nela, ela fica cada vez maior e preenche todo o seu campo de experiência. E no final o corpo até pode estar queimando, mas a pessoa já nem se importa, pois a mente esta agradável.

“A mente é o segredo, o segredo da felicidade está na mente, não no corpo.”

Ajahn Mudito

Se a pessoa treina isso desde já, a não ter medo das sensações corporais e emocionais, se a pessoa consegue sentar em meditação e sentir todas essas sensações de peito aberto, sem ter medo, já é uma grande grande mais-valia para lidar com o processo de envelhecimento.

Coragem para lidar com o corpo

Uma grande parte dos nossos problemas vêm da indisposição em sentir as coisas, em experienciar as coisas, mas se há coragem de experienciar as coisa, já alivia bastante.

Um dos maiores medos que as pessoas têm em ficar velhas é a perda da beleza física, a perda da autonomia e independência, de serem um fardo para os parentes – coragem ajuda bastante tudo isso, ter disposição de sentir as coisas, de experienciar.

O sofrimento às vezes não é algo tão ruim, pode ser uma ferramenta para gerar grande sabedoria. As pessoas têm muito medo de sofrer, mas ter coragem de encarar o sofrimento do corpo humano conforme se envelhece ou adoece, e que eventualmente culminará na morte, tem um certo aspeto didático. Se a pessoa é inteligente e tem sabedoria, esse aspeto pode ser fonte de grande elevação espiritual.

A sedução pelo corpo

Um dos grandes empecilhos do ser humano é a sedução pelo corpo humano, pela experiência de ser humano que nós atribuímos mais à juventude. Mas olhando o corpo vemos os problemas e o sofrimento que ele traz, e isso pode ser um grande estímulo para buscar algo melhor. Que mais há além deste corpo? Além de ser este corpo, eu como ser humano o que sou capaz de alcançar, de realizar?

Uma das grandes fontes de tormento para a mente é justamente o corpo, e o segredo para esse tormento se apaziguar, não é ter uma saúde perfeita porque isso não existe, ou se existe é por pouco tempo, porque alguma coisa sempre acontece. O grande segredo par apaziguar é fazer as pazes com o corpo, é ter um certo desencanto pelo corpo, ter noção que é um fenómeno limitado, não é a coisa mais fantástica do mundo, ele é uma fonte de grande preocupação constante, de sofrimento, medo… e por ignorância nós criamos a nossa vaidade ao redor do corpo, e então fica pior porque há um dever constante em nutrir essa vaidade sobre um fenómeno totalmente frágil, totalmente impermanente.

A beleza do corpo não dura nem um período de horas, em pouco tempo o cabelo fica todo emaranhado de novo, num dia o corpo já cheira mal; e além disso tem quer ser alimentado, protegido do sol e da chuva, etc.

Se a pessoa tem uma visão clara disso, ela consegue perfeitamente continuar a existir, só que agora o foco dela passa ser a mente, a mente é mais importante, o corpo é apenas um acessório, é algo que nós usamos, é algo que nós cuidamos, não vamos fazer coisas que sabemos que vai prejudicar o corpo. Ou seja, o apego é substituído por inteligência – o método para cuidar do corpo é a inteligência, não o apego desesperado, não a vaidade, não o medo.

A mente é a líder da experiência humana

Conforme o Buda disse, a experiência humana é liderada pela mente, a mente é que precede tudo o que experiencia.

A pessoa que tem uma mente saudável de qualidade, bem desenvolvida, capacitada, onde quer que ela vá a felicidade segue essa pessoa com uma sombra; a pessoa que tem uma mente doentia, incapacitada, incompetente, imatura, não desenvolvida, essa pessoa onde quer que vá o sofrimento a segue.

Uma mente de qualidade, independentemente da realidade, é feliz. Não precisa fantasiar, imaginar… o aqui e agora já é bom para essa pessoa.

Meditação, uma ferramenta que nos capacita e ensina

A meditação é uma ótima ferramenta para nos capacitar a experienciar a velhice de maneira saudável; porque se a pessoa consegue meditar, ela consegue estar no aqui e agora sem lutar, sem ficar fazendo problema se o corpo esta doente, com impaciência, com tédio, preocupação… a pessoa é capaz de estar presente, sentir isso e fazer as pazes com o que esta a acontecer.

O meditação também ensina o que na mente gera dor e o que gera bem-estar.

Se estivermos em meditação a sentir todas essas sensações, não tem como não ter insight, de notar que raiva gera dor e é desagradável; se a mente não pára, mais cedo ou mais tarde vamos perguntar porque a mente não pára. O que estamos a sentir? Ansiedade, pesar, raiva, ganância?

Se um dia nos sentimos bem, nos sentamos em meditação e é gerado um estado de paz, notamos o que estávamos sentido. Porque tivemos aquela paz? Será devido a um sentimento de gratidão, de bem-querer, desencanto? Desencanto gera paz mental, a paixão agita a mente, a “despaixão” pacifica a mente.

Sentar em meditação uma e outra vez e ter essa experiência – “aqui está a mente agitada, aqui está a mente pacifica, aqui está a mente agitada pela raiva, aqui está a mente pacificada pelo bem-querer, aqui está a mente agitada pelo desejo, aqui está pacificada pela equanimidade” – isso vai acumulando na nossa experiência e começamos a buscar os estados que geram paz e a evitar os que geram agitação mental.

Se vemos a chaga, o pesar que gera a vaidade por exemplo, automaticamente vemos o valor da humildade, como humildade traz bem-estar, paz mental.

Se vemos o pesar da ganância, do desejo que queima constantemente, da insatisfação constante, começamos a ver o valor da satisfação, de saber estar satisfeito.

Mas também é importante sabermos estar insatisfeitos. Por exemplo, se nos sentamos em meditação e a mente esta sempre agitada, não pára, deveríamos estar insatisfeito com isso, o suficiente para persistir, para continuarmos buscando melhorar a nós mesmos – mas ao mesmo tempo é preciso sermos capazes de estarmos satisfeitos, ou seja, a mente está agitada mas está tudo bem, vamos aprender a fazer as passes com isso, com o aqui e agora.

Não precisamos gostar do que estamos experienciando, mas precisamos de ser capazes de experienciar, ser capazes de sentir seja o que for.

Com o tempo, ao meditar as “fichas vão caindo” e a intuição vai fazendo o serviço.

Estudar, ler aprender o que o Buda disse, recomendou, elogiava, também é um bom ponto de referência, mas não substitua experiência, o que realmente vai ensinar é a experiência, porque a leitura ensina só o cérebro, mas a experiência ensina o coração, vai mais fundo.

Envelhecer com rabugice ou de forma pacífica

Aprender a lidar com o medo talvez seja um dos grandes segredos para saber a envelhecer bem.

Aprender a cultivar bons estados mentais e abandonar maus estados mentais também é a chave para isso.

Conforme se envelhece, a nossa capacidade mental vai diminuindo, o que se nota é que o estado mental corriqueiro começa a vir à tona.

Algumas pessoas envelhecem e ficam rabugentas. Ajahn Mudito tem a teoria de que elas já eram rabugentas antes, mas antes usavam o cérebro para reprimir certas atitudes, por exemplo não reclamar porque a outra pessoa pode ficar irritada.

Usam o cérebro para ser uma pessoa civilizada, mas quando vai envelhecendo isso vai enfraquecendo, e aquele estado mental que estava constantemente rodando ali dentro vem à tona. Então algumas pessoas envelhecem e ficam muito rabugentas, outras muito tristes, deprimidas – o estado mental que estava ali por trás era a tristeza e mágoa.

Algumas envelhecem e ficam extremamente pacificas, tranquilas… parece que nada as irrita. Há pessoas que envelhecem e o estado menta que vem à tona é de gratidão, bem-querer.

Então é bom cultivar isso desde já.

“O velhinho que você vai ser, depende do jovem que você é agora.”

Ajahn Mudito

Amizade com bons estados mentais

Devemos criar amizade com os bons estados mentais e criar aversão pelos estados mentais ruins; cultivar bons estados mentais, fazer um esforço para abandonar os maus estados mentais.

Mas isso tem de ser dosado. Não podemos ter tanta aversão ao ponto de não conseguirmos experienciar isso, não podemos mentir a nós mesmos e forçar a mente a sentir felicidade; tudo isso tem de ser equilibrado, com uma mente tranquila, que sabe ter flexibilidade, harmoniosa, uma mente que tem elegância.

Não deve haver aversão extrema quando não conseguimos entrar em contacto connosco, nos experienciar… É o que acontece quando nos sentamos em meditação, a mente não quer isso, não quer sentir isso, é chato, monótono, a mente quer uma distração, alguma coisa para pensar, ela não quer estar presente, isso é aversão.

Existe uma fome constante… por distrações, sons agradáveis, experiências agradáveis, ideias agradáveis. Por isso a pessoa não consegue largar o smartphone, que é uma expressão disso… quer alguma coisa agradável para ver, para ouvir… e isso é um problema, porque um dia não vamos conseguir ter acesso a isso, quanto mais velho vamos ficando, a experiência do corpo vai ficando cada vez pior.

As coisas que assumimos como normal vão desaparecer, a capacidade de fazer as coisas, de ir ao WC, de cozinhar, de nos locomovermos, etc. Por isso é preciso coragem para experienciar, não podemos ter medo e nem deixar de aceitar.

Saber dar trabalho

Na vida monástica, quando um monge fica doente é dever dos outros monges cuidar dele, também é dever do monge ser fácil de cuidar, não ser chato.

Às vezes a pessoa quer ajudar e o outro diz “não quero dar trabalho”, mas às vezes ao fazer isso já esta dando trabalho. Quando é o nosso dever cuidar, se o outro não se deixa cuidar já está dando trabalho. A melhor forma de não dar trabalho é aceitar o nosso cuidado, deixar a gente cuidar, assim nos ajuda.

Quando alguém pergunta se “está passando mal?” Deve ser falado se está passando mal, não esconder a verdade com medo de dar trabalho. É um equilíbrio difícil entre não ficar um resmungão, reclamando à toa, mas também não ficar impedindo as pessoas de cuidar.

Ter gratidão, saber retribuir, é algo valioso; então por exemplo se os nossos filhos vierem cuidar de nós, isso não deve ser um fardo para eles, isso é uma qualidade nobre dos nossos filhos, deveríamos ter felicidade em ver isso, deveríamos ter felicidade e ver que os nossos filhos têm essa capacidade de gratidão, sensação de honra – “esse é o meu pai, eu tenho o dever de cuidar, que espécie de pessoa sou eu se eu não cuido do meu pai?”

Quando formos idosos deveríamos entender que estamos dando a oportunidade a essas pessoas de expressarem essas qualidades nobres do coração, que cultivam essas qualidades nobres.

Não deveríamos ter vergonha de sermos cuidados, de as pessoas cuidarem de nós, não deveríamos ter vergonha de dar trabalho.

Isso é normal, e não é ruim para quem está cuidando, muito pelo contrario, é um processo de aprendizagem para essa pessoa, e é uma expressão das nobres qualidades que ela possui; na verdade é algo bonito, algo para ter orgulho – “que bom essa pessoa, coisa bela” – essa pessoa percebe a importância de ter gratidão, senso de dever, bem-querer, amizade – isso é bonito, algo nobre.

Para ultrapassar a vergonha, é perceber isso, a pessoa tem gratidão, amizade, bem-querer. Ver a beleza nisso é uma boa forma de vencer esse pesar de não querer dar trabalho, de não querer ser um fardo; olhando dessa forma, somos uma bênção para a pessoa que cuida de nós.

É algo que no futuro as pessoas vão lembrar e sentir orgulho, de como cuidaram bem dos pais quando estavam doentes, como tiveram presentes durante o processo de envelhecimento – vai ser uma causa de orgulho e felicidade.

Envelhecer com felicidade e bem-estar, sem medo

Não devemos ter medo de envelhecer nem preocupação, é normal! Se formos inteligentes, é uma coisa que nos vai deixar mais sábios ainda, e faz parte da vida de todos, envelhecer e morrer.

“Se você não consegue fazer as pazes com a ideia do envelhecimento e da morte, é um sinal que você não sabe viver, que você no aqui e agora está a fazer algo errado.”

“Se você esta vivendo bem no aqui e agora, velhice e morte não é algo tão terrível, não deveria gerar pânico e um pesar tão grande.”

“Vocês deveriam ser capazes de envelhecer com felicidade e bem-estar, de morrer de maneira pacifica, de maneira sábia.”

Ajahn Mudito

Vídeo da palestra

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