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O que é o despertar (ou iluminação)?

Siddhartha Gautama, também conhecido por Shakyamuni (o sábio do clã dos Shakyas), após inúmeras práticas encontrou o caminho para a mais alta realização espiritual (pativedha). Após a sua realização, passou a chamar-se de Buda. A palavra Buda significa desperto, aquele que despertou, ou, por outras palavras, o Iluminado.

“Iluminação” é uma palavra que vem do iluminismo europeu. Quando os primeiros europeus tiveram contacto com o budismo, começaram a aplicar o termo iluminação nas traduções dos textos budistas. Um termo que embora não seja o mais preciso é amplamente utilizado e caracteriza bem a realização do Buda. Outro termo muito utilizado no budismo é a “libertação” (Vimutti).

Ajahn Jayasāro, no livro Por Fora e Por Dentro, diz o seguinte sobre o Buda e a iluminação:

“O Buda ensinou que o ser humano não iluminado vive num estado que pode ser comparado a estar a dormir, ou a um sonho. Através da clara luz da sabedoria, e sem qualquer ajuda, o Buda foi aquele que despertou desse sonho, para a verdadeira natureza da existência. Guiado pela compaixão, o Buda é aquele que procurou partilhar a sua compreensão da via do despertar, com todos os seres que desejaram seguir as suas pisadas.” […]

“A iluminação refere-se à libertação do sofrimento e das aflições mentais ou ‘obstáculos’ que são a sua causa. É a realização da própria natureza de ‘como as coisas são’. Um ser iluminado compreende a natureza condicionada dos fenómenos impermanentes e vivencia o Nibbāna, a realidade incondicionada subjacente. O Buda referia-se a este estado como a ‘felicidade suprema’. A mente iluminada caracteriza-se pela sabedoria, compaixão e pureza. O Buda ensinou que todos os seres humanos, masculinos e femininos, nascem com o potencial da iluminação.

O Buda falou dos quatro estádios de iluminação, e consequentes quatro tipos de seres iluminados. O primeiro destes seres é ‘o que entra na corrente’, o segundo ‘o que volta uma vez’, o terceiro ‘o que não volta’, e o último é o totalmente iluminado ‘o arahant’. O alcançar destes estados depende da prática do Óctuplo Caminho enunciado pelo Buda. O seu resultado é assinalado pelo total desaparecimento na mente de certos estados mentais confusos. Já não é possível regressar a partir de tal estado. Aquele que alcança o primeiro estádio de iluminação deve assegurar-se de alcançar o estádio final no prazo máximo de sete vidas. Ela, ou ela, entrou na corrente que conduz irrevocavelmente ao oceano do Nibbāna.”


“Então, o que é o acordar? O que é a iluminação? A iluminação é o despertar de um sonho. Nós estamos mergulhados em um sonho de nossa identidade. Eu acho que sou “eu”, estou me importando com as posses do “eu” aqui e agora. Não estou enxergando a unidade de tudo, a interconexão, o facto de que todas as coisas e eu somos um. Como não enxergo isso, então estou sonhando. E esse sonho do “eu” que tanto amamos, da nossa identidade pessoal, é a nossa perdição. Por isso que quando o Buddha se ilumina, ele diz para o vulto dele mesmo “tu não me enganarás mais!” Porque quem nos engana somos nós mesmos.”
– Monge Genshô


No contexto do Zen Budismo japonês, encontramos dois conceitos relacionados à experiência do despertar: o kenshō e o satori. Embora relacionados, representam diferentes profundidades de realização espiritual.

O kenshō, que literalmente significa “ver a natureza” ou “ver a natureza-buda”, é considerado uma experiência inicial e temporária de insight sobre a verdadeira natureza da realidade. É como um vislumbre preliminar do despertar, que pode ocorrer durante práticas intensas de zazen (meditação sentada). Esta experiência, embora profunda, é transitória e pode acontecer várias vezes ao longo do caminho espiritual. Por outro lado, o satori representa uma realização mais profunda e permanente, correspondendo aproximadamente ao conceito de bodhi (despertar) no budismo primitivo. É uma transformação fundamental que dissolve a ilusão do ego separado e revela a verdadeira natureza da mente. O satori penetra todos os aspectos da vida do praticante, transcendendo o pensamento conceitual e estabelecendo uma compreensão não-dual da realidade.

A principal diferença entre ambos reside na sua profundidade e permanência. Enquanto o kenshō pode ser comparado a uma “amostra” da iluminação, uma experiência preliminar que oferece um vislumbre do que é possível, o satori representa uma mudança irreversível e completa na compreensão da realidade. O kenshō pode ser um precursor do satori, embora nem toda experiência de kenshō necessariamente conduza ao satori. O kenshō é uma experiência mais comum, mais fácil, mas não existe um domínio, não se consegue experienciar e reproduzir quando se quer, e uma vez experienciado, quando se pensa sobre isso logo se esvai. Já quem consegue o satori tem um domínio, o consegue experienciar sempre que quiser.

É importante ressaltar que ambas as experiências necessitam ser validadas por um mestre qualificado e não devem ser objeto de busca obsessiva. A prática sincera e constante do Dharma continua sendo essencial, independentemente dessas realizações. Vale notar também que estes conceitos são específicos do Budismo Zen/Chan e não são encontrados no budismo primitivo.

O mais importante é manter uma prática constante e sincera, sem apego a estados específicos de iluminação. O verdadeiro caminho do Dharma se revela na prática diária e na aplicação dos ensinamentos na nossa vida quotidiana.

Veja também:

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Sobre Ajahn Jayasāro | Lista de Mestres e Professores


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