Monja Coen é uma das mais conhecidas divulgadoras do budismo no Brasil. Leandro Karnal é historiador e está entre os pensadores mais conhecidos do Brasil. Coen e Karnal juntaram-se para escreverem o livro O inferno somos nós: do ódio à cultura de paz.
Como transformar uma cultura de violência numa cultura de paz? Essa indagação é a mote do livro, e é assim que começa a apresentação da obra na palestra do vídeo partilhado.
A Monja Coen diz-nos que não é que nós não vamos sentir raiva, é natural do ser humano ficar enraivecido por coisas que nos parecem impróprias. Mas o que nós fazemos com isso? Como é que nós dialogamos? Como é que nós somos capazes de criar condições de transformação sem ser pelo grito?
Coen enfatiza a importância de não termos apenas amigos que pensam exatamente como nós, mas que também é importante termos pessoas que pensam de forma diferente, que vêem o mundo de um ângulo diferente e enriquecem o nosso ângulo.
É importante a capacidade de calar para ouvir, mas também é importante responder. Mas deve ser uma resposta e não uma reação nervosa, não é reagir e falar sem pensar. O nosso pensamento pode-se opor ao pensamento do outro respeitosamente, discordar com inteligência e com palavras hábeis.
Nós transformamos a realidade com a nossa presença, com a nossa vida, com o nosso pensamento, com a nossa palavra, com a nossa atuação no mundo. Se algo não está bom, o que você faz para que fique melhor? Não espere que caia do céu. Você pode fazer da sua vida um inferno ou um céu.
A Monja Coen conta-nos a história (koan) de um samurai que diz a um monge que não acredita na balela de céu e inferno. O monge responde: “claro, você é um samurai de nada, um covarde, um bobão, claro que você não acredita”. O samurai furioso começa a desembainhar a espada… o monge diz: “isso é o inferno”. O samurai coloca de novo a espada na bainha e sorri. “Isso é o céu”, diz o monge.
Você está fazendo da sua vida um céu ou um inferno? Somos nós que criamos essa diferença em nós.
Há certas coisas que temos de dar limites. Não é que aceitamos tudo. Mas temos que também ter respeito mesmo por aqueles que pensam muito errado, mesmo por aqueles que cometem crimes chamados hediondos. O crime é errado, mas esse ser humano tem que ser respeitado, cuidado, trabalhado, educado e muitas vezes curado das suas doenças discriminatórias e preconceituosas, que são a diferenciação e a incapacidade da compaixão, da identificação com o outro.
“A primeira coisa que acontece quando eu estou ao lado da Monja Coen – aconteceu quando eu a convidei a dar uma palestra há 10 anos num curso, aconteceu no meu escritório – a primeira coisa que acontece de novo aqui ao ouvi-la: Eu tenho vontade de ser melhor! Ao contrário dela o meu controlo sobre a minha raiva é baixo e facilmente superado.” proferio Leandro Karnal na apresentação do livro com a Monja Coen.
Karnal diz que tanto para alguns ramos da filosofia como para a maioria da ideia budista, o inferno começa a ser gestado por nós mesmos. E continua, dizendo que “O inferno é uma opção de entrar em um discurso de ódio, o inferno é uma opção de eu ceder à raiva, o inferno é uma opção de eu transformar aquilo que eu discordo e o movimento destrutivo de aniquilação do outro.
Então, o primeiro ponto é, naturalmente desarmar pela consciência, pelo exercício, pela meditação, pela sabedoria – essa bomba relógio que o nosso Eu, nosso narciso, nossa vaidade – produz em nós.”
Segundo Leandro Karnal, devemos ter consciência que somos seres vaidosos, que o nosso Eu determina toda uma posição diante do mundo, que sabotamos muita coisa através do nosso orgulho, que as coisas dão errado porque não somos o centro do universo, nem omnipotente e onisciente. Trata-se de um exercício não apenas de crescimento pessoal, mas um exercício que nos liberta da dor de estarmos escravizados por nós mesmos.
O primeiro tirano que encontramos é um tirano interno. Várias fontes budistas, muito filósofos, várias escolas que se aproximam do budismo como o estoicismo, apontam nesse sentido. Libertamo-nos do “tirano” ao libertarmo-nos da vaidade, da raiva e de pequenas coisas que atinge os outros e a nós.
Karnal cita um monge que conheceu na China, que diz que quando atiramos uma brasa cheios de raiva em alguém (como palavras e ações), talvez a pessoa seja atingida com a brasa incandescente, mas em 100% dos casos queimamos a nossa mão.
O que quer dizer que o problema não está apenas em ser compreensivo com os outros, por caridade ou compaixão externa, mas porque essas palavras e ações também nos afetam.
Veja a palestra completa de Coen e Karnal no vídeo partilhado acima.
Sinopse do livro: Vivemos dias difíceis, de vozes múltiplas que parecem nunca dialogar, ávidas que são para atacar e julgar. Em tempos adversos como o que vivemos, de crise, preconceito e intolerância, como transformar o ódio em compreensão do outro em suas diferenças? Como sair de um cenário de violência e construir uma cultura de paz? O historiador Leandro Karnal e a Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen-budista do Brasil, conversam nesse livro sobre essas e outras questões, em diálogo inspirador. Os autores lembram que o medo pode estar na origem da violência e apontam como o conhecimento, de si e do outro, é capaz de produzir uma nova atitude na sociedade, menos agressiva e mais acolhedora. “Localizar o mal no outro é uma panaceia universal”, observa Leandro. Mas, talvez, o inferno não sejam os outros, como pensava o filósofo francês Jean-Paul Sartre, e sim nós mesmos.
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