O Caminho do Meio é uma expressão bem conhecida entre os budistas. O príncipe Siddhartha que mais tarde viria a se tornar num Buda viveu no luxo e com acesso a todo o tipo de prazeres, mas ao perceber que tudo isso era impermanente e que não lhe trazia verdadeira felicidade, saiu do seu palácio e abandonou a vida de luxo que levava até então. Tornou-se num asceta e passou a fazer algumas práticas radicais que os buscadores espirituais faziam na época, incluindo a mortificação do corpo. Com a vida por um fio devido a essas práticas, percebeu que esse caminho também não o levava ao que pretendia, que a solução era um meio-termo entre estar absorvido pelo prazer extremo (hedonismo) e as práticas ascetas extremas. O Buda também escutou um músico dizer que para extrair o som de uma cítara (instrumento de cordas), as cordas não podem estar nem muito frouxas nem muito apertadas, se estiverem muito frouxas não é possível produzir som, se estiverem muito apertadas vão-se partir, é preciso afinar as acordas apropriadamente. E assim, após conhecer os dois lados, o Buda rejeitou essas duas visões extremas pois não levavam à libertação e ao fim do sofrimento e, mais tarde, sentado em meditação debaixo da árvore Bodhi, atingiu o despertar. Posteriormente, viria a ensinar ao mundo o Nobre Caminho Óctuplo, conhecido também como o Caminho do Meio, o seu método para atingir o despertar.
O Buda também rejeitou a visão eternalista (sassatavada) e a visão aniquilacionista ou niilista (ucchedavada). Sassatavada é a doutrina da existência de uma alma eterna, imutável, independente e que continua após a morte. Ucchedavada é o oposto, que nada continua após a morte. O Buda defendeu uma visão entre esses dois polos.
E na visão Mahayana e Vajrayana o Caminho do Meio também aponta para o conceito da vacuidade e não-dualidade.
Mas o Buda não disse que o Caminho do Meio deveria ser usado de forma generalizada, que tudo tinha de ser um meio-termo. O Buda não evitou questões polémicas e sociais, tendo chegado mesmo a fazer criticas duríssimas a situações que ele considerava incorretas. O Buda tomou posições, algumas até consideradas radicais para a época, e aconselhou governantes a optarem entre um ou mais caminhos. O “meio-termo” não se aplica a tudo e nem deve ser uma desculpa para a passividade, omissão, inação, neutralidade e alienação (até porque a neutralidade pode ser como uma tomada de posição que pende para um dos lados). Ser budista não implica ficar fora de qualquer discussão e não tomar posições, antes pelo contrário, assim como o Buda não se omitiu de apontar o absurdo do sistema de castas, um budista consciente deve sim tomar posições. O pacifismo defendido no budismo também não é sinónimo de inação.
Há momentos em que o melhor caminho é um meio-termo, entre o preto e o branco há muitos tons de cinza, mas também há momentos em que é preto ou é branco, depende de muitos fatores, e cada lado pode acarretar consequências diferentes. Há que ter sabedoria, lucidez, discernimento e um olhar profundo sobre todos os lados e contextos para perceber a melhor forma de agir e encontrar a medida e a intensidade certa. A visão do Caminho do Meio é importante mas não significa que para tudo entre o quente e o frio tem de ser sempre o morno, que entre dois polos o meio é sempre o correto. Mas isso também não significa que se deva dar sempre luz verde aos extremos, é preciso ter noção que o meio pode nem sempre ser o melhor, porém, geralmente os extremos são muito perigosos e nefastos, geralmente a moderação é o melhor caminho. Nem sempre também é simples discernir onde estão os extremos e onde está o meio. Mais uma vez, ter sabedoria e lucidez é importante para não cair em atitudes e visões erróneas. A profundidade dos ensinamentos sobre o Caminho do Meio vai mais além do que uma escolha entre os polos e o centro.
E isto leva à questão do equilíbrio. Há tempos li um artigo criticando uma “vida equilibrada”. Mas estar em equilíbrio não quer dizer que se esteja sempre no centro, sem oscilações. O equilíbrio não é um conceito estático. Andar de bicicleta, dançar balé, etc, exige equilíbrio, mas para isso não é possível estar ali sempre na mesma posição, na mesma linha, no centro e sem qualquer oscilação. Ter equilíbrio significa ter o centro como ponto de referência, mas também ir a um e outro polo quando necessário, é preciso fazer curvas e contra curvas.
Ser desequilibrado, ter uma vida desequilibrada, é como andar de bicicleta e ao aparecer uma curva caímos, é não conseguirmos descer uma montanha a alta velocidade, é não conseguirmos subir uma montanha lentamente. Ter equilíbrio não é estar ali sempre na mesma direção, sempre na mesma velocidade, sempre na mesma pasmaceira… é saber o momento para acelerar, travar, virar, subir, descer, cair e levantar, saltar, rodopiar, deslizar, etc…Mas nem sempre é fácil, é como um equilibrista, é uma habilidade que requer destreza.
Ter sempre a mesma rotina, mesmos horários, tudo estável, como referia o artigo, não é necessariamente equilíbrio, pode ser sim, mas também pode ser ser o oposto. Há pessoas que têm vidas bem agitadas e são equilibradas e outras têm vidas muito pouco agitadas e não estão equilibradas.
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“Buda praticou o ascetismo, fez jejum até quase morrer e chegou à conclusão de que isso era bobagem. O caminho do meio é um caminho moderado: há muita coisa boa no mundo e você deve aproveitar.”*
– Genshô Sensei
Sugestão de leitura:
- It’s No Time to Be Neutral – Bhikkhu Bodhi (Lion’s Roar)
Veja também:
- [Conto] O Caminho do Meio (vídeo)
- Em situações difíceis como pandemias, terramotos e outros desastres, mantenha o equilíbrio
- Prazer x Felicidade
- Os ideais budistas de boa governança
- O que é o momento presente?
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