O kamma, em páli, ou karma, em sânscrito, é um dos conceitos mais fundamentais e profundos do budismo, representando a lei universal de causa e efeito no domínio ético. Diferente de um sistema de recompensa e punição administrado por uma entidade divina, o kamma opera como uma lei natural – assim como a gravidade no mundo físico. No Cūḷakammavibhaṅga Sutta (MN 135), o Buda explica que somos os herdeiros das nossas ações (kamma-dāyāda), nascidos das nossas ações (kamma-yoni), relacionados às nossas ações (kamma-bandhu), e que as nossas ações são o nosso refúgio (kamma-paṭisaraṇa). O que fazemos, seja através de pensamentos, palavras ou ações corporais, moldam não apenas o nosso presente, mas também o nosso futuro.
É importante compreender que o kamma não é determinista. O Buda ensinou que embora estejamos condicionados por ações passadas, não somos completamente determinados por elas. Em cada momento, temos a capacidade de fazer escolhas conscientes que podem alterar o curso da nossa vida. O kamma opera em múltiplos níveis de complexidade. Algumas ações produzem resultados imediatos, enquanto outras podem manifestar os seus frutos ao longo de várias vidas. No Kukkuravatika Sutta (MN 57), o Buda descreve quatro tipos de kamma: escuro com resultado escuro, brilhante com resultado brilhante, misto com resultado misto, nem escuro nem brilhante com um resultado nem escuro nem brilhante.
De notar que embora o kamma seja fundamentalmente individual – como enfatizado no Upajjhatthana Sutta (AN 5.57) onde o Buda declara que somos donos das nossas ações (kamma-saka) – existe uma dimensão de interconexão que não pode ser ignorada. As nossas ações individuais estão entrelaçadas numa rede complexa de causas e efeitos que afetam toda a comunidade de seres. Ainda que o termo “kamma coletivo” não apareça nos textos tradicionais, é inegável que as consequências das nossas ações individuais, e das ações de todos os outros seres, podem ter impactos coletivos significativos. No entanto, isto não dilui a responsabilidade individual – cada ser permanece o herdeiro das suas próprias ações, mesmo quando estas ações contribuem para condições compartilhadas por muitos. Outro aspeto é que os indivíduos com determinadas inclinações e marcas kámmicas tendem a se manifestarem próximos de indivíduos com essas mesmas inclinações e marcas, o que aumenta a impressão de um kamma coletivo.
A compreensão correta do kamma é essencial para a prática budista, pois nos ajuda a assumir a responsabilidade pelas nossas ações e a desenvolvermos uma conduta ética baseada na compreensão, não no medo. Como o Buda enfatizou, a intenção (cetanā) é o fator crucial que determina a natureza ética de uma ação (kamma) e os seus resultados (vipāka) subsequentes, sejam eles positivos, negativos ou neutros. Quando efetuamos ações hábeis (kusala) ou benéficas estamos gerando bom kamma e consequentemente a acumular méritos (puñña) e a construir os alicerces para a felicidade. Ao efetuarmos ações inábeis (akusala) ou prejudiciais estamos a construir os alicerces para o nosso próprio sofrimento, seja no presente ou no futuro.
Contudo, a visão budista da causalidade revela uma teia complexa de inter-relações que vai muito além da simples noção de causa e efeito kámmico. Como ensinado no Sīvaka Sutta (SN 36.21), podemos compreender que a nossa experiência é moldada por múltiplas forças – desde processos biológicos, acidentes, condições climáticas, até resultados de facto do kamma. Esta compreensão nos liberta da visão limitada de que tudo é resultado do kamma passado (uma forma de determinismo que o Buda explicitamente rejeitou), permitindo uma resposta mais sábia e equilibrada aos desafios da vida e, uma prática espiritual equilibrada que reconhece tanto a nossa responsabilidade moral quanto a complexidade da realidade em que vivemos.
De seguida seguem-se alguns vídeos em que é explicado por diferentes professores(as) budistas mais detalhadamente o conceito do kamma. No final do artigo são disponibilizados vários links para aprofundar esta temática.
O que é Karma
por K. Sri Dhammananda
Karma – Ligação com Passado e Futuro
Karma
por Tsering Paldron
O Karma de nossos antepassados interfere no nosso?
por Monja Coen
Como mudar o karma
por Monge Genshô
Frutos das ações
por Monge Genshô
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Saiba mais sobre o karma:
- Karma não é Destino
- Karma: eles mereceram?
- Que Leis governam a vida e o universo?
- Links externos:
- Kamma (Karma) (Acesso ao Insight)
- Karma – Ajaan Thanissaro (Acesso ao Insight)
- Podcast: Kamma (Acesso ao Insight)
- Karma Coletivo – Monge Genshô (Youtube)
- Culakammavibhanga Sutta (MN 135) (Acesso ao Insight)
- Moliyasivaka Sutta (SN 36.21) (Acesso ao Insight)
- Kamma: A Lei da Causalidade Moral – Narada Mahathera (Budismo em Poucas Palavras)
- O que é Kamma? – K. Sri Dhammananda (No Que Os Buddhistas Acreditam)
- Kamma e Renascimento – Nyanatiloka Thera (Acesso ao Insight)
- Kamma e Renascimento – Bhante Yogavacara Rahula (Casa de Dharma) (PDF)
- Introdução ao Majjhima Nikaya, Cap. Kamma e Renascimento – Bhikkhu Bodh (Acesso ao Insight)
- Ensinamentos Fundamentais do Budismo Ch’an – Hsing yun (Shunya)
- Sobre Carma e Causalidade – Monge Genshô (O Pico da Montanha)
- O fenômeno do karma depende do desapego – Monge Kōmyō (Youtube Daissen)
– Olhar Budista > Recursos > Budismo: comece aqui! –
Sobre K. Sri Dhammananda, Tsering Paldron, Monja Coen, Monge Genshô
Lista de Mestres e Professores
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