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[Vídeo + Artigo] Funeral Celeste e Reflexão sobre a Morte

Ajaan Chah com frequência recomendava a contemplação da morte, particularmente naquelas ocasiões em que a mente está agitada e inquieta, pensando descontroladamente.
Tibet Funeral celeste

Recordação da Morte

Por Ajaan Anan

Ajaan Chah com frequência recomendava a contemplação da morte, particularmente naquelas ocasiões em que a mente está agitada e inquieta, pensando descontroladamente. Como esta é uma contemplação poderosa, quando estamos subjugados por algum aspecto de cobiça ou raiva – ou simplesmente deludidos pela confusão e pela dúvida – a contemplação da morte pode eliminar tudo isso trazendo para a mente um senso de finalização. “Espere. Eu irei morrer logo.” Isso irá eliminar todos aqueles pensamentos menos importantes, secundários, que estão perturbando a mente naquele momento. Essa é uma técnica de meditação muito útil.

Podemos praticar a recordação da morte contemplando a incerteza nas nossas vidas e a certeza da morte. Refletimos continuamente que tendo nascido, necessariamente morreremos. Ouvindo notícias sobre mortes e perdas, podemos refletir também sobre a nossa própria mortalidade. Suponha que a população humana mundial somasse seis bilhões de pessoas das quais seis milhões morressem a cada ano, seiscentos milhões a cada década. Se não houvesse novos nascimentos, dentro de um século toda a população do mundo teria falecido – todos os seis bilhões de pessoas. No entanto, porque há novos nascimentos substituindo as pessoas que morrem, nós deixamos de ver a presença da morte, exceto naqueles eventos terríveis, resultado de desastres naturais. Quando um grande número de seres humanos morre devido a esse tipo de evento podemos refletir que nós também precisamos morrer, que não podemos escapar da morte.

Quando contemplamos o Dhamma, no entanto, temos de fazê-lo do modo correto. Refletindo sobre a impermanência e a incerteza da vida, podemos chegar ao ponto de ver que todos nós temos de chegar ao mesmo fim. Não há como evitar isso, pois no final das contas, todos temos que morrer. Mas é importante que contemplemos de um modo hábil, despertando a urgência e a energia para a prática. Essa contemplação deveria desenvolver a atenção plena e a sabedoria, conduzindo a mente para mais paz. Se for feita de modo inábil poderá resultar em depressão, vendo a vida como carente de significado. E se tivermos esse tipo de reação negativa, então temos que parar e compreender que não estamos indo na direção certa, que isso não está produzindo o resultado correto. Portanto, ao contemplar e praticar o Dhamma, temos sempre de olhar para os resultados daquilo que estamos fazendo para julgar se estamos praticando do modo correto. Se houver mais energia, mais esforço, mais paz, então esse é o indicador que estamos na direção correta.

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O Cultivo do Horrível

Trecho do livro “A Espiritualidade Budista – Índia Sudeste Asiático, Tibete e China Primitiva” Volume I. Páginas 56, 57 e 58 – A meditação budista na Índia. Transcrito por: Guilherme Chiamulera

O cultivo do “horrível” (aśubha-bhāvanā) consiste na contemplação estreita de cadáveres em vários estados de decomposição. Diz-se de modo geral existir dez tipos de cadáveres, que vão dos recentemente mortos, inchados pela deterioração, passando pelos “mastigados” (corpos que foram parcialmente devorados por chacais ou outros necrófagos), aos “ensanguentados” (corpos cobertos de sangue), chegando finalmente aos “esqueletos” (corpos dos quais nada resta além de ossos). Os textos descrevem as várias categorias de cadáveres com cuidadoso detalhamento. Um bom exemplo é a descrição de um cadáver “lívido” feita por Buddhaghosa, um estudioso budista do século V:

Aquele que tem uma descoloração irregular é chamado “lívido” […] o que é lívido é vil, devido à repulsividade […] esse é um termo para um cadáver de cor avermelhada em lugares em que a carne é aparente, de cor esbranquiçada onde o pus se acumulou, mas principalmente de cor preto-azulada, se envolvido com tecido preto-azulado […] (Visuddhimagga, Vl.1).

Os métodos empregados para a meditação sobre coisas como essas são quase os mesmo descritos na discussão acima sobre a “totalidade da terra”. Também aqui, o praticante focaliza a mente no objeto físico em questão (neste caso, um dos dez tipos de cadáveres), até estar apto a formar uma imagem mental do objeto e contemplar essa imagem sem necessariamente estar na presença do cadáver real. Assim, há um sentido no qual essa prática, assim como a prática da “totalidade”, é enstática: ela envolve o recolhimento dos sentidos do praticante – afastando-o de sua interação com o mundo exterior – e a concentração da atenção sobre uma imagem central. Mas também há uma diferença importante. A contemplação do “horrível” é destinada especificamente às pessoas que têm um apego excessivo à beleza e atratividade dos corpos (vivos) físicos, em especial àqueles que são excessivamente incomodados por impulsos sexuais. O cultivo do “horrível” é destinado a modificar esse tipo de reação afetiva, positiva aos corpos físicos, e substituí-la por uma reação mais realista (do ponto de vista budista). Ele também é destinado a atuar como propedêutica à compreensão das doutrinas budistas fundamentais relativas à impermanência e a insatisfatoriedade de tudo. Ao empregar o “horrível” como objeto de meditação, a pessoa pode começar a ver a atratividade do corpo humano (e, por extensão, de todas as coisas) como impermanente, transitória, sujeita à deterioração; ela também pode começar a ver que o que aparece como atraente é na verdade apenas uma aparência que, com a morte, se revela em sua luz verdadeira.

Esse vínculo entre o cultivo do “horrível” e a compreensão dessas verdades budistas fundamentais fica explícito em alguns textos intitulados Iogacarabhūmi – “os estágios da prática da ioga”. “Ioga” é um outro termo geral para a prática da meditação, um termo usado em toda a Índia, que foi completamente incorporado ao vocabulário ocidental. O termo composto “Iogacara”, que significa tanto “a prática da ioga” quanto “os que se envolvem na prática da ioga”, tornou-se o nome de uma importante escola filosófica budista na Índia a partir do século IV d.C; mas ele também era empregado – e é esse sentido que me interessa aqui – como um título genérico para textos relativos à apresentação dos estágios dessa prática. Textos recebendo esse título eram produzidos na Índia desde os primeiros anos da era cristã e, em dois dos mais antigos, encontra-se uma relação dos seguintes conjuntos de práticas: primeiro, o cultivo do “horrível”, destinado a combater os desejos sensuais; segundo, o cultivo da amizade (maitri), destinado a combater a cólera; terceiro, o cultivo da compreensão relativa ao fato universal da causalidade, destinado a combater a ignorância; quarto, o cultiva da meditação sobre o processo de respiração, destinado a combater o pensamento excessivamente analítico; e quinto, o cultivo da meditação sobre esqueletos, destinados a combater o egotismo. Aqui, é clara e explícita a tentativa de fazer a conexão entre o cultivo do horrível (que, tomado sozinho, tem eficácia soteriológica limitada) e as outras práticas da meditação, destinadas mais diretamente à supressão da ignorância. O cultivo do horrível está inserido em seu lugar próprio como uma prática em meio a um conjunto mais amplo de práticas da meditação: ele se tornou uma parte do caminho da meditação.

Esse interesse em criar caminhos de meditação sistemáticos a partir de tradições heterogêneas, e às vezes quase contraditórias, da prática da meditação (como, por exemplo, é possível reconciliar o alcance da cessação e as práticas que a ele devem conduzir com a atenção e as metas soteriológicoas a ela associadas?) sempre foi uma parte importante da teorização budista sobre a meditação. As tradições encontradas nos textos denominados Iogacara, acima mencionadas, são um exemplo, relativamente pouco desenvolvido, dessa tendência. Outras tradições, muito mais explícitas, sistemáticas e complexas, podem ser encontradas em textos expressamente dedicados ao desenvolvimento e elaboração desses caminhos da meditação. Uma vez que é, em grande parte, no estudo desses textos e em seu uso como base para a prática (sempre sob orientação de um mestre devidamente qualificado) que os estudiosos budistas, por quase dois milênios, obtiveram acesso aos tesouros conceituais e soteriológicos de suas tradições da meditação, vou apresentar na próxima seção, um dos mais influentes modelos sistemáticos do progresso através dos caminhos da meditação que podem ser encontrados nesses textos.

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