A crescente popularidade dos banhos frios ou terapia de água fria, tem gerado um interesse significativo nos últimos anos devido ao potencial benéfico para a saúde física e mental. Paralelamente, observa-se um interesse cada vez maior em práticas contemplativas como a meditação, que enfatizam a intrínseca ligação entre a mente e o corpo e o desenvolvimento da resiliência mental. Mas será que os efeitos dos banhos frios no corpo e na mente são realmente positivos? Haverá riscos? E de que forma é que podem ou não ser um aliado da meditação e prática budista? Este artigo propõe-se a explorar a potencial relação entre a prática de banhos frios ou naturais (sem água aquecida), e os princípios e práticas do budismo e da meditação.
Conteúdo:
- Introdução
- Práticas de água fria: do passado ao presente
- Conectando com princípios e práticas budistas
- Benefícios para a saúde
- Contestação dos benefícios
- Riscos e perigos para a saúde
- Como tomar?
- Caminho do Meio e moderação
- Conclusão
Introdução
Primeiramente, para uma melhor compreensão é útil definir os diferentes tipos de banho frio. O chuveiro frio é talvez a forma mais acessível e comum, envolvendo a exposição do corpo à água a temperaturas geralmente inferiores a 15°C durante um período de tempo. Esta prática pode ser facilmente incorporada na rotina diária, começando gradualmente com água tépida e progredindo para temperaturas mais frias. A imersão em água fria abrange uma variedade de métodos mais intensos, incluindo os banhos de gelo, os mergulhos frios em tanques ou piscinas, e a natação em águas frias. As temperaturas para a imersão variam consideravelmente, mas geralmente situam-se entre 1.7°C e 15°C, com durações que podem ir de 5 a 15 minutos. Outras formas de terapia de frio incluem as compressas frias, a massagem com gelo, a crioterapia, etc. Embora estas modalidades sejam relevantes para a terapia de frio no geral, o foco principal deste artigo será o chuveiro frio e a imersão, dada a sua maior aplicabilidade no contexto do bem-estar diário e da prática meditativa.
Práticas de água fria: do passado ao presente
Sabe-se que os monges budistas na antiga Índia banhavam-se em rios, no entanto a finalidade era essencialmente a higiene. Nos textos budistas antigos não há uma menção especifica à prática de banhos frios com um propósito terapêutico, espiritual, ou meditativo. No Vinaya, existem regras que regulam quando e como os monges podem tomar banho, mas estas são principalmente relacionadas à higiene, moderação e decoro, não especificamente promovendo ou desencorajando o uso de água fria ou quente. Curiosamente, segundo o Cullavagga V, que faz parte do Vinaya-Pitaka, o Buda permitiu a construção de casas de banho/sauna (jantāghara) com água quente para fins de higiene e como tratamento para certas doenças.
No Japão, a prática de misogi envolve banhos em cascatas frias, rios ou no mar. É uma pratica de purificação ritualística tradicional do xintoísmo. Alguns praticantes budistas também terão adotado, assim como praticantes de artes marciais, especialmente de aikido. Por exemplo, Morihei Ueshiba, fundador do aikido, praticava misogi como uma forma de meditação.
Uma prática notável do budismo tibetano que envolve o frio, ainda que não seja uma banho, é o Tummo, que literalmente significa “fogo interior”. É uma técnica avançada de meditação que combina exercícios de respiração específicos e visualizações para controlar a “energia interior” de forma a gerar calor corporal interno. Monges praticantes de Tummo demonstraram a capacidade de suportar temperaturas extremamente frias e até de secar lençóis molhados com o calor do corpo, ilustrando uma notável maestria da mente sobre as funções fisiológicas. Existem alguns estudos científicos que exploram essas proezas.
De acordo com Glenn Mullin, as escrituras tântricas afirmam que a bem-aventurança tântrica experimentada nesta prática é “cem vezes mais intensa do que o orgasmo sexual comum, e dá origem a um estado especial de consciência”. Importa referir que este tipo de prática apenas deve ser aprendida com um mestre qualificado.
O uso de água fria para fins terapêuticos ou espirituais tem uma longa história em várias culturas, incluindo no antigo Egito, Grécia e Roma, em que os seus benefícios eram reconhecidos. Complicações como doenças de pele, bem como dores musculares e articulares estavam entre os primeiros alvos da terapia com água fria e quente, enquanto que outros benefícios, como ser uma ferramenta para relaxamento e socialização, foram utilizados muito mais tarde, quando o uso da água se tornou mais comum.
É também importante recordar as práticas ascéticas que Siddhartha Gautama experimentou antes da sua iluminação. Em busca da libertação, ele dedicou-se a formas extremas de auto-mortificação, incluindo jejuns prolongados e exposição a condições ambientais adversas. No entanto, o Buda abandonou estas práticas extremas, reconhecendo que não conduziam ao objetivo final. Em vez disso, adotou o Caminho do Meio (majjhimā paṭipadā), um caminho equilibrado que evita os extremos da indulgência sensual e da auto-mortificação. Ao contextualizar a prática do banho frio dentro do Caminho do Meio, é crucial reconhecer o seu potencial benefício sem a elevar a uma prática ascética extrema ou considerá-la essencial para a iluminação.
Conectando com princípios e práticas budistas
A experiência de tomar um banho frio pode evocar uma variedade de reações psicológicas que se alinham com alguns princípios budistas. Uma das primeiras e mais comuns reações é a aversão (dosa) à sensação intensa de frio. Na perspetiva budista, a aversão é uma das três raízes do sofrimento, juntamente com o apego e a ignorância. A prática do banho frio oferece assim, uma oportunidade valiosa para observar e trabalhar com esta aversão de forma consciente. Em vez de evitar ou reprimir a sensação desagradável, o praticante pode aprender a observá-la sem julgamento, reconhecendo-a como uma formação mental (saṅkhāra) transitória. Esta observação atenta pode levar a uma maior compreensão da natureza da aversão e a uma diminuição da sua influência.
Enfrentar voluntariamente o desconforto do frio pode também ajudar na superação de medos e ansiedades relacionados a sensações desagradáveis ou situações desconfortáveis. A experiência de tolerar e aceitar o frio pode construir resiliência mental e uma sensação de capacidade pessoal para lidar com desafios. Esta superação gradual do medo pode fortalecer a mente e eventualmente reduzir a tendência a evitar situações desconfortáveis na vida quotidiana, auxiliando a pessoa a ir além da sua zona de conforto.
A capacidade de se comprometer com a prática e de superar a resistência inicial ao banho frio pode levar a um aumento da autoconfiança saudável. Na perspetiva budista, esta autoconfiança deve ser cultivada sem alimentar o ego, reconhecendo a natureza impermanente e interdependente de todas as coisas. O foco deve estar na capacidade de enfrentar desafios com equilíbrio e discernimento, e não numa sensação de superioridade ou numa identificação com a capacidade de suportar o frio como um feito pessoal do ego.
A prática do banho frio pode contribuir para o desenvolvimento de várias qualidades mentais (paramitas) essenciais no caminho budista. A sensação de frio pode ser intensa e desconfortável, este tipo prática exige paciência (khanti) para tolerar a sensação inicial e permitir que o corpo se ajuste. Esta paciência estende-se também à observação das reações mentais e emocionais que surgem durante a experiência, sem se deixar levar pela irritação ou frustração.
Comprometer-se com esta prática, especialmente nos dias em que a motivação é baixa, fortalece a determinação (adhiṭṭhāna). A determinação em manter a prática regular, mesmo face ao desconforto físico e mental, é um aspeto importante do desenvolvimento espiritual budista, ajudando a cultivar a perseverança no caminho.
Superar a inércia e a resistência inicial para entrar na água fria requer energia e esforço (viriya). A energia cultivada na prática do banho frio pode ser transferida para outras áreas da vida, incluindo a prática meditativa e a prossecução de outros objetivos espirituais.
A escolha de tomar um banho frio em vez de um quente representa uma forma de renúncia (nekkhamma) em relação ao conforto imediato. Esta renúncia voluntária ao conforto físico pode ajudar a reduzir o apego aos prazeres sensoriais e a cultivar uma maior equanimidade face às sensações desagradáveis, um passo importante no caminho para a libertação do sofrimento.
Essa ativada pode proporcionar uma experiência direta de anicca (impermanência). As sensações de frio mudam constantemente ao longo do banho, proporcionando uma experiência visceral da natureza transitória de todas as sensações. O desconforto inicial do banho pode ser contemplado como uma manifestação de dukkha (não como sofrimento profundo, mas como stress ou desconforto) inerente à experiência sensorial. Ao observar a sensação sem resistência, podemos aprender a não nos apegarmos à noção de que ela deve ser diferente, aprendemos a cultivar uma compreensão mais profunda da natureza da realidade e a libertar-nos da ilusão de que o desconforto deve ser evitado a todo o custo. Podemos começar a compreender a sua natureza transitória e a desenvolver uma atitude mais equilibrada em relação ao sofrimento no geral. A prática oferece também uma oportunidade para cultivar a equanimidade (upekkhā) ao observar o desconforto sem julgamento ou reação excessiva. Podemos aprender a permanecer presentes com a sensação sem nos deixarmos perturbar por ela, desenvolvendo uma atitude de aceitação e equilíbrio.
A experiência intensa do banho frio pode também ser uma oportunidade para observar o funcionamento dos cinco agregados (khandhas): forma (rūpa – o corpo), sensações (vedanā – a sensação de frio e as emoções associadas), perceção (saññā – o reconhecimento da sensação como fria e desagradável), formações mentais (saṅkhārā – os pensamentos e reações à sensação) e consciência (viññāṇa – a consciência da experiência). Por exemplo na observação de saṅkhāra (formações mentais), podemos identificar várias formações mentais eventualmente surgindo, como pensamentos sobre o desconforto, memórias, julgamentos e emoções. Esta prática pode assim, ser um contexto para observar estas formações mentais de forma imparcial, reconhecendo a sua natureza impermanente e não se identificando com elas. Da mesma forma, pode proporcionar uma oportunidade para a observação direta das sensações (vedanā), sem reagir automaticamente com aversão ou apego. Esta observação imparcial das sensações é um elemento importante no cultivo de Vipassanā.
Pode ainda auxiliar no desenvolvimento de atenção plena (sati) e a trazer a mente de volta ao momento presente, interrompendo assim a ruminação sobre o passado ou a preocupação com o futuro, pois ao entrar debaixo da água fria fica quase impossível pensar no que quer que seja, só existe aquele momento, aquele instante.
A respiração consciente (ānāpānasati) pode ser uma grande ajuda para regular a resposta do corpo ao choque térmico e para manter a calma. Técnicas de respiração como a respiração diafragmática ou os métodos de Wim Hof podem ser particularmente úteis para navegar pela intensidade das sensações. Alguns praticantes podem ainda encontrar benefícios em recitar mantras ou afirmações budistas durante o banho frio, servindo como auxiliar na concentração e desidentificação com as sensações desagradáveis.
Durante a prática meditativa, cinco obstáculos (nīvaraṇa) podem dificultar a concentração e a clareza mental: desejo sensual (kāmacchanda), má vontade (vyāpāda), preguiça e torpor (thīna-middha), agitação e preocupação (uddhacca-kukkucca), e dúvida (vicikicchā). Tomar um banho frio antes de uma sessão de meditação pode eventualmente ajudar a superar alguns desses obstáculos, como por exemplo a preguiça e o torpor, pois um banho frio pode ajudar a despertar o corpo e a mente, promovendo assim o foco e alerta durante a prática meditativa. A clareza mental e a sensação de vivacidade após um banho frio podem ser benéficas para a concentração meditativa.
Quando falamos de banho frio, geralmente nos referíamos ao banho natural, à temperatura natural, sem aquecimento, ainda que possam existir práticas em que a água é propositalmente tornada fria. Este contacto com o que simplesmente está a acontecer, nos possibilita desenvolver um maior contentamento com a realidade presente.
Benefícios para a saúde
Além dos benefícios diretamente alinhados com a prática budista, a terapia de água fria tem sido associada a uma variedade de benefícios gerais para a saúde. No domínio psicológico, alguns estudos sugerem que a exposição regular à água fria pode levar à redução do stress e da ansiedade, melhoria do humor, potencial alívio de sintomas de depressão, e aumento da resiliência mental. A prática regular do banho frio também exige e, consequentemente, desenvolve a disciplina e a força de vontade.
Outros benefícios para a saúde incluem a melhora da circulação sanguínea, o potencial fortalecimento do sistema imunitário, redução da inflamação e da dor muscular, aumento do metabolismo e potencial auxílio na perda de peso, e melhora da qualidade do sono. Abaixo segue-se uma tabelas com alguns dos possíveis benefícios.
Tipo de benefício | Descrição detalhada |
---|---|
Redução do stress e ansiedade | Diminuição dos níveis de cortisol, ativação do sistema nervoso parassimpático. |
Melhora do humor e potencial alívio da depressão | Liberação de noradrenalina, potencial efeito antidepressivo. |
Aumento da resiliência mental | Desenvolvimento da capacidade de lidar com o desconforto e o stress. |
Desenvolvimento da disciplina | Exige compromisso e superação da resistência inicial. |
Melhora da circulação sanguínea | Contração e dilatação dos vasos sanguíneos, melhora do fluxo sanguíneo. |
Potencial fortalecimento do sistema imunitário | Possível aumento da produção de glóbulos brancos. |
Redução da inflamação e da dor muscular | Vasoconstrição ajuda a reduzir o inchaço e a inflamação. |
Aumento do metabolismo e potencial auxílio na perda de peso | Ativação do tecido adiposo castanho, queima de calorias. |
Melhora da qualidade do sono | Pode ajudar a regular a temperatura corporal e melhorar o sono. |
É crucial notar que muitos destes possíveis benefícios podem variar de pessoa para pessoal, além disso, alguns até podem ser contestados.
Contestação dos benefícios
Apesar da crescente popularidade e dos relatos de benefícios, é importante adotar uma perspetiva crítica e reconhecer as contestações em relação aos benefícios da terapia de água fria. Algumas alegações de benefícios podem ser exageradas ou baseadas em evidências científicas limitadas. Além disso, muitos estudos sobre os benefícios da terapia de água fria envolvem a participação de atletas ou indivíduos já habituados a atividades físicas intensas, o que pode influenciar os resultados.
No que diz respeito ao sistema imunitário, embora alguns estudos sugiram um aumento nos glóbulos brancos após a exposição ao frio, ainda não está totalmente claro se isso se traduz numa melhoria significativa na função imunitária e na proteção contra doenças. Da mesma forma, as alegações de aumento do metabolismo e perda de peso através da ativação do tecido adiposo castanho são promissoras, mas a magnitude do efeito pode variar significativamente entre indivíduos e pode não ser suficiente para uma perda de peso substancial sem outras mudanças no estilo de vida.
É também importante considerar o efeito placebo, que pode desempenhar um papel significativo nos benefícios relatados da terapia de água fria, especialmente no que diz respeito ao humor e ao bem-estar subjetivo. Muitos dos ditos benefícios também podem ser alcançados através de outras práticas. Portanto, embora o banho de água fria possa oferecer alguns benefícios para a saúde, é essencial abordar estas alegações com cautela.
Porém, o mais importante é se é útil para quem pratica ou não, independentemente dos benefícios relatados ou da contestação a eles.
Riscos e perigos para a saúde
Apesar dos potenciais benefícios, a prática de banhos frios também apresenta riscos para a saúde que devem ser considerados, especialmente para indivíduos com certas condições médicas. A exposição súbita à água fria pode causar um choque térmico, levando a um aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, o que pode ser perigoso para pessoas com problemas cardiovasculares preexistentes, como hipertensão ou doenças cardíacas. A imersão em água muito fria também pode levar à hipotermia, uma condição na qual a temperatura corporal cai para níveis perigosamente baixos. Os sintomas de hipotermia incluem tremores intensos, confusão, respiração lenta e perda de consciência. Indivíduos com condições como síndrome de Raynaud, que afeta a circulação sanguínea nos dedos das mãos e dos pés em resposta ao frio, devem evitar a imersão em água fria, pois pode exacerbar os sintomas. Da mesma forma, pessoas com certas doenças de pele podem ter reações adversas à exposição prolongada à água fria.
É crucial que indivíduos com quaisquer condições médicas preexistentes consultem um médico antes de iniciar a prática regular de banhos frios, e mesmo quem não tem uma condição médica conhecida, para maior segurança convém consultar primeiro um médico.
Além disso, é importante começar gradualmente e ouvir o próprio corpo, evitando a exposição prolongada a temperaturas extremamente frias, especialmente no início da prática. A segurança deve ser sempre a prioridade ao explorar o banho de água fria.
Como tomar?
Ficam aqui algumas dicas para minimizar o choque e tornar a experiência de tomar um banho frio mais gradual e segura.
- Comece gradualmente: Se estiver a usar o chuveiro, comece com a temperatura amena, no final do banho, vire a água para fria por apenas alguns segundos. Aumente gradualmente a duração e diminua a temperatura ao longo do tempo.
- Foque na respiração: A respiração consciente é fundamental para gerir a resposta do corpo ao frio. Respire profundamente e calmamente, concentrando-se na expiração para ajudar a relaxar o corpo.
- Comece pelas extremidades: Seja no duche ou em imersão, comece por molhar as mãos e os pés antes de submergir o resto do corpo. Isso permite que o corpo se adapte gradualmente à temperatura mais baixa.
- Não precisa ser um mergulho completo: Mesmo a exposição da cabeça e do rosto à água fria pode ter benefícios. Se a imersão completa for muito intensa, comece por lavar o rosto com água fria ou molhar a nuca.
- Mova-se: Mexer-se suavemente na água fria pode ajudar a gerar calor e a tornar a experiência menos desconfortável. Também pode tentar a abordagem contrária, que seria a imobilidade.
- Tenha um plano para se aquecer depois: Prepare uma toalha quente e roupas secas para se aquecer imediatamente após o banho frio. Uma bebida quente também pode ajudar. Mas se vai meditar de seguida, se lhe for possível tente sem se aquecer demasiado.
- Ouça o seu corpo: Preste atenção aos sinais do seu corpo e saia da água se sentir demasiado desconforto, dor ou hipotermia. Tremores incontroláveis são um sinal de que precisa de se aquecer.
- Não force: A prática deve ser um desafio, mas não deve ser traumática. Se a experiência for consistentemente negativa ou causar ansiedade excessiva, pode não ser a prática certa para si.
- Consistência é chave: Para obter os potenciais benefícios a longo prazo, tente incorporar o banho frio na sua rotina regularmente, mesmo que seja por um curto período de tempo.
Caminho do Meio e moderação
No contexto da prática budista, o Caminho do Meio (majjhimā paṭipadā) é um principio fundamental. Se optar por incorporar o banho frio na sua prática, é essencial fazê-lo de forma equilibrada.
É também importante evitar que a prática se torne mais um objeto de apego, onde o foco passa a ser a busca incessante pelos supostos benefícios ou a identificação com a capacidade de suportar temperaturas extremas. No objetivo deve permanecer o desenvolvimento mental e espiritual, não a conquista física ou o fortalecimento do ego. Ou, até mesmo o cultivo simplesmente sem qualquer objetivo.
Existe uma distinção crucial entre a prática ascética e a prática consciente do banho frio. As práticas ascéticas extremas, como as que o Buda abandonou, são caracterizadas pela auto-mortificação e pelo sofrimento infligido com a crença de alcançar algum estado elevado através da dor. Uma prática consciente do banho frio, por outro lado, envolve a aceitação voluntária de um desconforto temporário com o objetivo de desenvolver qualidades mentais como a paciência, a equanimidade e a atenção plena. A chave reside na intenção e na forma como a experiência é abordada.
A importância de um banho quente também não deve ser desvalorizada. O conforto e o relaxamento proporcionados por um banho quente têm os seus próprios benefícios e podem complementar a prática do banho frio. O equilíbrio e a moderação são essenciais em todas as áreas da vida.
Conclusão
Embora a prática do banho frio não seja uma prática budista tradicional, ela pode ser utilizada como um suporte para o desenvolvimento mental e espiritual dentro de uma perspetiva budista, se o praticante assim o desejar. A experiência do desconforto físico oferece inúmeras oportunidades para o trabalho com a aversão, a observação das formações mentais, o desenvolvimento de qualidades como a paciência e a determinação, e o cultivo da atenção plena e da equanimidade. Mas é crucial enfatizar que o banho frio não deve substituir práticas fundamentais do budismo, como a meditação formal, o estudo dos ensinamentos e a observância dos preceitos éticos. Ela pode, no entanto, ser um complemento valioso para aprofundar a compreensão e a experiência dos princípios budistas no contexto da vida quotidiana.
É também de suma importância adaptar a prática às condições individuais de saúde e consultar um profissional médico antes de iniciar este tipo de prática, especialmente para aqueles com condições médicas preexistentes. A prática deve ser feita com moderação, seguindo o princípio do Caminho do Meio, evitando os extremos e prestando atenção aos sinais do corpo.
O foco principal deve estar no desenvolvimento mental e espiritual, utilizando a experiência do banho frio como uma ferramenta para o autoconhecimento e a transformação interior, e não apenas no desafio físico ou na busca por benefícios de saúde. Ao abordar o banho frio com intenção clara, atenção plena e moderação, os praticantes podem descobrir um novo caminho para aprofundar a sua prática budista e cultivar uma maior resiliência e equilíbrio mental.
Referências: O Zen e o Banho Natural (Sangha Margha), Cullavagga V (wiswo), Vatta Khandhaka (Access to Insight), “MISOGI”, the first step to going back to your true Self (Nara Yamato Spirit Tours), Misogi (Wikipedia), Tummo (Wikipedia), Neurocognitive and Somatic Components of Temperature Increases during g-Tummo Meditation: Legend and Reality (PMC), Cold for centuries: a brief history of cryotherapies to improve health, injury and post-exercise recovery (PMC), Back To Our Roots: The History of Ice Baths & Cold Water Bathing (Ice Barrel), Cure or killer? The rewards – and very real risks – of the cold water plunge (The Guardian), The Truth About Ice Baths: Can They Really Improve Your Health? (Hackensack Meridian Health), Do ice baths have benefits? What the science shows (Today), Are cold showers good for you? What the science says (CNN), The science behind ice baths for recovery (Mayo Clinic), Benefits and Risks of Ice Baths (Cold Water Therapy) (Health).
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