“Enquanto encoraja o progresso material, o Buddhismo sempre enfatiza o desenvolvimento do caráter moral e espiritual para uma sociedade feliz, pacífica e contente.” – Ven. K. Sri Dhammananda
Como conciliar ambições profissionais e desapego material?
Monja Coen responde
Transcrição:
Pergunta: “Gostaria de saber como conciliamos os ensinamentos do Dharma relacionados ao desapego, principalmente material, e a busca por nossos objectivos de sucesso em vida, principalmente profissional, sendo que estes objectivos em sua maioria trazem consigo riqueza material”.
Resposta de Monja Coen:
Nós confundimos às vezes o que é desapego com ter sucesso, querer coisas boas na vida. O facto de que queremos ter uma casa própria, um carro, trocar de carro, ter uma boa prancha, ter uma roupinha gostosa de vestir – isso não quer dizer que você esteja apegado a isso não é? Você pode ter ou não ter, e o facto de querer ter sucesso, que as coisas que você faça possam beneficiar o maior número de seres, isso não é exatamente apego.
O apego é aquela pessoa que como eu falei, passa uma cola na mão e gruda uma coisa e não descola de jeito nenhum. Se eu perder isso eu mato ou morro por isso, eu sofro muito. O sofrimento é extra, nós podemos fazer todo um trabalho de… sei lá… numa empresa, num projecto seu você se desenvolver, você estudar, você ir crescendo, e de repente por inúmeras causas e condições, não só pessoais suas mas de momentos históricos, você pode perder, perder tudo, e daí você fala, puxa que triste, que pena, mas por onde eu recomeço; e não por onde eu me mato ou por onde eu vou matar alguém. Percebe? Essa é a diferença.
O desapego é quando você tem as coisas, elas passam por você, você passa por elas, com uma certa leveza… se eu tiver esta bem se eu não tiver esta bem também. Eu vou fazer o melhor para tê-los, não é de qualquer jeito, eu vou fazer o meu melhor sempre. Se tiver sucesso, se eu puder ganhar as coisas, tiver uma boa casa, um bom carro, um bom relacionamento… que bom! E se por acaso isso não vier eu não vou desistir de procurar por tê-lo, mas também não vou me lastimar se perdê-lo, me lastimo só um pouquinho, e logo me coloco em posição de obter de novo.
Uma senhora uma vez me perguntou: “Puxa monja, eu queria tanto ter uma casa própria, então não posso ser budista?” Eu falei não, não tem nada haver com isso, o desapego não significa que você não tenha coisa alguma. Você pode ter… roupa de marca, óculos de marca, câmaras que sejam boas… mas ao mesmo tempo você não está aprisionado pelas coisas materiais, nem mesmo emocionais e muito menos espirituais. Porque apego também é aquilo que eu me apego à minha ideia, da minha crença, do meu conceito, da minha maneira de ser – e me limito, e não tenho capacidade de compreender mais nada ou mais ninguém.
Então, o desapego significa estar aberto à realidade à qual você está vivendo.
O papel da riqueza no Budismo
“Enquanto encoraja o progresso material, o Buddhismo sempre enfatiza o desenvolvimento do caráter moral e espiritual para uma sociedade feliz, pacífica e contente.
Muitas pessoas pensam que, para ser um bom buddhista, o indivíduo não pode ter nada a ver com a vida material. Isso não está correto. O que o Buddha ensina é que, embora possamos usufruir de conforto material sem ir aos extremos, também devemos desenvolver, de modo dedicado, o conforto espiritual sem partir para extremos. Precisamos também desenvolver os aspectos espirituais de nossas vidas conscientemente. Embora possamos apreciar prazeres sensoriais como homens leigos, nunca devemos permanecer indevidamente ligados a eles a ponto de dificultarem nosso progresso espiritual.” – Ven. K. Sri Dhammananda
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“Embora o Buddhismo seja caracterizado como uma religião ascética, na verdade o ascetismo foi vivenciado pelo Buddha e rejeitado por ele antes de alcançar a iluminação. Do ponto de vista do Buddhismo, o significado da palavra “ascetismo” é ambíguo e não deveria ser usado sem qualificação.
O termo “pobreza” também é capcioso. Os conceitos buddhistas conhecidos estão mais para contentamento (santutthi) ou desejos limitados (appicchata). Pobreza (dadiddiya) não é elogiada ou encorajada no Buddhismo. Como o Buddha disse: “Para chefes de família neste mundo, pobreza é sofrimento” [A.III.350]; “Pobreza e dívida são lamentáveis no mundo” [A.III.352].
Na verdade, a posse de riquezas por certas pessoas é frequentemente elogiada e incentivada no Cânone Pāli, indicando que a riqueza é algo a ser procurado. Dentre os discípulos laicos do Buddha, os mais conhecidos, os mais úteis e os mais frequentemente elogiados eram, em grande parte, pessoas ricas, como Anathapindika.” [Leia o texto completo no Centro Nalanda: O Papel da Riqueza no Buddhismo, por Ven. Ajahn Payutto]
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