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Palavras e conceitos nipónicos relacionados (ou não) com o Budismo Zen

Várias palavras do país do sol nascente incorporam o espírito Zen. Algumas estão profundamente relacionadas com o budismo, outras a sua relação não é tão forte. Neste artigo vamos conhecer algumas dessas palavras.

Komorebi

Komorebi é o tipo de efeito de luz disperso e salpicado que ocorre quando o sol brilha através de árvores, é o contraste entre a luz do sol e a sombra, e a maneira como os dois dançam. A palavra é frequentemente usada em haikus. Esta é uma das palavras japonesas que não dá para simplesmente traduzir por outra, pois não existe uma equivalente no dicionário.

Ma | espaço, lacuna, intervalo

Ma é o espaço vazio entre elementos de uma arte. Esse espaço, é tão importante quanto os elementos. Ma carrega também o significado de “intervalo entre dois elementos”*; e um intervalo é, invariavelmente, o resultado da interação entre duas manifestações, é a relação entre o que entendemos por “espaço” e “não-espaço”. A existência de Ma numa obra de arte foi interpretado como “um vazio cheio de possibilidades, como uma promessa ainda a ser cumprida”, e foi descrito como “o silêncio entre as notas que fazem a música”. Segundo o website Budismo Hoje*, uma das suas origens remete ao Budismo e à estética da impermanência, interdependência, incompletude e circulariedade. Minami Hiroshi (Minami 1983 in OKANO 2012), salienta que o facto de se apreciar o elemento residual na arte, isto é, o vestígio que se situa no limiar entre a forma e não-forma, ou entre o som e o silêncio, vem do Budismo.

Mu | não, nada, sem

Mu é uma palavra importante no Budismo Zen. Ela aparece por exemplo num dos koans mais conhecidos e mais curtos: «Um monge perguntou a Joshu: “um cão possui a natureza de Buda?” Joshu respondeu: “Mu!”»

Mu remete para fora do processo de discriminação dualista, isto é, remete para a não-dualidade. O mestre Zen Yasutani Hakuun-rōshi, sobre Mu e o koan apresentado acima, diz: “Que todos vocês se tornem numa massa de dúvidas e questionamentos. Concentre-se e penetre completamente em Mu. Penetrar em Mu significa alcançar a unidade absoluta com ele. Como você pode alcançar essa unidade? Agarrando-se a Mu tenazmente dia e noite! Não se separe dele em hipótese alguma! Concentre a sua mente nisso constantemente… Por outras palavras, você não deve pensar em Mu como um problema envolvendo a existência ou não da natureza búdica. Então o que você faz? Você para de especular e se concentra totalmente em Mu – apenas Mu! No começo você não será capaz de se entregar totalmente a Mu. Ele escapará de você rapidamente porque a sua mente começará a divagar. Você terá que se concentrar mais – apenas ‘Mu! Mu! Mu!’ Mais uma vez ele vai iludir você. Mais uma vez você tenta se concentrar nele e novamente você falha. Este é o padrão usual nos estágios iniciais da prática… Unidade absoluta com Mu, absorção irrefletida em Mu – isso é maturidade. Ao atingir este estágio de pureza, tanto o interior quanto o exterior se fundem naturalmente… Quando você se absorve totalmente em Mu, o externo e o interno se funde numa única unidade.”

Mu também é um prefixo de negação como no mushotoku (não proveito), mukodoku (não-mérito), mushin (não-mente), mushi (nada de especial), musho (nem nascimento, nem morte), muga (não-ego, não substancialidade do ego).

Para saber mais sobre a palavra Mu, leia os seguintes ensaios: Comentário sobre o koan Mu, de Yasutani Hakunn e Mu and Its Implications, de David Loy.

Ku | vazio, vacuidade, shunyata

Ku é a vacuidade, em sânscrito chama-se de shunyata. Significa que as coisas são interdependentes, não existem por si só, são vazias de um eu independente. O glossário* do Dojo Zen de Lisboa diz que o vazio, a vacuidade, é um “conceito central do budismo segundo o qual tudo o que existe é privado de substância durável e autónoma e não é nada senão aparência. Ku não significa ‘nada’ a opor a ‘alguma coisa’. Ku inclui todos os fenómenos. É a fonte pura, a essência.”

Kokoro | coração, mente, espírito

Kokoro é uma palavra japonesa comum que carrega significados transmitidos pelas palavras portuguesas “mente” e “coração”. É usado como um equivalente da palavra chinesa xin e abrange quase a mesma gama de significados. O ideograma chinês para xin retrata a forma do coração – o órgão real do corpo humano. Como os antigos chineses pensavam que o coração era onde a função psicológica ocorria, o caracter transmitia uma série de significados, incluindo o órgão do coração, coração no geral, mente, sentimento, intenção, centro e núcleo.

A palavra Kokoro comunica noções semelhantes. Um dicionário de palavras clássicas japonesas indica que: “Originalmente, kokoro se referia à batida do coração, que era considerado o órgão essencial da vida e a fonte de todas as atividades. Por extensão, kokoro refere-se a todas as atividades humanas que afetam o mundo exterior através da intenção, emoção e intelecto.” Kokoro, então, tem três significados básicos: o coração e as suas funções; mente e as suas funções; e centro ou essência.

O xin chinês tem uma importante história espiritual e filosófica, uma vez que foi usado em traduções chinesas de escrituras budistas para termos sânscritos como: citta, manas e vijnana. Na visão budista Sarvastivadin, esses três termos eram considerados nomes diferentes para a mente. Na escola budista Yogacara, no entanto, citta refere-se à alaya, ou depósito de consciência, enquanto que manas refere-se à sétima consciência e vijnana refere-se à função das primeiras seis consciências. Esses três termos podem ser traduzidos como mente. Outra palavra sânscrita, hrdaya, que significa coração, centro ou essência, também é processada como xin.

O Prajna Paramita Hrdaya Sutra é um dos sutras budistas Mahayana mais populares. Em japonês é chamado de Maka Hannya Haramita Shin Gyo. O shin no título é outra interpretação do caractere chinês xin, que obviamente carrega o mesmo significado duplo e também o significado aproximadamente semelhante ao Kokoro.

Kokoro, em última análise, refere-se a toda a rede de origem interdependente na qual nascemos, vivemos e morremos, e para a qual despertamos por meio da nossa prática.

Esta definição de Kokoro é dada pelo Shohaku Okumura, um sacerdote Soto Zen. Para mais detalhes consulte o seguinte artigo no Lion’s Roar: What is Kokoro?

Mushin | não-mente

Mu, como já vimos pode ser traduzido como nada e serve como negação, e shin é kokoro. No contexto Zen, Mushin é considerado como o estado mental mais elevado, onde se está livre de todos os pensamentos e distrações e é alcançada a concentração suprema. Mushin é alcançado quando a mente de uma pessoa está livre de pensamentos de raiva, medo ou ego. Há uma ausência de pensamento e julgamento discursivo, de modo que a pessoa é totalmente livre para agir e reagir sem hesitação e sem perturbação de tais pensamentos. Muitos artistas marciais treinam para atingirem esse estado. O filme O Último Samurai (The Last Samurai) tem uma cena que transmite a natureza da não-mente.

O Monge Genhsô explica a doutrina da não-mente neste vídeo do Youtube.

Shoshin | Mente de principiante

Termo que existe no budismo zen e que significa “mente de principiante”. Refere-se a ter uma atitude de pureza e abertura, ausência de preconceitos ao estudar um assunto, mesmo num nível avançado, como faria um iniciante, ainda que possa ser uma atitude que não se manifeste no nível iniciante. Ela se contrapõe à atitude arrogante, intelectualista, à atitude de alguém que se acha superior. Shunryu Suzuki no livro “Mente Zen, Mente de Principiante“, afirmou: “Na mente do principiante há muitas possibilidades, mas poucas são as que existem na do perito.”

Mono-no aware

Mono-no-aware é a empatia ou a sensibilidade para com as coisas efémeras, é um termo japonês sobre a consciência do conceito budista anicca, ou impermanência.

Segundo a Japan House de São Paulo, Mono no Aware “pode ser interpretado como uma sensação, um sentimento de empatia por coisas e seres vivos quando reconhecemos a sua efemeridade, ou seja, a consciência de que tudo que existe é temporário. A fugacidade da juventude, o desbotamento do romance e a mudança das estações do ano não devem ser lamentados, mas apreciados por sua impermanência, pois é daí que vem a sua beleza. Acompanhado de nostalgia, esse sentimento pode ser exemplificado por fatos como: observar a delicadeza do florescer das cerejeiras (sakura) e como elas caem rapidamente; notar as mudanças das fases da lua; perceber o passar das estações; e, até mesmo, vivenciar a falta de pessoas queridas. Todos esses acontecimentos são pautados pela passagem do tempo e podem ser sentidos quando sua transitoriedade é compreendida, ou seja, a partir do momento em que prestamos atenção na transformação e na impermanência de tudo que nos cerca.”*

“A flor é maravilhosa porque floresce e extraordinária porque cai”
Zeami Motokiyo

Kodawari

Esta é mais uma palavra que não tem tradução exata. Kodawari é um termo para explicar a apreciação e atenção aos detalhes. Fazer o melhor possível, com esforço, dedicação, mestria, compromisso, entusiamo, empenho, insistência, mas de forma leve e suave, sem preocupação de atingir alguma coisa. Numa cultura que identifica a beleza na efemeridade e transitoriedade das coisas e que dá valor aos encontros únicos que podem nunca mais se repetir (ichigo ichie), as experiências, mesmo que sutis precisam de ser as melhores possíveis. Kodawari pode ser aplicado a tudo, um dos melhores exemplos é a Cerimónia do Chá. Para saber mais sobre esta cerimónia consulte o artigo publicado no Olhar Budista: A Cerimónia do Chá e o Zen-Budismo.

Ichigo ichie | uma vez, um encontro

Ichigo ichie é transformar cada instante num momento precioso, é valorizar cada momento, pois esse momento exato nunca mais se irá repetir. Essa expressão apareceu pela primeira vez na cerimónia do chá. “Porque a vida é cheia de incertezas, é preciso gravar no coração os acontecimentos do dia como se não houvesse amanhã. A cerimônia do chá de hoje é uma experiência única na vida, e o anfitrião, juntamente com os seus convidados, devem abordar o encontro com total sinceridade”, afirmou Sen no Rikyu.

Omotenashi | hospitalidade

A palavra japonesa Omotenashi geralmente é traduzida como hospitalidade, mas é mais do que isso. É o desejo altruísta de cuidar dos outros, é tratar os outros como gostaria de ser tratado, é tratar o outro bem, é colocarmo-nos no lugar do outro e compreende-lo, é ver a positividade no outro, e também é superar expectativas e antecipar as necessidades da outra pessoa. É um sentimento que envolve humildade, honestidade, amizade, compaixão, empatia, gentileza e educação. Você pode saber mais neste artigo do Olhar Budista: Omotenashi: a hospitalidade na Cerimónia do Chá e no quotidiano.

Itadakimasu | receber

Itadakimasu é uma expressão que significa literalmente “receber”, receber humildemente uma refeição. É usada para mostrar gratidão pelo alimento e por tudo o que está envolvido para que se possa comer a refeição. Muitos dos Japoneses antes de começarem a comer uma refeição, seja de qual tipo for, dizem verbalmente ou em pensamento “Itadakimasu”. Quando é dita de maneira mais formal também baixam a cabeça e juntam as mãos em prece. A origem da expressão remonta aos ensinamentos budistas.

Gochisousama Deshita | obrigado por esta refeição

O significado de Gochisousama Deshita é parecido ao de Itadakimasu, mas neste caso é usado após o término da refeição. Ela pode ser traduzida como “obrigado por esta refeição” ou “obrigado por esta deliciosa refeição”. “Deshita” é acrescentado a “Gochisousama” em ocasiões mais formais.

Teinei | polidez

Teinei é a polidez, é uma atitude cortês, em que cada gesto é realizado com dedicação e precisão. Teinei vai além do significado da palavra polidez usada na tradução. Ela também se aplica ao tratamento cuidadoso e gentil para com um objeto, o que incluí por exemplo embrulhar cuidadosamente e de forma bela um presente de aniversário.

Teinei também pode ser sinónimo de respeito. Colocar as outras pessoas em primeiro lugar, dar a elas a maior fatia do bolo ou o melhor lugar no restaurante. A casa tradicional japonesa tem até um assento dedicado aos convidados, ele fica em frente ao tokonoma*, de forma a que o convidado seja enquadrado num fundo de beleza da arte japonesa.

*Tokonoma é um espaço embutido na parede de uma sala onde são dispostas algumas obras de arte.

Shoganai | não há o que fazer

Shoganai é mais uma das palavras com um sentido filosófico e que tem haver com a impermanência de todas as coisas. É impossível termos controlo sobre tudo, e quando algo dá errado é preciso seguir em frente. Shoganai é um lembrete de que às vezes temos que aceitar as coisas como elas são, nos permitindo deixar para trás sentimentos negativos.

Wabi-sabi

Wabi-sabi representa uma abrangente visão de mundo centrada na aceitação da transitoriedade e imperfeição. Esta conceito muitas vezes é descrito como uma apreciação da beleza que é “imperfeita, impermanente e incompleta” por natureza. Ele é predominante em todas as formas de arte japonesa. O conceito deriva dos ensinamentos budistas das três marcas da existência, nomeadamente anicca (impermanência), dukkha (sofrimento) e anatta (não-eu).

Ikigai | razão de viver, razão de ser, propósito

Ikigai é uma das expressões japonesas que mais se popularizou no Ocidente, tendo sido escrito inúmeros livros sobre o tema, muitos desses livros são relacionados com o bem-estar e a autoajuda. Ikigai é o que faz a pessoa se levantar da cama todas as manhãs. É a motivação para viver. É um estilo de vida que traga Harmonia, Longevidade e Satisfação Plena nas diferentes áreas da vida. De acordo com os japoneses, todos têm um Ikigai. Descobrir o Ikikai requer uma profunda e, muitas vezes, extensa busca de si mesmo. Porém, essa busca é extremamente importante porque, somente a partir dela, é possível trazer satisfação e significado para a vida.

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