Budismo Geral Ensinamentos Trechos Vajrayana (Tibetano)

A renúncia no budismo

“Em nossa vida, precisamos definir valores. O que realmente importa para nós, nesta vida? Se não nos fazemos essas perguntas, ficamos apenas dando voltas, tentando apenas nos manter confortáveis.”Jetsunma Tenzin Palmo

Trechos do livro “No Coração da Vida: sabedoria e compaixão para o cotidiano” de Jetsunma Tenzin Palmo. Editora Lúcida Letra.

Renúncia, em tibetano, é nge jung. Nge jung exprime o sentido de deixar um lugar, definitivamente. Significa sair. Em tibetano, “renúncia” não tem a mesma conotação que no inglês, em que pode haver dor envolvida. Em inglês, por exemplo, se diz: ele renunciou à pátria, ele renunciou à riqueza, ele renunciou ao patrocínio. Há sempre um sentimento de desistência, mas com um tom de arrancar pela raiz. Em outras palavras, “renúncia” dá a sensação de virar as costas com pesar a algo que é desejável. Por isso, nos círculos budistas, quando alguém diz: “Você tem que renunciar a alguma coisa”, todo mundo faz uma cara estranha e diz: “Ui!”

O sentido tibetano de “renúncia” é um pouco diferente. Por exemplo, se você tivesse que dizer a seus filhos que eles têm que deixar de brincar com seus brinquedos, eles achariam muito doloroso. Todavia, à medida que as crianças crescem, elas perdem o fascínio por tais brinquedos. Ficam crescidas demais para eles. Deixar os brinquedos para trás não parece “renúncia” — é simplesmente uma questão de crescer. Da mesma forma, na primavera e no verão, quando as árvores estão cheias de folhas, há resistência se tentamos arrancar uma folha de um galho. Porém, quando chega o outono, as folhas caem das árvores sozinhas, de forma espontânea. A renúncia está estreitamente alinhada com esse sentido de se separar. Por fora, pode parecer que se está abrindo mão de algo e pode até mesmo haver dor, mas por dentro, o interesse por essas coisas foi ultrapassado. As coisas esvaem-se naturalmente.

Nos anos 1960 e 1970, alguns ocidentais foram para a Índia, em busca de “verdades espirituais”. E, nessa jornada, havia aqueles que provinham de famílias abastadas e com muitos recursos. Precisaram deixar muita coisa para trás. Passaram a dormir em hotéis sujos, comer alimentos intragáveis e tudo isso com alegria, porque estavam recebendo muito mais em troca. Eles não tinham a impressão de estarem desistindo de algo valioso. […]

Em nossa vida, precisamos definir valores. O que realmente importa para nós, nesta vida? Se não nos fazemos essas perguntas, ficamos apenas dando voltas, tentando apenas nos manter confortáveis. Para termos uma direção definida, precisamos definir um propósito para nós mesmos. Precisamos nos perguntar: o que seria uma vida bem vivida? Uma vez que tenhamos definido o nosso propósito, temos que descobrir quais coisas nos conduzem adiante nesse caminho e quais coisas são apenas distrações.

Quando você quer viajar com pouca coisa, apenas com uma mochila nas costas, é preciso classificar todas as suas coisas. Você precisa decidir o que é essencial e o que não é essencial. Você tem que fazer escolhas claras. E assim é com toda a desordem e com todo o lixo que fica na mente. […]

Quando me tornei budista, eu vivia em Londres, no início da década de 1960. Não conhecia nenhum outro budista. Li um texto que dizia que tínhamos de renunciar ao mundo e pensei: “Certo.” Eu tinha 18 anos de idade. Prontamente, empacotei todas as minhas roupas, entreguei à minha mãe e disse: “Dê isso para alguém.”

Como eu não sabia qual era o aspecto de renunciantes budistas, fiz um vestido que tinha um buraco para a minha cabeça e dois buracos para os meus braços, com uma faixa na cintura. Era meio parecido com uma túnica grega. Eu usava sapatos baixos, cabelos puxados para trás e nenhuma maquiagem. Dessa forma, andei por aí durante vários meses. Finalmente, descobri que havia uma sociedade budista em Londres, e minha mãe e eu fomos visitar. A sociedade budista de Londres estava cheia de senhoras de classe média de meia-idade e nenhuma delas usava túnica grega. Usavam salto alto e maquiagem! Como presumi que fossem mais experientes do que eu, concluí que talvez tivesse cometido um pequeno erro em algum momento! […]

Desorganizado, em total confusão, o jardim da nossa mente contém algumas plantas muito preciosas, mas em grande parte está abarrotado de lixo. E assim temos três opções: podemos viver no lixão e deixarmos por isso mesmo. Ou podemos dizer “Ahá! Depósito de lixo” e começar a retirar o lixo, um por um, olhando para cada peça e pensando “Ah, que interessante!” Mas é claro que isso demora muito, e, de fato, uma vez que a quantidade de lixo que temos acumulado é infinita, levará um tempo infinito para jogarmos tudo fora, especialmente se mais lixo continuar chegando! Nossa terceira opção é reconhecer o nosso lixo como folhas mortas, como adubo, e dessa forma alimentar as plantas preciosas.

Veja também:

Deixe um comentário