Artes Zen/Chan

A caligrafia budista na China antiga

“O Dharma da caligrafia é como o Dharma de Buda. Começa com a disciplina; Melhora com meditação e sabedoria; É realizado a partir do Coração; Torna-se maravilhoso através da compreensão. Se atingiu o cume da perfeição, também é inexprimível.”Kuang Youwei

Tradução do artigo “Buddhist Calligraphy in Ancient China” de Chunyang Zhou. Publicado na Tibetan Buddhist Encyclopedia | Ver original.

Parece não haver nenhuma civilização antiga que colocou a Caligrafia numa posição tão notável como a chinesa. E parece não haver nenhuma outra religião que tenha tido efeitos tão profundos na velha cultura chinesa como o budismo. Não surpreendentemente, a Caligrafia Budista mostra o esplendor das artes chinesas. Por outro lado, a caligrafia tornou-se um método muito eficaz de prática budista. Tem sido amplamente amada pelos budistas durante toda a longa história do budismo chinês até aos dias de hoje. Aqui, devemos deslindar a diferença entre os dois fenómenos – “Caligrafia Budista” e “Caligrafia dos Budistas “. O primeiro refere-se à arte de letras que desenha temas da literatura budista. Os artistas envolvidos nesta arte incluem não apenas budistas, mas também intelectuais seculares. O último não apresenta necessariamente palavras do budismo. Os budistas também criaram obras caligráficas em textos seculares. Na apresentação de hoje, apenas a “Caligrafia Budista” se enquadra no escopo da minha palestra.

1. Relação entre o budismo e a caligrafia

O trabalho de escrita já era incentivado no budismo indiano. Não apenas os monges e as monjas, mas também os budistas leigos eram instados a escreverem à mão cópias das escrituras budistas. Esses feitos eram vistos como cheios de grande acumulação de méritos. Mas, por outro lado, diz-se que o Buda proibiu a busca excessiva de habilidades de escrita e a definiu como transgressão. Foi incluída por exemplo, no Saṃyuktāgama e Yogācārabhūmiśāstra, em Śilpasthānavidyā (Conhecimento das Habilidades Práticas/Ocupacionais), muitas vezes usufruído por não-budistas. No geral, a caligrafia [nesse época] era tratada nos ensinamentos budistas indianos apenas como uma técnica mecânica ou de conveniência, como o cálculo e a adivinhação.

A posição da caligrafia foi muito elevada no budismo chinês. Embora o papel da caligrafia tenha sido disputado entre budistas e intelectuais não-budistas, o budismo contribuiu tremendamente para a caligrafia chinesa. Quase metade das famosas obras caligráficas da China antiga são baseadas em temas budistas ou criadas por budistas. A espiritualidade budista tornou-se uma das influências mais importantes na caligrafia chinesa. Particularmente, a Escola Zen está intimamente relacionada com a arte chinesa. O Zen Budismo enfatiza o intuitivo e preceptivo acima do empírico e lógico. Esse espírito é exatamente o que a arte caligráfica chinesa precisava. A “Caligrafia do Zen” e o “Zen da Caligrafia” são elementos importantes nas teorias caligráficas.

2. Formas de caligrafia budista

A Caligrafia Budista foi rica em conteúdo e diversificada na forma. As antigas obras caligráficas budistas chinesas dentro da categoria de Material de Escrita podem ser classificadas como Manuscritos, Inscrições e Gravuras. Dentro da categoria de Autor podem ser classificadas como Caligrafia de Budistas e Caligrafia de Artistas Seculares. Dentro da categoria do Motivo da Composição podem ser classificadas como Caligrafia Funcional que ocorreu em processos de trabalho para fins práticos, e Caligrafia Criativa em que os artistas conscientemente criavam obras estéticas. Dentro da categoria de Tipo de Estilo os trabalhos podem ser classificados como script Kai (楷書), script Xing (行書), script Cao (草書), etc.

3. Caligrafia em manuscritos

Os antigos mestres budistas chineses deixaram-nos uma rica herança de manuscritos. Esses manuscritos têm não apenas alto valor histórico, mas também alto valor artístico. Muitos deles foram criados com o objetivo de copiar as escrituras budistas. Antes da invenção da técnica de impressão, todas as escrituras budistas eram copiadas à mão. Os trabalhos de copia tipicamente envolvem título, corpo principal e Postscript. Era adicionado espaço entre os parágrafos. A maioria desses manuscritos têm linhas de separação que ajudam a tornar o espaçamento uniforme. Os espaços entre os caracteres da mesma linha são geralmente diferentes.

As obras das dinastias do Norte são especialmente harmónicas no estilo de letra. O seu estilo é fortemente influenciado por Lishu (隶書) que prosperou na dinastia Han . Os caracteres são quadrados ou oblongos transversais. Várias técnicas de escrita como Lüe, Ge e Zhe, foram usadas nesses manuscritos. Eles dão a uma pessoa um sentimento vívido e ativo. No entanto, a sua caligrafia era conservadora e solene. Comparados com as obras caligráficas seculares contemporâneas, os manuscritos budistas parecem ser simples, pouco sofisticados e elegantes. A parte mais característica é a escrita das linhas transversais (Heng). Os calígrafos faziam os traços aumentarem gradualmente de peso. No final das linhas transversais, eles recuavam as pontas dos pincéis de tinta enfaticamente para que o ponto focal visual permanecesse ali. Características como essas fizeram com que surgisse a categoria “Estilo de Escrita de Sutra” (Xiejing Ti 寫 經體).

4. Caligrafia em inscrições

Além dos manuscritos, as inscrições tornaram-se outro dos veículos principais da caligrafia budista. Nas dinastias do Norte, a arte nas grutas cresceu em grande quantidade na China. O entusiasmo persistiu até à dinastia Tang. As famosas grutas/templos budistas, como as grutas Yungang (雲岡), Longmen (龍門) e Dunhuang (敦煌), foram construídas principalmente durante esse período. As inscrições formavam um elemento indispensável dessas grutas. Muitas dessas inscrições foram vistas como obras modelo por calígrafos posteriores. Exemplos destacados são os trabalhos de “Longmen Ershipin” (龍門二十品). Eles têm um estilo simples, selvagem, robusto e sublime. O seu script é chamado de Weibei (魏碑). Além das inscrições em grutas, houve muitas inscrições em templos, montanhas e stupas. Por exemplo, a inscrição do Sutra do Diamante na Montanha Tai, com o seu estilo vigoroso e robusto, pode ser classificada como uma obra prima em qualquer dos tempos.

5. Caligrafia e prática budista

A caligrafia era o hobby e a habilidade de muitos monges budistas famosos. Parece que as atividades artísticas e a prática budista tendem a se combinar. Foi dito que o famoso calígrafo budista Huaisu “não falava sobre Sutra, não falava sobre Dhyana; ele era cheio de vitalidade apenas quando estava criando caligrafia de Script Cursivo [cǎoshū]”. Huang Tingjian, o calígrafo da dinastia Song, tentou explicar a arte com a teoria Zen: “Há traços nos caracteres assim como há ‘olhos’ nas frases dos mestres zen. Apenas aqueles que têm os ‘olhos’ podem compreender.” Kuang Youwei, um calígrafo da dinastia Qing, também disse: “Eu diria: O Dharma da caligrafia é como o Dharma de Buda. Começa com a disciplina; Melhora com meditação e sabedoria; É realizado a partir do Coração; Torna-se maravilhoso através da compreensão. Se atingiu o cume da perfeição, também é inexprimível.” No entanto, as opiniões divergem entre os budistas e intelectuais chineses sobre como explicar a relação entre a caligrafia e a prática budista. Por exemplo, Hanyu desafiou a harmonia entre caligrafia e budismo. Na sua opinião, a caligrafia pertence à arte, e a arte deve exibir a vida terrena; Mas a vida terrena é vista como falsa no Budismo, portanto, será impossível criar caligrafia baseada na filosofia budista. Mas, de qualquer forma, tanto a história do budismo chinês sem a caligrafia, assim como a história da caligrafia chinesa sem o budismo, são impensáveis.

No artigo original em inglês pode consultar as notas de rodapé e as fontes.

Imagem de destaque: Manuscrito Chinês, Vimalakirti Sutra. Início do Século 12. Dinastia Song do Norte (960-1127). Exibido no Metropolitan Museum of Art. Créditos : CC0 1.0/Domínio Público. A fotografia original foi editada para melhorar a cor.

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