Budismo Geral Trechos

O Buda era pessimista?

“Buda não era um pessimista nem uma ave de mau agouro; ele era realista, ao passo que nossa tendência é sermos escapistas.”Dzongsar Khyentse Rinpoche

Sobre este assunto, seguem-se alguns trechos de ensinamentos de Dzongsar K. Rinpoche, S.N. Goenka, Ajahn Jayasaro e Monge Genshô.

Trecho do livro “O que faz você ser budista?”, de Dzongsar Khyentse Rinpoche.

Buda não era um pessimista nem uma ave de mau agouro; ele era realista, ao passo que nossa tendência é sermos escapistas. Quando afirmou que todas as coisas compostas são impermanentes, ele não teve a intenção de trazer uma má notícia; é um simples fato científico. Dependendo da perspectiva e da compreensão que se tenha desse fato, ele pode vir a ser uma via de acesso à inspiração, esperança, glória e sucesso. Por exemplo, na medida em que o aquecimento global e a pobreza são frutos de condições capitalistas insaciáveis, esses infortúnios podem ser revertidos, graças à natureza impermanente dos fenômenos compostos. Em vez de depender de poderes sobrenaturais, como a vontade de Deus, basta uma simples compreensão da natureza dos fenômenos compostos para reverter essas tendências negativas. Quando compreendemos os fenômenos, podemos manipulá-los e, assim, afetar suas causas e condições. É surpreendente o quanto um pequeno passo; como, por exemplo, apenas dizer não a sacos plásticos, pode fazer para adiar o aquecimento global.

O reconhecimento da instabilidade das causas e condições nos leva a compreender que temos o poder de transformar os obstáculos e tornar possível o impossível. Isso vale para todos os setores da vida. Se você não possui uma Ferrari, pode muito bem criar condições para vir a ter uma. Enquanto existirem Ferraris, há uma chance de você ser dono de uma delas. Do mesmo modo, se você quiser viver por mais tempo, pode optar por deixar de fumar e se exercitar mais. Existe esperança razoável. A falta de esperaça – assim como o seu oposto, a esperança cega – é resultado da crença na permanência.

Podemos mudar não só o mundo físico, mas também nosso mundo emocional, por exemplo, transformando a agitação em paz de espírito, ao abrir mão da ambição, ou transformando a baixa auto-estima em confiança, ao agir com bondade e benemerência. Se nos condicionarmos a ver o ponto de vista do outro, conseguiremos cultivar a paz em nossos lares, com os nossos vizinhos e com outros países.

Todos esses são exemplos de como podemos afetar os fenômenos compostos em um nível mundano. Sidarta também constatou que mesmo os níveis mais temidos de inferno e danação são impermanentes, visto que também são compostos. O inferno não existe como um estado permanente, em algum lugar embaixo da terra, onde os seres são condenados à tortura eterna. Ele é mais parecido com um pesadelo. Um sonho em que você é pisoteado por um elefante acontece por uma série de condições – em primeiro lugar, o sono; e, talvez, porque você tenha um histórico negativo com elefantes. Não importa a duração do pesadelo; durante aquele período, você vive no inferno. Depois, devido às causas e condições de um despertador, ou simplesmente porque seu sono chegou ao fim, você acorda. O sonho é um inferno transitório, semelhante ao nosso conceito do inferno “verdadeiro”.

Igualmente, se alguém tem ódio de uma outra pessoa e se envolve em atos de agressão ou vingança, isso em si é uma experiência de inferno. Ódio, manipulação política e vingança criam o inferno nesta Terra, por exemplo, quando um menino – mais baixo, mais magro e mais leve do que o rifle AK-47 que carrega – não tem oportunidade, sequer por um dia, de brincar e comemorar seu aniversário, porque está muito ocupado em ser soldado. Isso nada mais é do que o inferno. Temos esses tipos de infernos devido a causas e condições e, portanto, podemos também sair desses infernos, fazendo uso do amor e da compaixão como antídotos para a raiva e para o ódio, como Buda prescreveu.

O conceito de impermanência não prenuncia o Apocalipse ou Armagedon, tampouco é uma punição para os nossos pecados. Não é intrinsecamente negativo nem positivo; simplesmente, faz parte do processo de composição das coisas. De modo geral, apreciamos apenas metade do ciclo da impermanência. Podemos aceitar o nascimento, mas não a morte; aceitar o ganho, mas não a perda; o final dos exames, mas não o início. A verdadeira liberação vem da apreciação do ciclo como um todo, sem querer agarrar aquelas coisas que consideramos agradáveis. Ao recordar a mutabilidade e a impermanência das causas e condições, quer positivas quer negativas, podemos usá-las a nosso favor. A riqueza, a saúde, a paz e a fama são tão inconstantes quanto seus opostos. Com certeza, Sidarta não estava querendo favorecer o céu ou as experiências celestiais, pois também são impermanentes.

Poderíamos nos perguntar por que Sidarta disse que “todas as coisas compostas” são impermanentes. Por que não dizer apenas que “todas as coisas” são impermanentes? Seria correto dizer que todas as coisas são impermanentes, sem o qualificativo compostas. Entretanto, devemos usar todas as oportunidades para nos lembrar da primeira parte, da composição, para que possamos sustentar a lógica que está por trás da afirmação. “Composição” é um conceito muito simples, mas tem tantas camadas que, para compreendê-lo num nível mais profundo, precisamos dessa lembrança constante.

Nada do que existe ou funciona no mundo – nenhuma criação da imaginação ou do plano físico, nada daquilo que passa pela nossa mente, nem mesmo a própria mente – ficará como está para sempre. As coisas podem durar pelo tempo que durar a nossa experiência desta existência, ou mesmo até a próxima geração; pode ser, também, que elas se dissolvam antes do esperado. De um jeito ou de outro, porém, a mudança é inevitável. Não há nenhum grau de probabilidade ou de acaso presente. Se perder a esperança, lembre-se disso e você não terá mais motivo para se sentir assim, porque seja lá o que estiver provocando o seu desespero também vai mudar. Tudo terá de mudar. Não é inconcebível que a Austrália venha a ser parte da China, ou a Holanda parte da Turquia. Não é inconcebível que você venha a provocar a morte de um outro ser humano, ou que venha a ficar preso a uma cadeira de rodas. Pode ser que você se torne milionário ou o salvador de toda a humanidade; o ganhador do Prêmio Nobel da Paz ou um ser iluminado.


Trecho do ebook Era o Buda um pessimista?, de S.N. Goenka.

Um médico especialista vem examinar um doente. Ele explica ao doente: “Esta é a sua doença; esta é a causa da sua doença; e tome – eu tenho um remédio para a sua doença. O remédio removerá a causa da doença e, por conseguinte, curará a doença”. O doente toma o remédio e fica saudável. Agora, podemos dizer que este médico está fomentando a doença ou fomentando a saúde?

Exatamente da mesma maneira, o Buda explica às pessoas sofredoras o que é o seu sofrimento, qual a causa fundamental do seu sofrimento; então, ele oferece a solução para erradicar todo o sofrimento. Ele explica a todos claramente que, se praticarem a solução, sairão do seu sofrimento. As pessoas sofrem em decorrência das impurezas da mente. Quando seguem o conselho deste homem sábio, eles saem do sofrimento porque as impurezas da mente são removidas. É lógico dizer que o Buda está fomentando o sofrimento?


Trecho do livro “Por Fora e Por Dentro”, de Ajahn Jayasaro.

Será o Budismo uma religião pessimista?

Pessimismo, numa acepção mais comum, significa ‘uma tendência para ver o aspecto pior das coisas, ou acreditar que vai acontecer o pior; uma falta de esperança ou de confiança no futuro’, e sob uma perspectiva filosófica: ‘uma crença de que este mundo é tão mau como deveria de ser, ou de que o mal, em última instância, prevalecerá sobre o bem’.

Nenhum destes significados se aplica aos ensinamentos budistas. O Buda ensinou que tudo quanto surge desaparece de acordo com as causas e as condições. Se, numa determinada situação, prevalecerem as causas e as condições para que aconteça o pior, então o pior acontecerá; se prevalecem as causas e as condições para que aconteça o melhor resultado possível, então surgirá o melhor desfecho. Ele enfatizou que se deve aprender a ver tudo com clareza, em vez de se adoptarem atitudes unilaterais.

O Buda, ao compreender a natureza causal dos fenómenos, não postulou valores absolutos de bem e de mal, opondo-se entre si numa guerra sem fim. Por isso, há que descartar a ideia de ele ter ensinado o triunfo final de um dos lados da luta, coisa que, primeiro de tudo, ele não reconheceu existir. Os budistas defendem que, se uma chávena de chá tiver um sabor salgado, mesmo que seja o mais desagradável possível, não é uma evidência de um universo essencialmente maligno. É simplesmente o resultado de alguém que se enganou no recipiente, pegando no do sal, em vez do açúcar.


“A analise católica do Papa Ratzinger de que o budismo tem uma visão negativa da vida é completamente errada. Ao nosso ver visão negativa é acreditar que os seres serão passiveis de infernos eternos por exemplo. Isto sim seria negativo, porque para o budismo pelo contrário, todos os seres dado o tempo suficiente acabarão despertando, é uma questão de tempo, você pode conseguir isso nesta vida ou pode deixar para mais um milhão de vidas, a opção é sua (…) o budismo é extremamente esperançoso e cheio de possibilidades.”
Monge Genshô, no vídeo “O Budismo não é niilista”*

“[…] O Buda plantou esperança sem fim em nossos corações. À primeira vista o budismo ou a sua radical interpretação do zen parece árido, à primeira vista parece retirar apoios e bengalas, mas na verdade ele nos da esperança sem fim. Porque há impermanência, porque o karma é imutável, porque somos capazes de mudar nossas ações e assim capazes de produzir frutos diferentes, somos senhores do nosso futuro. Assim esse dedo do budismo aponta para a liberdade, sem medo de deuses, sem medo de demónios, sem medo de castigos infinitos, sem medo de destinos inelutáveis. O budismo aponta para a esperança acima de tudo.”
Monge Genshô, Podcast Gotas do Dharma, episódio 189 “O Budismo Aponta para a Esperança”*

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