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O que é o Nibbana ou Nirvana?

“A dificuldade com a palavra Nibbana é que o seu significado está para além das palavras. É, essencialmente, indefinível.”
– Ajahn Sumedho, Folhas da Árvore Bodhi

“Nibbana é a bênção superior, um estado supramundano de felicidade eterna. A felicidade do Nibbana não pode ser experienciada satisfazendo os sentidos, mas acalmando-os.”
– K. Sri Dhammananda, No Que Os Buddhistas Acreditam


O texto que se segue é a transcrição de uma palestra de Pemasiri Mahathera. Confira no final do post o vídeo original.

– O que é o Nibbana?

Para responder a essa pergunta, posso reportar-me ao período antes do Buddha?

– Sim, sim. Pode ser dois tipos de resposta: uma muito curta ‘é assim’ e a outra longa, com muitos significados.

Nibbana significa abrandar ou apagar [extinguir-se], como uma chama. Nibbana é como uma chama apagando-se: o apagar das corrupções.

A palavra “vaana” significa barragem. Bloqueia a água. Assim como tanha, anseio, estamos bloqueados. Nibbana significa que a barragem foi aberta e a água pode então fluir. Portanto a barragem não está fechada, está aberta.

O Nibbana do ensinamento do Buddha é bastante diferente dos ensinamentos e objetivos mais elevados de outras religiões. Mesmo 6.000 anos antes da iluminação do Buddha a palavra Nibbana era conhecida no mundo. Muitas pessoas assumiam e compreendiam o conceito de Nibbana de maneiras diferentes.

Alguns diziam Nibbana ser um outro plano de existência, ou outro mundo. Outros pensavam que era um lugar onde deuses e outros seres estavam num estado eterno. Brahma loka. Algo eternamente lá. Diferentes pessoas definiam Nibbana de várias formas. Isto é Nibbana ou aquilo é Nibbana.

O Buddha deu um ensinamento completamente diferente das ideias existentes acerca do Nibbana. Agora. Examinaremos o Nibbana ensinado pelo Buddha.

Nos Upanishads (texto Hindu), muita coisa é dita sobre Nibbana. Essas coisas estão bastante próximas do que o Buddha ensinou; a razão disso é que, muito do que se encontra lá nos Upanishads foi ensinado por Pacceka-Buddhas. Não existe uma descrição ou definição completa do Nibbana por esses mestres, porque eles não eram capazes de descrever coisas como um Buddha totalmente iluminado.

Aquilo que o Buddha está a falar não se trata de um tipo de mundo. Trata-se de algo possível de alcançar através desta vida presente. Não é preciso de falar de Nibbana como algo que esperamos alcançar numa vida futura.

Fenómenos saudáveis e nocivos

Em nós, existem fenómenos saudáveis, bem como fenómenos nocivos. Nós temos de saber aquilo que é salutar em nós, bem como também saber aquilo que é nocivo em nós.

Não é a remoção do que é nocivo em nós. Primeiro é mais importante conhecer isso. É só depois de conhecer-mos isso bem, de reconhecer-mos as qualidades nefastas em nós, que a remoção delas ocorrer subsequentemente. Até o benéfico se deve reconhecer primeiro, para poder remover o que é nocivo da mente.

Existe um fruto, um efeito do que é nefasto: o renascimento em estados miseráveis. Existe um fruto, um efeito do que é benéfico: o renascimento em estados felizes.

Portanto, ambos o benéfico e o nefasto resultam em renascimento. O renascimento não é uma coisa acontecendo numa vida futura: É uma coisa que por si está sendo criada e a acontecer no agora. Seja benéfico ou nefasto, criamos isso no agora.

Se a determinado momento, o que é nefasto já não se encontra na nossa corrente menta, então acabou-se com o renascimento nos estados miseráveis. No entanto, a outra parte, a parte benéfica, continua. O renascimento baseado em atos benéficos, continuará. Portanto, também temos que superar o renascimento baseado no que é benéfico.

Assim, a qualquer momento nas nossas mentes, se a capacidade para superar estes dois renascimentos – baseados no benéfico e no nefasto, se esse estado surge nas nossas mentes, nesse momento, teremos um vislumbre do Nibbana.

Assim, pode-se dizer que é diferente de outra religiões.

Livre do medo e da dúvida

As religiões surgem no mundo por causa de medo. Depois as filosofias surgem no mundo por causa de dúvida. Portanto, livres do medo e livres da dúvida.

Livre do medo e livre da dúvida, é o nível da mente que não se permite cair para um nível inferior, se conseguirmos manter esse estado mental, e não baseado em qualquer medo ou dúvida, esse é o estado da mente que consegue ver, que pode procurar por Nibbana.

Então, uma pessoa conhece o que é benéfico e nefasto. Os cinco obstáculos [Desejo sensual; Má vontade; Preguiça e torpor; Inquietação e ansiedade; Dúvida], pertencem ao lado nefasto, as cinco faculdades [confiança; energia; sati (atenção plena); concentração; sabedoria], são parte do lado benéfico.

Se a qualquer momento as energias ligadas aos cinco obstáculos se destruíram, […] nesse ponto as nossas mentes inclinam-se em direção ao Nibbana.

Dessarte, Nibbana não pertence à categoria da religião ou filosofia – se chama Dhamma.

– Natureza?

Sim sim. O ponto em que se entra na Natureza. Assim, de forma a ir-mos, a entrarmos aqui, temos o Nobre Caminho Óctuplo.

O caminho para o Nibbana

O Nobre Caminho Óctuplo condensado, é o que chamamos as cinco faculdades. As cinco faculdades são a confiança, energia, sati (atenção plena), concentração, e sabedoria. Ou mais sucintamente, são os três treinos: Sila (Virtude), Samadhi (Concentração), Panna (Sabedoria).

Com a virtude, a nossa distração reduz-se e surge um tipo de nitidez concentrada. É a mente tranquilizada ou concentrada que consegue ver a verdadeira natureza do mundo. Assim, nesta vida, é possível realizar Nibbana.

Nibbana não é algo que inventámos ou criamos nas nossas mentes. Através do nosso treino prático, removendo gradualmente ambos, kusala (benéfico) e akusala (nefasto), uma vez removidos, as nossas mentes abrem-se ao Nibbana.

No principio temos que usar o que é benéfico. Algumas vezes temos que usar um tipo de veneno para superar outro tipo de veneno. Assim dessarte, mesmo no início temos que usar as faculdades espirituais como a fé/confiança.

No Ratana Sutta, o Buddha fala da lamparina que se acende e a chama se apagar – não existe lado algum para onde a chama tenha ido. Sumiu simplesmente.

Será que entrou na atmosfera? Ou se foi com o vento? Ou será que se apagou porque o óleo na lamparina se esgotou? Ou o pavio se queimou?

Portanto, se o óleo é o nefasto, o pavio é o benéfico saudável. E a chama é o punabbhava – o renascimento. A determinado momento, ambos, o benéfico e o nefasto são superados.

Às vezes a chama apaga-se por causa do vento, que foi o caso do asceta Bahiya a quem o Buddha disse: “No ver, existe só o ver…” Bahiya tinha uma sabedoria muito subtil, com muito entusiasmo.

Então, se tal nível de sabedoria surgir em você, Nibbana ocorrerá muito rapidamente. Eu também estou a fazer muito esforço, mas ainda não cheguei lá!

Portanto, essa é a descrição de Nibbana, resumidamente ou de uma forma breve.

Sati (consciência, atenção plena, mindfulness)

Para procurar o Nibbana temos que desenvolver muito bem a nossa sati (consciência, atenção plena, mindfulness).

Muitos mestres, incluindo eu no início, ensinam sati, mindfulness, como simplesmente prestando atenção ao que se está fazendo. Por exemplo, se você pegar algo com a sua mão e mover para aqui ou para ali – é isso que é ensinado como mindfulness, sati. Lavar o corpo, escovar os dentes, vestir-se, arranjar o cabelo, estar simplesmente com atenção nessas atividades todas. Manasikara – aí há atenção. Portanto, na realidade, o que nos foi ensinado com sati é na realidade só atenção – manasikara.

Na altura em que eu estava meditando, eu tinha que ouvir os outros me dizendo que eu tinha falta de sati. Fui tomar um banho e, quando esqueci o sabão, alguém me criticava, “você não tem sati!” Então no dia seguinte, pensei para mim “prestarei atenção a tudo – mesmo o piscar de um olho. Não piscarei os meus olhos sem estar ciente disso.” Esforcei-me tanto que estava ciente de um dos pelos do braço quando se movia ao vento. Tentei estar ciente de toda a sensação do corpo, sem falha. O piscar dos olhos, etc. Ainda assim, o mestre disse algumas vezes “você não tem sati!”

Então agora, quando falo sobre isso, de como treinei no passado, mesmo até neste momento agora, isso me surge novamente, capaz de estar com atenção. Agora, por um período de tempo, ou mesmo falando, o mínimo movimento subtil do corpo – posso estar com atenção plena nisso. A determinado ponto, o yogi tem que treinar para este nível. Mas isso não é sati ou mindfulness, atenção plena, consciência.

Então, demorei um longo tempo para aprender o que é sati.

– O sati é estar-se ciente de tudo?

Não, não é! Apesar de ensinarem isso como sati. Na realidade sati é algo diferente. Isto é só atenção – manasikara.

Eu treinei no método de Mahasi Saydawa por 12 anos, e mesmo no método ensinado por Webu Saydawa e o agora ensinado por Goenka, treine nesse método por 6 anos. Ainda assim, essa coisa chamada sati não estava ainda bem clara para mim. Mesmo muitos mestres tendo-me ensinado que este método de fazer tudo com atenção era sati. Eu não conseguia aceitar que simplesmente prestar atenção era sati.

Agora pelo meu treino, estou com atenção aos movimentos do meu corpo – mas isso não é sati! Atenção aos movimentos do corpo não é sati.

Manasikara (atenção) é ensinada por causa de fenómeno dhamma [sankhara] – os hábitos diários, hábitos adquiridos durante esta vida. Daí, este prestar atenção e estar ciente de todas as ações e todos os pensamentos, é ensinada para livrar-nos destes hábitos, aqueles que foram aprendidos nesta vida. Isto não é sati, isto é só manasikara.

– Se atenção não é sati, então o que é sati?

Agora falarei sobre sati.

Manasikara é quando eu agarro nisso aqui e mudo isso para aqui, colocando no chão. Fazer todo esse processo com atenção não é sati.

Durante todo esse processo, não sentir qualquer cobiça ou aversão… neste caso em relação a este objeto e ação que faço, não tendo qualquer expectativa. Aquele fator que reconhece o desejo, e reconhece a aversão como tal.

Portanto, a par deste ato de atenção, há outro fator que está ciente se existe algum desejo ou aversão na mente ou se existem quaisquer expectativas. Em todos os quatro satipatthanas é mencionado que o yogi deve ser livre do desejo e da aversão. Aquele fator que conhece o desejo e a aversão é sati.

Falar, dar uma palestra, não se dá com sati, mas principalmente com atenção, manasikara. Tenho a ideia de que algo de bom surgirá desta palestra – isso é um tipo de desejo. Também quando as coisa não correm bem como deviam durante uma palestra, chateação pode surgir – ai há aversão. Se eu consigo ensinar sem essas coisas entrarem no ensinamento, então haverá sati, mindfulness. Sem desejo nem aversão.

É com sati que a nossa inclinação para punabbhava, renascimento, é superada. Isso será a causa, a condição, para ver Nibbana.

Então, isto é sati, mindfulness. A atenção, manasikara, ajuda sati a crescer e a continuar. Sati baseada em sati, Um momento de sati após outro momento de sati. E é manasikara que ajuda sati a continuar.

Imagine-se que o objeto da atenção é um som ou outra coisa, no próximo momento um objeto visual – é a manasikara que transfere a mente de uma focagem para outra focagem. Isso é manasikara, atenção.

Apetece-me tocar nesse apagador. Assim a mente, de onde estava, vira para este novo objeto do querer agarrar, apanhar, tocar nesse apagador. O agarrá-lo, o mudar de atenção, apanhar com atenção, virar a mente nessa direção – mas apanhá-lo sem desejo nem aversão – isso é sati, mindfulness. Logo outra vez, o próximo passo de mudá-lo para aqui e guardá-lo aqui, é a atenção que, desde o primeiro momento de agarrá-lo, agora movendo-o para aqui e guardá-lo mas mantendo a mente livre de desejo e aversão – durante isso, a parte seguinte dessa ação é feita por sati ou mindfulness.

Então quando você treina nisso por alguns dias, desta forma, tudo acaba por se juntar. E então manasikara e sati se encontram, o que acaba por se chamar yoniso-manasikara, atenção certa. Então manasikara e sati trabalham em harmonia.

Sati e Sabedoria

Assim é juntamente com sati e manasikara que todas estas coisas são realizadas. Dessarte, durante um período de tempo, enquanto a pessoa procede nessa prática, se começa a ver certos fenómenos ligados ao objeto. Então este aspeto chamado manasikara é removido da mente. E no seu lugar, sabedoria, o fator da sabedoria desponta. E então lhe chamamos sati-sampajanna. Torna-se sampajanna, compreensão lúcida.

Então sati e sabedoria se tornam algo automático em nós. Sati e sabedoria são os dois únicos fatores. De todos os fatores mentais, sati e sabedoria são os dois únicos fatores nunca contaminados por ignorância, avijja. Todos os outros fatores, mesmos os fatores mentais saudáveis, podem ser influenciados por ignorância.

Estes dois fatores mentais – sati e sabedoria – conduzem ao Nibbana. Onde quer que exista sati e sabedoria, o apego não nasce, nem a cobiça. E a mente está protegida. Estes são os dois fatores mentais que realmente compreendem o que é saudável, benéfico e o que é nefasto e prejudicial. E assim a mente se inclina para o Nibbana!

Vídeo original:

“Para acender um fogo era necessário ‘dominá-lo’. Quando o fogo se soltava do seu combustível, ele estava ‘livre’, liberto da agitação, dependência e aprisionamento – calmo e sem limitações. É por isso que as poesias em Pali repetidamente usam a imagem do fogo extinto como uma metáfora para a liberdade.”
– Ajaan Thanissaro, sobre o Nibbana

“O Nirvana é uma dimensão que transcende o espaço e o tempo, e, portanto, é difícil falar, e até mesmo pensar a respeito dele, na medida em que palavras e pensamentos são adequados para descrever a dimensão do espaço-tempo. Mas, como o Nirvana está além do tempo, não há movimento, não há fricção, e, portanto, nem envelhecimento nem morte. Logo, o Nirvana é eterno. Ademais, como ele está além do espaço, não há princípio, nem fronteira, nem conceito de eu ou de não-eu, e, portanto, o Nirvana é infinito. O Buda também nos assegurou que o Nirvana é uma experiência de imensa felicidade. Ele disse: ‘O Nirvana é a maior felicidade possível’. Dhp. 204”
– Bhante Shravasti Dhammika, Boas perguntas, Boas Respostas

A iluminação, ou Nirvana, nada mais é do que o estado além de todos os obstáculos, da mesma forma que do pico de uma montanha muito alta sempre se vê o sol. Nirvana não é um paraíso ou algum lugar especial de felicidade, mas é de facto a condição além de todos os conceitos dualísticos, incluindo aqueles de felicidade e sofrimento.
Quando todos os nossos obstáculos forem superados, e nos encontrarmos em um estado de presença total, a sabedoria da iluminação se manifesta espontaneamente sem limites, assim como os infinitos raios do sol. As nuvens se dissiparam e o sol finalmente está livre para brilhar novamente.

– Namkhai Norbu Rinpoche

Saiba mais (links externos):

Veja também:

Olhar Budista > Recursos > Budismo: comece aqui!


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